A nota de hoje recorre a um salto cronológico considerável, de 1865 – ano da publicação de “O ideal do crítico”, texto machadiano que serviu como base para a nota anterior, “As condições do crítico ideal”, publicada no dia 18 de maio, quinta-feira – para 1964 – quase um século depois, com “A crítica literária no Brasil”, texto de outro grande nome da nossa crítica, o professor Afrânio Coutinho.
Publicado, pela primeira vez, na Revista Interamericana de Bibliografia, volume XIV, número 2, e republicado, em 1968, pela Livraria Acadêmica, o estudo se divide, no que concerne ao conteúdo, em duas grandes partes – a primeira, destinada à história das correntes críticas no Brasil desde as suas primeiras manifestações, uma espécie de contextualização introdutória; a segunda, relativa à “nova crítica” e seu desenvolvimento. Estruturalmente, o artigo se subdivide em seis partes, sendo que I, II e III correspondem ao que compreendemos como “a primeira grande parte”, das correntes críticas; e IV, V e VI, à “segunda grande parte”, que trata da anunciada renovação e de seus renovadores.
Para que a nota não tome proporções de “nunca-mais”, nos limitaremos, mais nomeadamente, ao tópico II, variando, quando preciso for, entre I e III. Em notas futuras, retornaremos à segunda parte – aos tópicos IV, V e VI – visto que ela conserva uma série de apontamentos relevantes para pensarmos a crítica e os críticos não só no Brasil, mas dentro de um panorama – (im)possível – ocidental. Antes de passarmos para as correntes e as considerações sobre as mesmas, vale deitar os olhos sobre algumas colocações feitas por Coutinho na introdução:
Segundo o crítico, a “década de 1950, na literatura brasileira, pode ser considerada como da crítica literária” e representaria, de certa maneira, uma “réplica a outra, de grande importância na história brasileira, a iniciada em 1870 com a geração naturalista”. A dita geração naturalista, ou geração de 1870, é a mesma a que nos referimos na nota anterior, “As condições do crítico ideal”, ao mencionar Sílvio Romero, José Veríssimo e Araripe Junior. Para Afrânio Coutinho, o empenho, a potência analítica e o grau de inovação desses dois momentos se aproximavam na história da crítica literária, formando um elo de significação entre as duas épocas e permitindo-nos compreender esses instantes como duas contas – ou nós – no complexo cordão que se vai tecendo entre nomes, obras e correntes ideológicas.
Para Coutinho, “ao atingir […] os últimos anos de 50, a crítica brasileira encontra-se dividida em três grupos”, são eles: os reacionários e saudosistas, “que efetuavam o seu trabalho e construíram fama sobre um tipo de crítica opiniática, e impressionista, de comentário irresponsável e superficial de divagação subjetiva, sem cânones e rigor metodológico, sob a forma de militância dos rodapés de jornais, e que não se conformam com perder a situação”; os conservadores, “que se realizam “dentro dos ramos tradicionais da biografia crítica, da crítica sociológica e psicológica”; e os renovadores, “os que buscam um novo rumo para a atividade crítica, na base de um rigorismo conceitual e metodológico, de um conceito da autonomia do fenômeno literário e da possibilidade da sua abordagem por uma crítica estética visando mais aos seus elementos intrínsecos, estruturais, isto é, à obra em si mesma, e não às circunstâncias externas que a condicionaram”. Claro, é preciso considerar que os “renovadores” são vistos como “renovadores” por um “renovador”, ou seja, precisamos ter em mente que Coutinho se considerava membro do terceiro grupo – e esse vínculo facilmente confirmado através da leitura de sua extensa obra.
O estudioso nos aponta que a “crítica brasileira, durante os quatro séculos de evolução literária, enquadra-se em uma ou outra das categorias em que se divide a história da crítica: didática, histórica, sociológica, psicológica, biográfica, filológico-gramatical, impressionista, estética”. No decorrer dessa nota, objetivando uma visão mais sintética e sucinta das categorias ou linhas apresentadas, utilizaremos as seguintes nomenclaturas para encapsular os termos de Coutinho: 1) didático-antológica, à crítica didática feita nos momentos iniciais; 2) sócio-histórica, para a realizada desde Sílvio Romero (1851-1914) até Candido (1918-2017) e seus “herdeiros”; 3) Biográfico-psicológica, quando o crítico recorre a dados da vida do autor e a seu “ambiente histórico” para compreender uma obra; 4) Filológico-gramatical, no que se refere aos estudiosos que carregam qualquer coisa do neoclassicismo retórico; 5) Jornalístico-impressionista, para os “apressados” ou carentes de espaço, entregues aos rodapés apertados ou às colunas claustrofóbicas dos jornais, àqueles que se comunicam com um público maior e, por tanto, têm de recorrer a outras ferramentas; 6) Estética, ou estético-formalista, ligada ao grupo que Coutinho aponta como sendo o dos “renovadores”. Durante o texto, nas notas das próximas semanas, forneceremos listas, feitas a partir das indicações de Afrânio Coutinho, com algumas atualizações, principalmente no que diz respeito às datas de morte. Aos interessador, um breve resumo do que está por vir:
- Correntes críticas I: do Cônego Fernandes a António Cândido – 29 de junho
- Correntes críticas II: de Osório Duque Estrada a Afrânio Coutinho – 13 de julho
Obs.: No meio do caminho tinha o Carpeaux, tinha o Carpeaux no meio do caminho.