As Surpresas do Ministro

Theodor Adorno, filósofo e sociólogo, sempre postulou que o papel da educação é o de ser um contraponto à barbárie. Segundo ele, “a tentativa de superar a barbárie é decisiva para a sobrevivência da humanidade”, e foi intransigente na defesa dos princípios civilizatórios, da individualidade humana e contra o histórico de violências, das opressões, e da negação da cultura.

Como vemos agora no Afeganistão, barbárie e alienação política são aliados na massificação e naturalização da ausência de reflexão, que destrói a comunidade, permite atos selvagens de agressão, a guerra física e cultural, e o impedimento puro e simples da educação, principalmente entre as mulheres.

Aqui, assistimos indiferentes um ministro da Educação afirmar que universidade deveria ser para poucos, e que declara surpresa diante de algumas atribuições da entidade que deveria dirigir. Sua gestão tem se destacado pela omissão em relação à pandemia, suspeitas de favorecimento a grupos religiosos, inépcia do Enem, ocupantes de vários cargos trocados com frequência, desastres em assuntos essenciais para um funcionamento pelo menos regular.

No entanto, não vê problemas em jovens advindos da faixa econômica mais privilegiada ocuparem muitas vagas nas universidades públicas, pois seus pais “pagam os impostos no Brasil que sustentam bem ou mal a universidade pública”, sem lembrar a falta de isonomia daqueles alijados de um bom sistema educativo, se queixa de suas muitas atribuições, enquanto terminou o ano anterior com o menor gasto em educação básica na última década.

Ilustração de Igor Morski

E muitas escolas permanecem sem bibliotecas, áreas esportivas e laboratórios razoavelmente equipados para aulas de física, química e outras disciplinas essenciais para que o país se torne minimamente competitivo em ciência e tecnologia, e o jovem de periferia tenha condições básicas para um ensino de qualidade.

O ministro acumula crises em sua área, mas infelizmente não é o único dirigente federal a ter esse privilégio, e recentemente sua declaração de que “deficientes atrapalham” mostra exatamente a pouca compreensão do processo educativo, a falta de empatia que beira a crueldade, desconhecimento do conceito de inclusão e o desprezo pela unidade que dirige.

Crise, palavra herdada do grego, significa “juízo”, “ponto crítico”, e também “contenda” ou “disputa”, um padrão do qual podemos conceber adjetivos pertinentes à arte de julgar. Esta palavra tem sido bem frequente em mídia escrita ou televisiva, nas conversas do dia a dia, e de tempos em tempos é utilizada para justificar aumento de preços, dificuldades financeiras, criação de novas taxas ou tudo isso junto.

Qualquer acontecimento adverso costuma ser “culpa da crise”; uma atribuição de responsabilidade despersonalizada, feita por uma entidade abstrata, num período “conjuntural” mas que precisa ser suportada para atingirmos o paraíso, ou qual seja o nome de uma situação mais próspera ou desejável. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 1929, que causou colapso da bolsa e uma série de suicídios, mas nossa memória é curta.

Já a crise da educação no país prescinde memória, está sempre presente e só se intensifica. Interessante que pagamos regiamente para várias autoridades com a finalidade de administrá-la, porém, à exceção de uma ou outra figura destacada de nossa história, como Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e uns poucos – muito poucos – outros, tem sido uma catástrofe.

Foi na instalação da República em que se efetivou a separação entre a Igreja e o Estado, e a questão educacional surge como o objeto de atenção da intelectualidade, embora educadores não tivessem assumido papel central na resolução dos problemas do atraso, ignorância e pobreza, e principalmente da falta de espírito público que sempre caracterizou grande parte de nossos políticos.

Já em 1932, pensadores da educação defendiam a laicidade no ensino, combatida na época pelo catolicismo, e hoje assistimos o ressurgimento do objetivo de reconectar religião e Estado, teoricamente embasada pela a defesa da ordem, hierarquia, educação guiada pelos princípios religiosos, contrários ao liberalismo, liberdade de informação e pensamento, e também apenas submetido ao poder do Estado, quando este é supervisionado pelas entidades não seculares.

