Metendo o bedelho

O mundo está precisando de comprometimento e gente que não tem medo de se envolver, que não tem vergonha de se indignar e ousa agir, mesmo sujeitando-se a ser o alvo das críticas mordazes da plateia.

Concluí que às vezes deixei de fazer coisas boas pra não me intrometer na vida dos outros ou mesmo na dinâmica de uma situação já estabelecida, por falta de peito ou puro comodismo mesmo, e acabei perdendo a oportunidade de ser melhor pro mundo, pra mim mesma e pra quem estava por perto, ainda que isso viesse a desagradar a massa majoritária dos indiferentes.

Sei que é difícil saber esse limite entre privacidade e prioridade, mas quando existe um vulnerável na relação parece que essa coisa de ‘não ser da sua conta’, acaba caindo por terra – caso das crianças, da mulher numa relação de gênero, dos velhos, dos deficientes, (até a lei já sabe disso, mas as pessoas continuam fazendo que não).

Pensando aqui…. queria por exemplo ter levado meu sobrinho ao teatro quando era criança; e muitas vezes ter trazido meus tios pras festas lá de casa, ou pr’aquelas viagens de volta pra terra deles de que eles gostariam muito mais do que eu; ter levado minha vó pelo menos uma vez ao programa do Silvio Santos, o Silvio que ela tanto amava; ter escrito aquela carta pro programa que tornava acessíveis pessoas famosas, pra minha prima conhecer o Belo (ela gostava dele, fazer o quê?) – mas era se ingerir demais  nas questões alheias….!

Ficar se equilibrando entre não meter a mão na cumbuca do outro e fazer a coisa certa deixa a gente tão em dúvida que acaba por comprometer as oportunidades de fazer diferente, pois é muito mais fácil abrir mão e não comprar mais briga do que aquelas que a gente já tem (e que não são poucas), – e nessa matemática, quem precisa de uma mãozinha pra sentir a vida melhor ou realizar um sonho, acaba ficando prejudicado pela nossa indiferença e/ou falta de tempo.

Preocupamo-nos com o certo a fazer. Mas coisa certa aos olhos do público, é inatingível. Metendo o bedelho ou não, vai ser sempre a coisa errada – temos que estar preparados pra crítica mordaz dos que estão sempre prontos a julgar, ainda mais se a opção for interferir . É sempre alvo de crítica o comportamento de quem age.

Mas melhor sorte não assiste a quem não tem opinião nenhuma e cuida só da sua vida.

Quem só olha e não tem opinião, sorrindo sempre pra qualquer argumento, com uma piadinha sem graça na manga pra cada saia justa, passa ileso por mais tempo. (Afinal, quem quer a verdade? Essa verdade dolorida que muitas vezes nos contrapõe ao outro?). Mas uma hora a casa cai também pra esse que se faz de morto. A língua afiada não perdoa nem os invisíveis.

De braço dado com essa abstenção na vida em geral (porque a vida alheia em certo grau não deixa de ser também a nossa), tenho me irritado muito com essa necessidade brasileira de estar sempre de bem com a vida por mais que a vida esteja exigindo uma profundidade e um olhar limpo sobre as coisas a fim de encontrar uma solução, uma urgente solução.

Essa necessidade de ter sempre pretexto pra alegria e festa, e que é medíocre. Quando iremos nos indignar? Pergunto outra vez.

Preciso de um pouco mais de intensidade, e ela só me parece possível se aliada ao que é verdadeiro, por isso temos que nos tocar que não dá pra só viver a própria vida e deixar as coisas todas degringolarem ao nosso redor, pois vamos acabar atingidos uma hora ou outra.

Cansada da filosofia de fingir que está tudo bem e continuarmos com nossas pequenas necessidades egoicas e imediatistas a mastigar nosso cérebro e nosso coração.

Têm coisas que precisam de nossa interferência, não dá pra deixar rolar. Têm coisas que não demandam samba nem piada, coisas que merecem nossa seriedade, nosso compromisso, nossa disposição de fazer a diferença.

Quem está a fim de assumir esse perrengue? Não precisa ir até a Síria ou à Somália não, às vezes basta comprar a briga de, sim, se intrometer nas coisas que acontecem ao seu redor algumas vezes, se isso for a coisa certa a fazer (se em prol de um vulnerável, sem erro que é) e puder “salvar” o dia que seja, ou a esperança, de alguém.

Ouça esta canção e entenda com o coração o que não está dito.

 

 

 

 

 

 

 

 

Pra quem não pode ou não tem tempo de ler, estou testando a inclusão do áudio do texto. Por favor, comentem o que acharam da ideia e da leitura.

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Lári Germano é autora dos livros "Cinzas e Cheiros" e "En plein air - ao ar livre". Conheça e adquira os trabalhos no site www.larigermano.com. Lári escreve também na página pessoal do Facebook e nos Instagrams @lari poeta e @lariprosaetrova . É compositora intuitiva e tem perfil no Sound Cloud, Twitter e Youtube. A foto do logo é assinada pelo fotógrafo Fernando Pilatos www.fernandopilatos.com.br.

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