Quando os holandeses aportaram na vila de São Sebastião

Publico aqui a tradução minha de dois capítulos do livro do alemão Carl Friedrich Behrens,  o seu relato de uma volta ao mundo, feita pelos holandeses da Companhia das Índias Ocidentais ao Pacífico. Partiram de Amsterdam, no dia 16 de julho de 1721, chegaram a América e atravessaram o Estreito de Magalhães até Pacífico.

A expedição é famosa por ter “descoberto” a Ilha da Páscoa, na Polinésia. Behrens e tido como o primeiro europeu a pisar na Ilha, em 9 de abril de 1722. O relato desta viagem foi publicado na Alemanha, em 1735. Devido ao sucesso de vendas, uma segunda edição veio dois anos depois, chegando  a ser  traduzido para o francês.

Mas antes de descobrir a Ilha da Páscoa, eles passaram pelo Brasil, nesta passagem pela então vila de São Sebastião. Mais uma vez este pedacinho do litoral aparece em relatos de viagem importantes.

A primeira vez foi no livro de Hans Staden “Duas Viagens Ao Brasil” , de 1557. O primeiro livro impresso que trouxe notícias sobre o Brasil,  lá estava em uma ilustração a Ilha de São Sebastião e o acampamento feito pelos bem onde se instalou mais tarde a vila, num pedaço de terra chamado pelos índios de Maembipe, o que significa “no estreito”, fazendo referência ao canal entre a ilha e o continente, que servia de bom abrigo.

Maembipe, pouso dos Tupinambás. Hoje São Sebastião

Behrens, diferente de Staden, encontra uma pequena vila, como ele mesmo descreve com casas simples,  construídas a moda indígena – casas de pau-a-pique e teto de palha, que o europeu identificou erradamente –  e algumas construções mais “suntuosas”, com o palácio do governo e a Igreja. descreve a natureza exuberante, fartura de pescado e a beleza da região.

O que mais me chamou atenção na narrativa de Behrens foi o perigo constante a que estavam expostos os moradores das vilas coloniais. Barcos poderiam chegar a qualquer momento, precisando de água, de víveres, com seus marinheiro adoentados. Se chegariam em boas e más intenções, ninguém podia saber. O que a vila não quisesse vender, poderia ser tomado à força bruta.  Nestes momentos, a linha entre parceiros comerciais e piratas saqueadores era muito tênue e esta linha quase foi ultrapassada no caso aqui testemunhado.

Esta tensão entre moradores e visitantes é bem clara no relato de Behrens, afinal a vida destes últimos dependiam de conseguir ou não os mantimentos e os cuidados para seus homens doentes. Era um “tudo ou nada”… Peça importante nesta história, foi o Prior do Convento de Franciscanos, Frei Tomás, também holandês. Com sua mediação o governador da vila concordou em ajudar os doentes e vender mantimentos à expedição.

No dois capítulos dedicados à São Sebastião, Behrens não deixa de falar sobre o canibalismo como costume dos naturais da terra, para ele a carne humana era oferecida em “bancas”, assim como a carne de boi, nos mercados europeus.  O autor também descreve e comenta um ídolo indígena, que viu guardado, juntamente com muitas outras relíquias, no convento dos franciscanos.

Sobre a legitimidade do como e oque se é contado nos relatos de viagens, pode-se acrescentar afirmação de uma certa tradição e/ou cultura de viagem. Era bem comum  os autores basearem-se em escritos de outros viajantes, para completarem ou se orientarem em seus próprios relatos.  Isto pressupõem uma tendência do viajante europeu a possuir um tipo conhecimento já prévio – ou melhor dizendo “pré-conceituoso” –  do que poderiam encontrar no mundo além da Europa,  influenciando fortemente seus critérios de observação.  Behrens cita, por exemplo o “Robison Crusoé”, pois num de seus capítulos diz ter chegado a ilha que inspirou o livro.

Esta passagem do Livro de Behrens foi traduzida em partes e comentada por Afonso de E. Taunay, publicado nos Anais do Museu Paulista, vol IV. em um artigo que escreveu sobre corsários no litoral brasileiro. E foi citado por Antônio Paulino de Almeida em seu livro “Memória Histórica de São Sebastião”. Infelizmente não há uma tradução para o português do livro inteiro,  resolvi ao menos traduzir a parte que toca o Brasil e minha cidade São Sebastião. Aqui em formato PDF:

Behrens St. Sebastian 1721

livro de Staden:

https://tendimag.files.wordpress.com/2012/12/hans-staden-viagem-ao-brasil-1930.pdf

livro de Behrens:

https://digital.bbm.usp.br/view/?45000008330&bbm/2671#page/1/mode/2up

Tags:, ,
Caiçara, fui pra cidade grande estudar História. Mais tarde aventurei-me em outro mundo, Berlim. Há muitos anos observando a transformação da cidade, a transformação de mim mesma, e os "grandes e pequenos" do dia a dia. Aqui procuro traduzi-los em crônicas.

5 Comments

  1. IZABEL LIVISKI disse:

    Parabéns, Ana Valéria!!!!!
    Muito interessante a matéria que vc publicou, obrigada
    por nos presentear com essa pesquisa.
    abraço grande,
    Bel

  2. Abrahão Jesus de Souza disse:

    Muito bom texto! Meu pai, avós, bisavós e trisavós são todos de São Sebastião. Conta-se que um de nossos ancestrais era holandês. Todavia, não faço ideia de como começar a procurar… tem alguma ideia?

    • Ana Celestino disse:

      OI Abrahão, Obrigada! Sempre me preguntei qual teria sido o destino destes marinheiros! Infelizmente tb não sei exatamente como procurar informações. Abraços

  3. Ana Celestino disse:

    OI Abrahão, Obrigada! Sempre me preguntei qual teria sido o destino destes marinheiros! Infelizmente tb não sei exatamente como procurar informações. Abraços

Deixe um comentário