O fortalecimento da família, a censura à imprensa, o combate ao “comunismo”, às transformações sociais, passam a ser mais importantes que o pensamento crítico e ampliação cultural.
Fora da área educacional a premeditada destruição que tem sido levada a cabo no Ministério da Educação não deve ser facilmente percebida, pois a crise na Saúde absorve os noticiários; nunca chegamos a ter real qualidade, e estamos desconstruindo o pouco que havíamos conquistado.

Estamos mais preocupados com guerras culturais, ideologias malucas, e o futuro não se mostra promissor.

Um outro caos ministerial

O recente desmonte do Ministério da Saúde movimenta o país, revolta a muitos, deixa indiferentes aqueles que apenas se informam por WhatsApp em seus grupos de pensamento único, mas praticamente ninguém fora da área educacional tem percebido claramente a premeditada destruição que também tem sido levada a cabo no Ministério da Educação.

Repleto de militares e religiosos, profissionais que prestam serviços úteis e importantes em suas respectivas áreas mas, salvo raríssimas exceções, são completamente ignorantes sobre Educação e desconstroem sistematicamente até procedimentos em que já havíamos adquirido determinada habilidade, como por exemplo o Enem.

Sob responsabilidade do INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, autarquia federal vinculada a este Ministério, cuja missão seria – não está sendo – subsidiar a formulação de políticas educacionais para o desenvolvimento econômico e social do país, o Enem vai mal, muito mal. O mais baixo número de inscrições para este exame desde 2007 mostra seu descrédito.

Entre suspeição de erros nas notas de redações, resultados divulgados em meio a grandes instabilidades do sistema, falhas de identificação de candidatos, questões ideológicas (que sempre atribuíram aos “inimigos” enquanto suspeitavam de colorações vermelhas, mas que, racistas, não incomodaram), detecção de milhares de notas erroneamente lançadas, uma lambança federal leva à conclusão de que, efetivamente, tem sido designadas chefias pela obediência ao supremo mandatário e não exatamente por conhecimentos técnicos, o mínimo deles sendo ter uma razoável ideia do que é o Enem, quais seus critérios de realização e correção e sua importância para o futuro do país.

O INEP encontra-se em tal estado de desarticulação que funcionários mais comprometidos com a instituição e com algum tempo de casa divulgaram uma carta aberta onde, entre relatos de outros descalabros, afirmaram: “O quadro de gestores do INEP é escolhido, direta ou indiretamente, pelo ministro da Educação, que acaba dando direcionamento e definindo prioridades diretamente influenciadas pelas escolhas de cada governo. Isso leva o instituto a mudar de rumos estratégicos e operacionais a cada troca de gestão. Houve momentos em que se chegou ao extremo de serem realizadas mudanças em processos estritamente técnicos em decorrência de opinião ou posicionamento ideológico do gestor, sem a devida justificativa técnica e científica para os feitos”.

Desde o início da pandemia do novo coronavírus, ímpetos de “modernização” da educação, com a anuência do MEC, têm proporcionado neste momento de crise a oportunidade de acelerar o projeto de precarização das escolas. Bom exemplo disso é o recente escândalo de permissividade com malfeitos de uma instituição de ensino superior vinculada a religiosos em relação ao Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, para avaliação dos cursos de ensino superior), que, denunciadas, geraram desprezo absoluto por pareceres técnicos e jurídicos que recomendavam investigação criminal; entretanto ameaças de demissão a técnicos que deveriam ter enviado o processo à Polícia Federal não faltaram.

Palco de guerras culturais para ocupação de cargos, entre olavistas e não olavistas, religiosos e seguidores ideológicos, a autarquia reflete falta de direcionamento, de uma política educacional, e está perdida em meio a projetos descontinuados. Outra de suas autarquias, o FNDE, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, em princípio seria responsável pela coordenação de vários programas, como o FUNDEB, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, formado por recursos para financiamento da educação básica pública, e que nos últimos dois anos tem sido palco de uma verdadeira comédia de erros.

