Este texto tem a intenção de discutir a arquitetura como ferramenta de representação, como um discurso forte que traduz o seu tempo, construído em pedras, aço, vidro e outros materiais, e que tem como característica uma grande capacidade representativa, frequentemente utilizada para forjar identidades, atendendo a interesses de grupos específicos. Como afirma o célebre arquiteto modernista Mies Van Der Rohe, “a arquitetura é a vontade de uma época traduzida em pedras” (ou aço, titânio, e tantos outros materiais altamente tecnológicos), portanto, partindo desse pressuposto, a arquitetura pode afirmar discursos eleitos como os predominantes de uma determinada cultura, e principalmente funcionar como uma espécie de “fôrma”, atuando na construção de identidades culturais de grupos específicos ou até mesmo de nações.
Para exemplificar este fenômeno podemos utilizar dois exemplos clássicos, o primeiro, o da cidade mineira de Ouro Preto, onde a arquitetura no seu “modo patrimônio” simbolizou a construção e consolidação de uma dita identidade nacional brasileira durante a fase heroica do SPHAN, concomitante ao movimento moderno brasileiro. O segundo, talvez o exemplo mais claro na atualidade de como a arquitetura tem sido utilizada nas ações de citty marketing, o museu Guggenhein de Bilbao, localizado numa pequena cidade no interior da Espanha.
Citemos nosso exemplo inicial do movimento moderno no Brasil, que utilizou-se do barroco mineiro para formular um discurso unificador em torno de uma identidade cultural brasileira.
Segundo a historiadora Márcia Chuva, (2003):
Este enquadramento da arquitetura colonial brasileira num movimento maior, de âmbito global insere o Brasil e sua cultura no processo de desenvolvimento do mundo ocidental, que se analisado pela ótica da história da arte, passa por alguns movimentos importantes, como os estilos clássicos greco-romanos, românico, gótico, renascentista, barroco, dentre outros. Nesse sentido, valorizar o barroco peculiar do interior de Minas Gerais, era um discurso que conectaria a história Brasileira à história geral, criando traços de ancestralidade e pertencimento com a cultura global.
Em suma, no processo de criação e consolidação do discurso de identidade nacional, tem-se a arquitetura barroca como ponto central, que em todo seu esplendor e solidez ancora toda uma argumentação em torno de uma identidade cultural, demonstrando o poder retórico dos monumentos arquitetônicos.
O segundo exemplo que embasa este texto é a mais famosa obra do arquiteto Norte Americano Frank Gehry, o museu Guggenhein de Bilbao, uma pequena cidade no interior da Espanha. Segundo Pedro Arantes, mais que a forma instável e inovadora do museu, a obra se destaca por ser uma “gigantesca máquina perspéctica”, capaz de reordenar todo o entorno, de uma tradicional cidade com edifícios beges de arenito, com uma decadente economia industrial.
Mas, qual seria a intenção de criar um objeto arquitetônico tão alheio ao seu entorno? Qual a função de um marco arquitetônico metálico, reflexivo e disforme numa cidade com uma estética histórica já consolidada? O que um edifício contemporâneo de ponta tem em comum com Ouro Preto e o discurso de identidade nacional Brasileira?
Tanto a arquitetura histórica, em seu modo patrimônio, da cidade Mineira tanto o edifício e titânio de Gehry são elementos utilizados para forjar uma identidade, reinventar uma cidade decadente e promovê-la para a atividade turística e a monetarização de áreas decadentes.
Segundo Pedro Arantes,
O turismo estimulado por edifícios emblemáticos não é um fenômeno recente, o que é novo é sua massificação e sua gestão para obter retornos financeiros e simbólicos em curto prazo – agora as obras são construídas com o objetivo de atrair turistas. Os monumentos históricos não só foram erguidos com esse fim como, cada qual a seu modo, sedimentavam em si uma experiência social e cultural de um tempo longo. As obras icônicas atuais têm que forjar identidades em alta velocidade, suas relações com o contexto local são frágeis e artificiais, construídas a golpes de marketing. (ARANTES, 2012, p. 266)
Desta maneira fica explícito o poder de atração da arquitetura, em seus mais diversos estilos, formas e contextos. O que importa, pelo menos para fins econômicos e retóricos, é a forma de inserção dessa arquitetura num contexto cultural maior, pois como repito incansavelmente para minhas turmas da faculdade, a arquitetura (seja como objeto construído ou como campo disciplinar) é uma construção social, capaz de materializar sociedades, portanto, se tivermos a capacidade interpretativa e senso crítico, poderemos extrair dela uma inesgotável fonte de dados a respeito das sociedades pelas quais foram criadas.
Logo, num mundo globalizado e altamente competitivo, “países, cidades e instituições competem entre si no mercado turístico global, tanto quanto no mercado global de investimentos, (…) Nessa competição, a arquitetura – dos monumentos históricos às obras mestras contemporâneas – jogam um papel dominante”. (ARANTES, 2012, p. 266)
Referências bibliográficas:
ARANTES. Pedro Fiori. (2012) Arquitetura na era digital-financeira: Desenho, canteiro e renda da forma. – são Paulo: Editora 34, 2012 – 1ª ED.
CHUVA, Márcia. (2003) Fundando a nação: a representação de um Brasil barroco, moderno e civilizado. TOPOI, v. 4, n. 7, jul.-dez. 2003, pp. 313-333.