Como passar um dia inteiro discutindo se Taís Araújo deveria ou não ter aceitado a abóbora oferecida por Ana Maria Braga (a atriz detesta o fruto da aboboreira), enquanto ainda há tantos trabalhadores país afora – iludidos pela propaganda do “governo” e da mídia corporativa – defendendo reformas que só interessam a seus patrões? enquanto ainda há tantos assalariados ignorando o simples fato de que menos salário e benefícios para o empregado significa tão somente mais lucro para o empregador?
Como passar um dia inteiro discutindo se quem possui um cãozinho de estimação também tem o direito de comemorar o Dia das Mães, enquanto “cidadãos de bem” aplaudem o prefeito da maior cidade da América do Sul (que já invadiu terreno público e o anexou a propriedade sua) por desalojar de ruínas abandonadas dependentes químicos, fechar estabelecimentos comerciais e impedir que os donos retirem de lá seus pertences e produtos – ações truculentas e espetaculares que repetem antigas ações truculentas e espetaculares que só resultaram em novas cracolândias?
Como passar um dia inteiro discutindo se Fulaneide ou Beltranílson vão deixar a casa mais vigiada do Brasil (não estou falando do Alvorada), enquanto parte considerável da população vê numa intervenção militar a solução para a crise política que a nação atravessa, como se a História já não tivesse mostrado que recorrer a atalhos antidemocráticos – especialmente pavimentados pelas Forças Armadas – invariavelmente termina em repressão ao pensamento divergente, em censura à imprensa e às artes, em tortura (inclusive física) de pessoas, além de – xeu te contar um segredo – não acabar com a famigerada corrupção?
Como passar um dia inteiro discutindo se a falta foi dentro ou fora da área, enquanto a amiga dos tempos de colégio (particular) insiste que negros não deixam as favelas, não ocupam mais cargos de chefia ou não têm tantos papéis principais na tevê porque não se esforçam o suficiente? enquanto o colega dos tempos de curso de inglês (e excursão à Disney) não enxerga que o ponto de partida é “ligeiramente” mais atrás quando você vive num lugar abandonado pelo Estado e dominado por bandidos, quando você estuda em escolas nas quais falta até papel higiênico, quando você é seguido pelo segurança – só por causa da cor da pele – assim que entra nas Lojas Americanas?
Como passar um dia inteiro discutindo se o vestido é branco e dourado ou azul e preto, enquanto o vizinho desperdiça todo o seu choro e ranger de dentes com a vidraça estilhaçada de um banco – banco, aliás, que não só continua batendo recordes de lucro apesar da recessão econômica, como ainda vê perdoada uma dívida de bilhões com a Receita Federal – e, ao mesmo tempo, ignora os seres humanos que têm sua vida estilhaçada por um sistema econômico que prioriza as coisas e despreza os corpos?
Como passar um dia inteiro discutindo se o coala é mais fofo do que o panda, enquanto a justiça (com minúscula mesmo) condena quem rouba ovos de Páscoa e absolve quem lava e evade milhões? enquanto temas como identidade de gênero e orientação sexual são retirados dos currículos escolares? enquanto se cancela a gratuidade no transporte público para milhares de estudantes? enquanto são fechadas centenas de farmácias que disponibilizam medicamentos mais baratos aos cidadãos de baixa renda? enquanto se cogita pagar o trabalhador rural não mais com salário, mas com casa e comida? enquanto servidores de uma das principais universidades do país e funcionários do Teatro Municipal da #CidadeOlímpica continuam sem receber salários em dia? enquanto cresce o número de moradores de rua nas esquinas brasileiras? enquanto testemunhamos os mais vulneráveis pagarem a conta de uma crise sobre a qual eles não têm responsabilidade? enquanto a democracia – que não existe sem POVO, e não sem “ordem”, como afirmou certo “ministro” – escorre pelos ralos da barbárie capitalista?
Como?…
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