Suas últimas portarias para transferências de recursos de grande monta a diversos municípios, tiveram problemas graves que não puderam ser resolvidos ainda, embora o governo admita as falhas, pois, foi publicado em veículo de grande circulação nacional: “integrantes do governo Bolsonaro afirmaram à reportagem que o FNDE ainda não sabe a dimensão do equívoco e nem como resolvê-lo”.

Em nota publicada em seu site, o FNDE admite que as recentes transferências seguem ancoradas em cálculos equivocados. “Após terem sido constatadas inconsistências na filtragem das matrículas, o FNDE iniciou o reprocessamento dos dados. A partir dos resultados será publicada nova Portaria Interministerial, ainda no primeiro semestre de 2021”. Finalizado este semestre, ainda se aguarda a publicação da Portaria. Acumulam-se os erros do MEC, que ao menos são republicanos em sua distribuição, espalham-se pelas várias unidades, sob olhares atônitos dos trabalhadores de carreira.

A narrativa dominante sobre indicadores que comprovariam que a escola pública de ensino médio obtém péssimos resultados nas avaliações em larga escala são utilizados para propor a “militarização” destas instituições, como se esta fosse a solução miraculosa, quase que a cloroquina do ensino brasileiro, deixando de lado problemas estruturais: muitas delas não têm bibliotecas, quadras de esporte em comunidades onde poderiam agregar toda a região do entorno tornando as pessoas corresponsáveis ao processo educativo, e se ressentem da falta de material didático de qualidade em quantidade suficiente.

Ressalte-se que o discurso oficial é sobre a inutilidade de salários dignos e planos de carreira que possibilitem atualização cultural e profissional dos professores, assim como o combate à pobreza endêmica de estudantes e de suas famílias. Preconiza-se apenas a ordem e disciplina rígida das organizações militares, uma ivermectina infalível para o setor.

Sem negar a competência de muitas escolas militares, é importante perceber que talvez sejam boas exatamente por serem poucas, permitindo dedicação daqueles vocacionados ao ensino, e não constituindo recurso de educação em massa, ou seja, poucos e bons alunos, extremamente selecionados. Os próprios indicadores educacionais não irão, sozinhos, melhorar a escola, avaliar é parte da solução se esta for seguida por atitudes concretas em prol da elucidação do problema, já que deficiências estruturais existem há bastante tempo, são, inclusive, muito alardeadas em épocas de eleições, porém nunca foram de fato incluídas em políticas educacionais.

Aparentemente o objetivo atual é discutir a “guerra cultural”, e comportamentos julgados adequados (ou não), como distribuições do famoso e inexistente “kit gay”, a Escola Sem Partido, professores baderneiros, alunos nus em universidades e que tais… Mesmo sabedores que as mazelas existem há bastante tempo, foi a partir do atual governo que o conjunto de problemas se intensificou, dado o projeto político ultrarreacionário que apenas admite disciplina como essencial, e não o conhecimento; apenas reconhece a família tradicional como fundamental na organização social, negando as ligações homoafetivas, direitos de estrangeiros, indígenas e minorias. Inclusão vinha sendo pauta indispensável aos currículos, ao lado de matérias técnicas e de conhecimentos gerais.

Os projetos políticos explicitados condenam a liberdade do ensino-aprendizagem, elogiam o negacionismo científico, o revisionismo histórico, a militarização nas escolas, a intolerância religiosa.
A homeschooling, educação “caseira”, é apresentada como se fosse aspiração de todas as famílias, dando a impressão de que pais e mães são todos vocacionados para o magistério, e certamente não tem nenhuma outra atividade produtiva.

Ensinar não é função de um único dia da semana, existem atividades de rotina, que necessitam tempo e planejamento, distintas metodologias e pesquisa de materiais complementares. Aulas de matemática demandam não apenas conhecimento da matéria, mas também cuidadosa escolha de exemplos, softwares, artefatos concretos por meio dos quais a criança ou jovem possa entender os conceitos explanados. Da mesma forma, português, geografia, história e outras disciplinas. Quantos pais tem essa possibilidade de tempo e aprofundamento dos conhecimentos?

