Esta primeira publicação da coluna PoetiVidade é dedicada a pensar a Poesia como um estado de Vida. Poesia como própria Vida que se desvela perante o olhar e os pensamentos do Poeta.
Tratando-se de uma coluna sobre poesia, a licença poética, sempre que necessária, se fará presente, e palavras “inventadas” ou com letra maiúscula “onde não devia estar”, etc., farão parte de nossas publicações.
Mas como podemos pensar a Poesia na Vida para além do que está ali, escrito no papel? É possível criar um bom poema se preocupando prioritariamente com sua forma, deixando o conteúdo em segundo plano? Qual relação deve haver entre forma e conteúdo?
As questões acerca da poesia e do poema que foram apresentadas acima são recorrentes entre aqueles que se interessam por este tipo de arte. Isso talvez porque muitas poesias não são fáceis de serem adentradas em sua essência, elas possuem camadas, níveis, e até mesmo ângulos de compreensão diferentes, mas que por vezes são complementares.
Há pessoas que pensam o poema de maneira primordialmente matemática, de modo que a “forma” seja o mais importante na criação poética. Para estas pessoas, o que importa é uma boa escrita, que significa um ótimo domínio da linguagem e um planejamento, ou cálculo do que será passado para o papel. É um pensamento interessante, porque preza pela beleza estética, que sem dúvidas é essencial para qualquer bom trabalho artístico, numa escrita que sempre busca surpreender o leitor, brincando com a forma e a relacionando com o conteúdo o máximo que puder. Este é um pensamento comum entre diversos círculos de literatos, e possivelmente seja, entre eles, o pensar dominante sobre o tema.
Apesar dos méritos da formalização matemática da criação poética, cremos que há um grande problema quando se exalta a forma em detrimento do conteúdo. Além de ser um pensamento elitista, porque segundo esta concepção somente os mais estudados e letrados é que seriam capazes de produzir boas poesias, é praticamente como se dissessem que, se não houver poema escrito, não há poesia no mundo, quando, ao contrário, vemos que nas Artes em geral há um elemento essencial, que entendemos por POESIA.
Quando assistimos a um belo filme, observamos um quadro, ouvimos boa música, ou mesmo contemplamos a aurora do dia, a lua cheia… ou quando damos um abraço apertado, um beijo apaixonado… sentimentos, sensações e pensamentos nos tomam de forma que nos sentimos Vivos. Independente do que pensamos ou sentimos, em contato com as Artes temos momentos de relação mais próxima com a Vida, que pode ser pensada aqui como Existência, não se restringindo somente ao que nós, seres humanos, classificamos como Vida.
Desta maneira, a Poesia pode ser entendida como algo inerente à própria Existência e à nossa Vida. Ela pode ser pensada como Essência, ou Essências presentes em todos os ramos da complexidade da Existência. A Poesia é o Elo, o que enxergamos de Belo sem saber explicar. Ela está presente em todas as artes, sendo justamente o que nos chama a atenção nas mesmas, e quando em forma de poema, a arte mais democrática e barata de ser criada pois qualquer um com um papel e um lápis pode escrever, igualmente nos torce, arrebata, emociona, surpreende e encanta, da mesma maneira que todas as outras artes, e isto porque elas possuem Poesia, possuem Vida!
Todo poema possui conteúdo, e muitos dos poemas que já foram escritos nasceram primeiramente da reflexão sobre determinados conteúdos, e só depois eles ganharam suas formas no papel. A inspiração poética, que muitos ainda duvidam que realmente exista, se mostra presente na obra e nas falas de muitos artistas. Eles captam a Poesia do Mundo e da Vida e a transformam em obra de Arte.
Portanto, pensar a Poesia (ou o poema) sem Vida é algo que nos parece demasiado artificial. Ao mesmo tempo que conceber a Vida separada da Poesia é como tentar separar um rio de suas margens e contornos. É preciso um equilíbrio, é necessário ver a forma como poética, como contendo a própria poesia que É.
Para finalizar, abaixo estão poemas de dois amigos que já deixaram esta Vida, mas que por aqui permanecem em suas lembranças e Poesias:
Retiro Bucólico
Fugindo da cidade titânica, trepidante
Onde a vida aos poucos se consome…
Encontrei refúgio num sítio verdejante
Cujo sossego e alívio não tem nome…
Tudo silêncio, paz, amenidade
Pássaros revoam entonando seus trinados
E para lenir, o travor de uma saudade,
Fico divagando pelos prados
Enrugando-se numa renda de recamos,
Os regatos coleiam nas campinas
Refletindo das ramagens os verdes ramos
No claro espelho das águas cristalinas…
“Longe do Mundo, do mal, da guerra”
Viver assim, que bom será
Vendo a palmeira, o canavial, a serra,
E as tranquilas águas do Juquiá
O pesado silêncio recaindo em tudo
Quando o véu da noite a terra desce
E envolvendo arvoredo mudo
Que se desfaz em mistério, num quê de prece…
Severino da Silveira Lima (1923 – 1999)
Segundos
A vida é um breve relâmpago.
Quando penso que estou cantando
Vira passado o meu canto.
Réginaldo Poeta (1965 – 2014)