Quem nunca se sentiu um tanto incomodado, ou no mínimo curioso, ao ver em qualquer notícia a respeito da restauração de algum edifício antigo aquelas imagens de técnicos trabalhando em superfícies enormes com ferramentas minúsculas? Qual a razão de tanta minúcia? Um pincel número zero ou um bisturi para trabalhar em objetos monumentais, a priori não parecem ser ferramentas muito eficazes.
Na verdade, em qualquer intervenção séria sobre um bem patrimonial, sejam uma arquitetura – bens imóveis-, retábulos, portadas, e talhas -bens integrados- ou imagens sacras, telas dentre outros -bens móveis- existe uma teoria geral, elaborada por uma série de autores, desde Ruskin e Le Duc no século XIX, e que ainda hoje sofre constantes revisões. Porém, uma das mais aceitas devido a seu caráter universal, foi criada na primeira metade do século XX pelo italiano Cesare Brandi (2008), em seu livro “Teoria da Restauração”, que oferece uma série de princípios éticos que guiam toda e qualquer intervenção sobre estes bens.
Em sua obra, Brandi define a restauração como “o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à sua transmissão para o futuro” (BRANDI, 2008, p.28). Pela definição – diga-se de passagem, nada simples!- já se pode notar a complexidade do ato, que consiste em reconhecer uma obra em sua materialidade, suas características estéticas e sua história, o que inclui até mesmo as intervenções pelas quais passou, para assim decidir como atuar na mesma, a fim de assegurar sua longevidade. Cabe destacar aqui algumas características interessantes do patrimônio material, que a grosso modo deve ser estático e eterno, ou seja, não admite alterações e degradação. Porém, como tornar eterna uma matéria que naturalmente se degrada? A resposta é simples: é impossível!
Para lidar com essa problemática, brandi oferece alguns preceitos básicos, que possibilitam atuar nessa matéria buscando retardar essa degradação natural e impactando-a o mínimo possível, garantindo ao longo do tempo a leitura de sua unidade.
Com a finalidade de reconstituir tal “unidade potencial” da obra de arte, sempre com o cuidado de não cometer nenhum tipo de falseamento artístico ou histórico- aquele remendo que parece original, mas não é- e por último, não deve apagar os traços da passagem do tempo em tal obra, traços estes que Brandi poeticamente chama de “pátina do tempo”. (BRANDI, 2008)
O primeiro princípio básico criado por Brandi, facilmente notável, é a distinguibilidade, que busca garantir que as intervenções fiquem explícitas no bem. O autor defende que a intervenção “[…] deverá ser sempre e facilmente reconhecível, (…) deverá ser invisível à distância de que a obra de arte deve ser observada, mas reconhecível de imediato, e sem necessidade de instrumentos especiais, quando se chega a uma visão mais aproximada”. (BRANDI, 2008, p.47). Nas palavras do próprio Brandi, as intervenções não devem se esconder na obra, mas sim ostentar-se.
Cientes de tais pontos, que tem por objetivo comum o respeito máximo à matéria preexistente, portadora da história e a estética de tais bens, os bisturis e pincéis parecem fazer um pouco mais de sentido.
Contudo, deve-se ressaltar aqui que tais princípios apesar de fornecerem uma sólida base disciplinar são ainda insuficientes para nortear as intervenções. Estas devem ser analisadas caso a caso e de fato executadas com uma série de outros autores, e principalmente com manuais práticos que correspondam à natureza do bem em questão.
REFERÊNCIA
BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução: Beatriz Mugayar Kuhl – Carapicuíba: Ateliê Editorial, 2008.