A ideia parece ser “terceirizar” esta atividade para estabelecimentos religiosos, no entanto o ensino confessional já é uma realidade no Brasil, os primeiros colégios foram fundados por jesuítas na época da Colônia, igrejas luteranas e outras também tem mantido suas atividades educativas, com bastante êxito e frequentemente sem radicalismos ou visão única sobre o mundo e a sociedade. As PUCs brasileiras, ao lado das Universidades Federais de vários estados, de forma geral tem um satisfatório padrão de qualidade.

Só o mais absoluto desconhecimento da área educacional, seus critérios e exigências, pode considerar que esta é a única pauta sobre educação que deve prosperar no país. Ensino doméstico existe, pois famílias as vezes moram muito afastadas de escolas, crianças doentes ou seriamente impossibilitadas de movimento precisam pais dedicados para o ensino diário, e a tentativa honesta de vencer as eventuais dificuldades com uma ou outra área do saber.

A própria implantação da Educação a Distância demanda cuidados que especialistas estudam criteriosamente: metodologias, tecnologias mais estruturadas, expectativas do processo de ensino-aprendizagem e a infraestrutura dos espaços utilizados. Ademais, negligenciar as desigualdades sociais, as regiões periféricas sem serviço de internet, a dificuldade de investir em equipamentos que permitam o acesso, pois boa parte da população conta apenas com seus celulares – quando os têm – prejudicam esta modalidade.

Quando a maior parte dos estudantes brasileiros esteve afastada de seus professores por dificuldades econômicas, é difícil falar em doutrinação por parte dos professores, já que movimentos de negação da ciência e do conhecimento, posicionamentos polarizados em religiões, estão tentando cancelar os poucos avanços progressistas alcançados nas últimas décadas sobre comportamentos a respeito da sexualidade, raça, integração de imigrantes, respeito às diferenças.

Em recente pronunciamento, o doutor Luís Roberto Barroso, Ministro do STF, declarou que, com relação aos direitos das minorias, “ganhamos, porém não integramos aqueles que perderam”, ou seja, a população LGBT+ pode se casar, todavia enfrenta sérias resistências da comunidade, negros têm garantida legalmente a sua igualdade, entretanto não conseguem escapar da violência e do racismo, e assim por diante. Da mesma forma estamos perdendo espaços preciosos no setor educacional, projetos que pareciam encaminhar-se para instituições mais inclusivas e modernas parecem retroceder a procedimentos autoritários e centralizadores.

Propostas são destruídas e afirmações malucas aparecem do nada, sem nunca ouvir docentes de várias gerações em escolas públicas ou privadas que atuam no ensino e, especialmente, nos diversos níveis de experiência, com suas distintas visões do processo de ensino-aprendizagem. Em particular no Ensino Médio, onde preparamos o jovem prestes a inserir-se no mundo do trabalho, estamos dilapidando os avanços propostos na Constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), e as mudanças curriculares contidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio que implicaram na ampliação da oferta para que todos pudessem concluir a educação básica.

Afinal, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 59, a participação no sistema educacional foi definida dos 4 aos 17 anos, e o ensino médio tornou-se obrigatório para todos os jovens que concluíram o ensino fundamental, importante para o reconhecimento da importância política e social desta etapa fundamental para o desenvolvimento econômico do país como um todo, e a Lei nº 13.415/2017 definiu uma organização diferente para esta etapa. No entanto, sem tê-la implantado adequadamente, recomendações de diminuição da carga horária de ciências humanas feitas neste último ano, como se estas nada contribuíssem para a formação de toda uma geração, demonstram cabalmente a falta de entendimento dos sentidos e significados do ensino médio.

Uma análise contemporânea revela que a função social da escola, um espaço de interação, é o da garantia de futuro profissional, convívio respeitoso entre opiniões diversas, gerações distintas e representantes da comunidade. A recente e ainda incompleta mudança na concepção pedagógica está vocacionada para colocar o estudante no centro do processo, valorizando suas vivências e posicionamentos, permitindo uma participação mais ativa do aluno em sua própria educação.

