ADRO
devo conter o animal
de não arrebanhar o cercado
porque
de certo
há de vir o deserto e a sede
há de vir
CRISÁLIDA
1.
cultivo
em um canteiro de húmus
o fogo que nenhuma torrente
saberá encontrar
atento à cavidade
e ao arranjo das pedras em torno
guardando a fagulha nova
contra o vento
habitando o intestino da embarcação
2.
feito presa que soubesse
a natureza da fome no íntimo da caçada
que fugisse em disparada
com lágrimas a verter dos olhos
zelando a culpa de não voltar e partindo
*
serenar o peito escavado
apaziguando os ramos
e adiando a floração no coração das coisas intranquilas
um gesto lento e um movimento leve
cerzindo a porta e a varanda
a porta e as janelas
a porta o terreiro o pomar
até minguar a cerração
*
para fora da ciranda
um deus anda discreto
e no íntimo das mulheres
um feto brota
miúdo
mudo
como a semente
a rebentar no solo
antes de deitar quente
sobre o colo da terra
um ramo novo
e acordado
*
o inimigo está à volta
jerónimo – está à volta
e não para o giro
todos os nomes o chamam
jerónimo – e eu me retiro
o inimigo está à volta
jerónimo – está à volta
e não vai parar
todos os nomes o chamam
e ele não para de girar
LÍQUEN
na parede do segredo
desde cedo a sede queima
teima a fome do seu nome sem par
do lugar sem lugar e sem meio
do lugar com nada no centro
e cada um dos lados abertos
por fora por baixo
por dentro
*
coser o cenho
alinhavando a escuta
e – na luta – abrandar
a língua e a fala
cuidando os lábios
de não achar a morte
polindo a voz
de não rachar
*
ao lado
livro-me
como são as aves
no regaço dos poemas
feito sol
dando a sítio
a fronte descoberta
dos animais de corte
*
à beira
deito a pedra do sono
e acendo a noite inteira
como um oceano estreito
como um aceno
. uma ascese
e espero a palavra
que há de lavar a sebe
das paredes e do chão
ACERO
1.
aprendo a lento esse jeito de amar feito
quem deixa
2.
procuro uma forma de residir fora da casa
um furo
3.
a maneira exata do animal quando cresce a mata