O tema desta edição é polêmico, já que aborda um comportamento ou esporte, como queiram, cujas origens são proveniente de tradições tão antigas que se perdem na noite da História. Era praticado desde o período de civilizações bem remotas, e encontra-se associado a sacrifícios e a mitos religiosos. Desenvolveu-se principalmente na Península Ibérica, e enquanto vem perdendo espaço em Portugal e Espanha está se desenvolvendo em países como a China. O foco do relato que trago aqui sobre a Tauromaquia, se estabelece mais no encontro de um local inusitado e no conhecimento que proporcionou, do que no aprofundamento do tema em si, o que demandaria mais pesquisas e discussões.
No início de 2017, minha amiga Vanisse Corrêa e eu estivemos participando de um encontro no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, o AFIRSE, um dos mais destacados Congressos de Educação da Europa. Certo dia, em um intervalo das apresentações enquanto passeávamos a esmo, nos deparamos com um enorme edifício em estilo árabe em pleno centro da cidade. Sem saber bem do que se tratava, entramos e nos deparamos com a Praça de Touros do Campo Pequeno, e mergulhando um pouco perplexas nesse universo, observando as peças e fotografias do Museu de Tauromaquia que lá se encontra.
Ficamos sabendo que na origem da relação entre o homem e o touro, mais concretamente o seu antepassado Auroque, existe até mesmo uma questão metafísica, pois esse animal sempre foi visto como um animal místico, portanto objeto de cultos religiosos, como símbolo da fertilidade e de virilidade. O enfrentamento do touro pelo homem era uma forma deste se apoderar das qualidades do animal e essa prática manifestou-se nas mais diversas sociedades mediterrâneas e do Oriente Médio, como narrado na Epopéia de Gilgamesh (Mesopotâmia, IIº milênio A.C.), e nos afrescos do Palácio de Knossos em Creta na Grécia, durante a civilização Minóica. Também nos mitos da antiguidade grega como o do Minotauro e o Rapto de Europa, que deu nome ao continente, e esta influência mantém-se até aos dias de hoje, na arte e cultura da civilização ocidental.
Uma das surpresas desse local foi encontrar uma toureira entre os homenageados, Conchita Cintrón (1922-2009), também conhecida como a “Deusa Loira da Arena”. Ela foi uma toureira peruano-portuguesa, considerada ainda hoje como a mais famosa em Portugal e no mundo todo. Nascida no Chile, cresceu no Peru, mas viveu a maior parte da sua vida em Lisboa, onde faleceu aos 86 anos. Muito jovem, aos 16 anos já era uma “rejoneadora” profissional, isto é, toureava a cavalo. A partir de 1939, ela iniciou uma carreira internacional que a levou ao México, Portugal e França. Aposentou-se em 1951 após seu casamento, e em 1968 publicou um livro de memórias, com o prefácio escrito por Orson Welles que era um de seus admiradores.
“O testemunho dela é uma repreensão para todos os homens que já sustentaram que uma mulher deve perder algo de sua feminilidade se ela quiser competir com os homens”, escreveu Welles.
A Praça de Touros, foi fundada em 1892, está localizada na Avenida da República em Lisboa, e é considerada a primeira Praça de Touros de Portugal. Esteve fechada por anos e após algumas reformas e restauros foi reaberta em 2006. Nesse local além das corridas de touros, acontecem concertos musicais, feiras, exposições e outros eventos, tem uma capacidade para cerca de dez mil pessoas, e o calendário de corridas acontece principalmente na primavera e no verão. Há uma galeria comercial no subsolo, conhecida como Centro Comercial do Campo Pequeno, e alguns outros espaços comerciais no piso térreo, principalmente bares e restaurantes.
Algumas lojas e restaurantes do Centro Comercial:
Retomando a questão das touradas, ela é tão polêmica que envolveu até mesmo a Igreja Católica, inicialmente com uma atitude positiva e benevolente: o Touro era o animal que se identificava tanto com São Lucas como com o Arcanjo Gabriel e São Miguel. A partir do século XIV a situação muda, quando a igreja começou a incluir nas orações aos seus santos padroeiros, oferendas de Novilhos ou Touros, que tinham como finalidade pedir ao santo da devoção de cada um, que intercedesse junto a Deus para pôr fim às muitas calamidades que assolavam as cidades. A situação chegou a um ponto em que o Papa Pio V (1504-1572) escreveu a bula “De salute gregis dominici”, condenando a prática das touradas, e que se encontra em vigor até os dias de hoje:
https://moimunanblog.com/2011/12/02/bula-salutis-gregis-dominici-de-san-pio-v/
Enfim, a tauromaquia divide opiniões apaixonadas, é considerada como patrimônio imaterial por alguns e espetáculo violento e degradante por outros, “não é de hoje que as touradas são condenadas por grupos que protegem e zelam pelos direitos dos animais. E atualmente, como a economia dos países europeus não apresenta um crescimento, e os movimentos contra esse tipo de esporte só crescem, já foram cogitadas muitas vezes, o encerramento das touradas. Há locais na Espanha em que esse tipo de torneio já não ocorrem mais, por determinações judiciais.
A primeira região a acatar a ordem foram as Ilhas Canárias, no começo da década de 90. As redes de televisão do país também já não exibem mais os torneios, por determinação da justiça de que eventos violentos envolvendo animais não possam ser transmitidos antes das 10 da noite. Há outros tipos de touradas, mas que não envolvem a morte do animal. Entretanto, os ativistas querem banir até mesmo esses eventos, argumentando que, embora o animal não sofra danos físicos, ele fica bastante atemorizado, o que pode prejudicá-lo”, segundo as entidades de defesa dos animais.
“Além de ser um triste espetáculo, o que torna difícil a abolição da tauromaquia é o dinheiro envolvido nessa indústria” (José Ignácio Giménez – ativista pelos direitos animais.)
Para saber mais: http://www.falabicho.org.br/PDF/16.pdf
Fonte: http://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/a-verdadeira-origem-da-tauromaquia-710197
Texto e Fotos : Izabel Liviski
Vanisse Corrêa e eu, em um dia ensolarado e muito frio, ‘flanando’ em Lisboa.