O momento presente tem modificado muito, nem sempre para melhor, a ordem econômica e cultural, trocando autoria, criatividade e orientação por meio do diálogo por obediência e hierarquia.
A civilidade que parece prevalecer em alguns outros países passa ao largo da sociedade brasileira, a sensação é que, na prática, retrocedemos à Idade Média, apesar de nossa legislação ser relativamente justa e moderna.

Escrevendo na Escola


O ato de escrever, prazeroso para alguns, tormento para outros, implica na posse de competências de uso da linguagem que podem ser desenvolvidas na escola, e embora alguns tenham um certo talento inato, mesmo esses desenvolvem melhor a aptidão com um pouco de estudo sobre algumas técnicas de boa redação, ao lado de um pouco de aprofundamento sobre o assunto que deseja abordar.

A linguagem escrita, pelas suas características, pode ser considerada facilitadora da estruturação do pensamento, da realização de uma tarefa específica, e principalmente no desenvolvimento do raciocínio lógico e formal. Escrever facilita não apenas a reflexão, mas também a geração, a organização e o aprofundamento das ideias, é um contexto especializado de comunicação, e comumente caracteriza um certo grupo profissional que dela faz uso.

Basta imaginar aquilo que chamamos “grafia de médico”, exagero que interpretamos muito em função da letra, mas que expressa um conceito popular desta profissão. Escrever bem implica não apenas em colocar ideias no papel – mesmo que um computador faça as vezes deste receptáculo – mas ordená-las, reagrupando parágrafos, coordenando os assuntos em sequência lógica, e dar um acabamento ao texto, pois correção gramatical, concordância e um certo estilo são indispensáveis, para maior clareza e objetividade.

Um requisito essencial para um bom desempenho na melhoria de habilidades evidentemente está na leitura, costuma escrever bem aquele que lê bem, embora algumas vezes a recíproca não seja verdadeira; porém um mínimo de desenvoltura todos podem adquirir, e é preciso lembrar que as situações de avaliação, não apenas na escola mas também na vida profissional, pressupõem a expressão por escrito de um conhecimento adquirido, do uso de ferramentas de aprendizagem, nos processos de aquisição e organização do conhecimento.

Johannes Vermeer – “Mulher escrevendo uma carta”

Sem esquecer que o estudo do tema transparece durante o processo, explanar bem sobre um assunto do qual não se tenha o menor domínio será quase impossível, mesmo que as palavras utilizadas não contenham erro. O adágio popular diz que um bom escritor não precisa falar, precisa escrever, mas escrever sem pensar é bastante improvável; estudar um tema, ouvir opiniões diversas e até contraditórias sobre ele, reforça a segurança de seu ponto de vista e fornece bons argumentos.

Sendo particularmente recomendável nestes tempos de “opinião única”, de grupos reunidos em torno de ideias pré-concebidas (de forma geral bem superficiais e preconceituosas), de intolerância aos dissenso, de agressões a todos aqueles que não raciocinam dentro da mesma fôrma que os demais; escrita demanda pensamento.

Ao longo da história humana a escrita se desenvolveu, partimos de simples registros de imagens de animais ou cenas de caça em cavernas até o moderno celular, mas o objetivo foi sempre o de nos comunicarmos, de transmitirmos informações concretas sobre alimentos, sobre segurança, sobre sobrevivência, mas também notificações sobre nossos medos, nossas inseguranças ou alegrias. No real e no virtual, o exercício da escrita é relevante e essencial, muito de nossas opiniões e legado de nosso conhecimento se fazem por meio dela.

E a escola, onde ampliamos e melhoramos o ato de escrever, lugar do debate, das múltiplas ideias, das teorias que se complementam, contradizem ou pelo menos se superam, estimula a clareza, a coerência e o registro. Cursos superiores normalmente finalizam com um Trabalho de Conclusão de Curso, mestrados com uma Monografia e doutorados com um Tese, pois constituem a evidência do aprendido, o certificado de que se está pronto para exercício profissional, pois o mundo do trabalho demandará escrita em muitas oportunidades.

