Servir a dois Senhores.

É errado servir a dois senhores? Quando foi que tivemos de nos decidir acerca de quem servir e limitar nossos passos rumo ao desconhecido – a composição do que somos, o desenho da própria vida?

Tenho enfrentado esta situação por toda a minha vida adulta: o embate entre o concreto e o abstrato, entre a vontade de me adequar e a ideia de ser inadequada, entre a arte e o Direito, – porque há uma cobrança constante do outro no sentido de que você defina: afinal, a que Senhor serves?

Não é habitual servir a dois Senhores, enfim. É como se não se fizesse nada direito ao se desdobrar entre dois caminhos, de modo a ser igualmente incompetente em ambos.

Por outro lado, no mundo de hoje, espera-se cada vez mais o êxito do indivíduo em diversas áreas como demonstração de ser uma pessoa equilibrada, – e conhecimento razoável de quase tudo, pra ser tido como um bom papo, alguém informado, com quem vale a pena trocar.

São notícias e nomes infindáveis, de pessoas, de obras, de lugares, que se deve ter na memória e na ponta da língua, pra apontar, comentar, sugerir nas rodas de amigos ou conhecidos, pra que se seja digno de crédito e admiração alheia.

Sirvo a dois Senhores, e há uma grande possibilidade de que seria mais competente se eu servisse, talvez, a apenas um deles.

Talvez gostasse mesmo de servir a apenas um.

Mas nunca saberei se a empreitada teria mais sucesso se exclusiva! Pode ser que deste conflito e sentimento dúbio, bem como do implacável julgamento do outro, por demais exigente com o meu desempenho em que quer que seja, e da minha insatisfação com o tempo, sempre escasso para tudo o que tenho que fazer, tudo o que quero fazer, é que venha o engajamento para a arte. Pode ser que a opressão de um trabalho regrado e horariado é que resulte na necessidade de expressão pela arte e, sem isso, não houvesse outro Senhor e nenhum motivo pra escrever.

Mas eu sempre soube que queria escrever. Desde o início dos meus tempos, era o ato que eu praticava, o risco que eu assumia, e me transportava no tempo. O único que fazia (como ainda faz) o tempo voar!

E venho escrevendo desde então!, quem sabe um dia o faça muito bem, o faça tão bem ao ponto de você não mais me condenar por gastar minhas horas fazendo isso em vez de assistir aulas de direito, decorar leis!? Em vez de passar em outro concurso, crescer na vida, ser alguém com título e tudo, sair dos bastidores da profissão…

Mas se isso não acontecer, e continuarem a pensar que, no fundo, sou uma fracassada, mediana em tudo o que faço, sem destaque no que quer que seja, saibam que ainda assim esta é minha maneira de subverter! De ser o que sou ainda que seja pouco. Ter minhas leituras, minhas músicas, meus filmes – as poucas coisas de que gosto (com certeza menos do que o recomendável), essenciais pra me compor – esta é minha subversão.

E pra completar, esqueço nomes. Esqueço porque o esquecimento é parte do meu processo artístico, da minha criação. Depois de esquecer muito, tudo se condensa num substrato distinto e singular, e é ele a essência da minha criação.

Não sou um bom papo, pois. Mesmo assim, tudo o que me rodeia e situa agrega-se a conceitos inominados que se desprendem de mim na escrita – lisonjeada, presto reverência ao Senhor que me escolheu – tá aí a diferença.

 

ouça esta canção e entenda com o coração o que não está dito.

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Lári Germano é autora dos livros "Cinzas e Cheiros" e "En plein air - ao ar livre". Conheça e adquira os trabalhos no site www.larigermano.com. Lári escreve também na página pessoal do Facebook e nos Instagrams @lari poeta e @lariprosaetrova . É compositora intuitiva e tem perfil no Sound Cloud, Twitter e Youtube. A foto do logo é assinada pelo fotógrafo Fernando Pilatos www.fernandopilatos.com.br.

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