Quando eu era pequena, e meus pais porventura reclamavam de falta de dinheiro, eu pensava. Mas, que besteira! É só vendermos a casa, o carro, e todas estas nossas coisas, e ficaremos ricos!
Era um pensamento besta, de criança, que esquece que precisa de uma casa pra morar, de um veículo para se locomover, e pensa poder viver de brisa, e amor.
Por outro lado, não deixava de ser verdade! Não havia dinheiro, porque havia uma casa, havia um carro, televisão, geladeira, fogão e sofá. Não houvesse nada, haveria dinheiro. Era uma questão de opção – eu já entendia.
E no decorrer da vida, já não mais tão inocente, muitas outras vezes preferi ter tranquilidade em vez de coisas, o que é bem o contrário do que nos impõe o mundo capitalista, que negocia nossa paz por um bocado de tranqueiras, um carro do ano, uma casa de custo maior do que o bolso suporta.
E uma vez alguém me disse, bem de acordo com aquilo que eu já pensava, que não é preciso ter muito dinheiro. Tampouco, pouco dinheiro. Dinheiro é coisa para se ter médio, pois tanto o muito quanto o pouco nos retiram a liberdade.
E ser livre sim é a grande riqueza! Não ser escravo nem do trabalho, nem da riqueza. Poder andar por aí, à vontade, e sentir-se capaz de gastar todas as economias para realizar um sonho, de vez em quando, como uma grande viagem, um jardim de inverno, ou um filho.
E assim também escapar do risco de desconsiderar o semelhante, por ódio ou indiferença, coisa que a riqueza, ou a busca fremente dela, tantas vezes desperta.
Ser livre como um bichano.
Sabe, eu nunca havia tido gatos, acreditava no que diziam, sobre gatos serem bichos frios, que não gostam de ninguém, só deles mesmos.
Até que ganhei uma filhote de três cores, e descobri que isso é uma inverdade.
Minha gata é meiga. Parece saber quando eu estou doente, ou sozinha. Deita pertinho, e ali fica, me guardando. Não faz as necessidades em casa (sabe-se deos que jardim ela suja por aí), então só o que preciso fazer por ela, além de dar os remédios e vacina, é pôr a comida e fazer o carinho que ela requisita quando amanhece, ou quando chego do trabalho.
Ela é altiva, e sabe que é bonita. Autossuficiente, mas nem tanto. Carinhosa, mas independente. Livre, mas generosa.
Ao contrário do que dizem, não é um bicho egoísta. Está sempre pertinho, e fica atrás de mim onde eu vou, só pra ter (e fazer) companhia.
Não tem nada, mas é livre, e parece muito feliz, porque sabe extrair da vida exatamente o que precisa. Por ficar numa casa de portas abertas, fica porque quer, e assim nos ensina o amor sem apego. Aquele verdadeiro, do qual mais nos distanciamos a cada dia. Nós que vivemos incessantemente querendo nos aprisionar em algo, sejam coisas ou pessoas, por pretextos diferentes, ao longo da vida.
Até quando??
Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só que sentes.
És feliz porque és assim,
Tudo o nada que és teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Fernando Pessoa
janeiro de 1931
Ouça esta canção e entenda com o coração o que não está dito.