Um grande conselho que frequentemente nos dão é o de, quando envolvido por grandes problemas, escrever sobre ele: como surgiram, seus possíveis motivos, como transcorreram, estágio atual, prováveis soluções e/ou atitudes a serem tomadas. Isso costuma trazer clareza, como se o ato da escrita trouxesse altura, largura e profundidade para a situação enigmática, auxiliando a disseca-la e resolvê-la.

Mas certamente escrever traz muitas outras vantagens à nossa vida, a capacidade de expressar sentimentos, de posicionamento diante do Outro, seja ele um amigo ou oponente; muitas desavenças nascem e se ampliam apenas na má comunicação verbal ou escrita. Nem todos nascemos para ser escritores, mas todos queremos ser melhor compreendidos, o hábito de escrever auxilia muito neste intento.

Segurança nas Escolas e Comunidades

É lamentável que certas escolas de ensino fundamental ou médio, instaladas em áreas distantes e de entorno com população carente, sofram muitas vezes sérias consequências da insegurança de toda a região. São instituições fechadas por grades e cadeados, em que não apenas os alunos, mas também professores e funcionários estão submetidos a um eterno receio de assaltos e violências, tornando o período escolar desagradável para uma comunidade que, como todas as outras e talvez um pouco mais que algumas, precisa do sistema educativo como chance de melhorar suas próprias condições econômicas e sociais.

Políticas com o objetivo de prevenção da violência criminal não costumam ser políticas estruturais, de longo prazo, que atuam sobre as macroestruturas socioeconômicas do país, e desmerecemos aquelas tópicas, que combatem a inercia: “enquanto não eliminarmos as grandes mazelas fundamentais da sociedade brasileira, nada se pode fazer para melhorar a segurança”, assumido por aqueles cuja crença é de que ou se faz tudo, ou nada é possível fazer; ou erradicamos as causas todas do crime, ou estaríamos condenados a enxugar gelo.

Negando a viabilidade de soluções a curto prazo, conduzimos a população à descrença e frustração, fatores de risco para que prosperem propostas descabidas e autoritárias de combater violência com mais violência, armando a população, cercando favelas, erguendo mais muros, trocando a segurança pública pela privada, incentivando a brutalidade, a pena de morte, o justiçamento.
Pesquisas bem realizadas mostram, no entanto, que estabelecer ações públicas de natureza preventiva com resultados rápidos, é eficiente mesmo não atuando sobre causas estruturais do problema.

Ou seja, agir de modo eficiente, rapidamente e mobilizando poucos recursos, sobre o fato a ser modificado pode representar um alento àqueles que necessitam soluções; incluindo aí a prevenção. Mesmo que políticas preventivas não promovam mudanças estruturais e não impeçam o retorno do problema, podem salvar vidas, reduzir danos e sofrimentos, equilibrando as pessoas e instaurando melhores padrões de comportamento.

Isso tem consequência a médio prazo, pois práticas de crimes afastam comércio, serviços e empresas da região em que se tornam frequentes, e este fator contribui para o aumento do desemprego, que por sua vez amplia as condições para o crescimento de certas formas de criminalidade, beneficiadas pela sensação de impunidade, fechando um ciclo perverso em torno deste eixo. Até porque o contrário é absolutamente verdadeiro, quando reduzimos a criminalidade atraímos mais pequenos negócios cujos donos, sentindo-se seguros, oferecem mais empregos.

Agir correta e rapidamente sobre a propagação de crimes reduz o número de vítimas, o risco, a sensação de insegurança, mesmo que não atue sobre cerne exato do problema; aumentar fiscalização, adequar áreas de lazer para a comunidade, oferecer equipamentos esportivos e palestras em centros comunitários – que podem ser feitas por instituições de ensino superior como parte de suas atividades extensionistas – versando sobre saúde, empregabilidade, empreendedorismo, segurança, Lei Maria da Penha, qualidade de vida e muitas outras, podem ser valiosos auxílios.

É preciso evitar a todo custo que o crime se torne causa do crime, e isso pode ser auxiliado pela melhoria financeira e maior preparo para as diversas esferas da vida social. Isso prepara o caminho para a perda de relevância sobre a distinção entre políticas preventivas estruturais e localizadas, pois ambas são importantes, não se justificando sacrificar uma em detrimento de outra, o que apenas contribui para o imobilismo.

 

IDENTIDADES MUTANTES…

Embora nem todas as pessoas tenham um mesmo grau de acesso aos recursos tecnológicos, e estes possam até aumentar a desigualdade social, é evidente que sofremos alterações na forma de vida e atitudes em função da tecnologia.

A estratificação resultante das novas mídias, ou seja, as desigualdades resultantes do seu uso nas diversas classes sociais de cada região – algumas praticamente alijadas delas – produz aquilo que denominamos hoje de “lacunas de conhecimento”, pois países mais ricos, e principalmente suas classes sociais mais altas, tem acesso facilitado às modalidades mais sofisticadas de trabalho e aos novos empreendimentos.

Pessoas conectadas em rede tem mais facilidade não apenas às informações, mas a tudo que decorre destas: mais oportunidades de emprego, mais segurança, saúde, lazer, entre outros itens que trazem conforto e inovação na rotina diária.

No entanto, tudo isso se altera também na dependência da estrutura das personalidades envolvidas, e percebe-se hoje que as identidades pessoais têm sofrido alterações profundas se estamos off-line ou online: jovens e crianças estão desenvolvendo duas formas de identidade, inéditas em nossa cultura até o momento.

Seres humanos sempre apresentaram diferenças sensíveis entre seu comportamento privado e público, pois a sós temos um certo padrão de comportamento que nem sempre se repete quando acompanhados, já que as normas sociais interferem significativamente neste último caso. Comunidades e até povos podem ser mais expansivos ou introvertidos em comparação com outros, é o caso, por exemplo, da emotividade brasileira versus a contenção associada a europeus ou orientais.

Se o meio “permite” mais contato físico, como abraços ou demonstrações explícitas de afetividade, mesmo pessoas mais tímidas – no plano pessoal – tendem a soltar-se um pouco mais, socialmente falando. E é interessante verificar que muitos estrangeiros, sisudos em seus países de origem, se “contaminam” com a alegria brasileira.

Ilustração de Tomek Sętowski

Isso sempre existiu, mas vemos hoje o desabrochar de um controle bem mais difícil sobre nossas identidades sociais, já que nossas características pessoais podem ser extremamente passíveis de serem alteradas quando estamos online, e o tipo de vida que vivemos pode ser classificado como digitalmente mediada.

Claro que alterar nossos avatares pode modificar a forma como somos percebidos pelos demais, e isso certamente provoca confusão intima entre impulsos autênticos ou cultivados, até o ponto em que sejamos incapazes de discernir entre um e outro; e isso justifica inclusive o uso da internet para divulgar dados extremamente pessoais, que possivelmente trarão dissabores ou mesmo complicações judiciais.

Nestes casos estão aqueles que enviam nudes, declarações racistas, detalhes de renda ou atividades de lazer, xingamentos, machismos, homofobias, agressões de vários tipos, como se estivessem falando apenas entre amigos de estrita confiança.

Tais comportamentos, mais visíveis quanto mais jovens são os usuários das redes sociais, infelizmente é visto também entre adultos, numa época em que ninguém quer “crescer”, ou seja, amadurecer; e assim subestima-se o risco corrido em tempos de violência extremada, que muitas vezes extrapola o verbal e é explicitada no plano físico.

Observando crianças e jovens no ambiente escolar, é fácil verificar que as relações custo-benefício de alguns de seus procedimentos não estão nos universos emocionais, e que o desejo de aprovação social é preponderante a qualquer outra perspectiva em seus atos. Colocar-se com intimidade, oferecer o prazer do compartilhamento, concordar com o outro em suas mais estapafúrdias declarações, sentir-se membro daquele grupo parece cegar a autocrítica.

A instabilidade da identidade pessoal produzida pela enorme insegurança de quem pode ou não ter acesso às postagens – já que amigos compartilham com outros amigos – tem criado hoje identidades sociais assentadas em premissas falsas, e as agressões crescem.