Invisibilidade e o futebol

A Carta Magna concede os conjuntos de leis é a Constituição da República Federativa do Brasil (1988), conhecida também como Constituição Cidadã. Foi elaborada através da soberania popular e visa projetar o país como Estado Democrático, possue a finalidade de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, assim como a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, valores supremos de uma sociedade fraterna, plural e livre preconceitos. A Constituição Cidadã se funda em prol da harmonia social e comprometida com a resolução pacífica das possíveis controvérsias. Portanto, o Brasil é regido por uma Constituição Cidadã, que fez trinta anos em 2018, ano passado.

Mas, para quê (ou quem) servem as leis?

  • Quem tem direitos? Quem tem deveres?

Percebe-se que ainda existe uma lacuna entre a teoria e a prática, entre a cidadania formal e a real. Ao mesmo tempo que o Brasil é o país do futebol e da diversidade, ainda é recheado de preconceitos e violações dos direitos mais fundamentais, como o artigo 5 que orienta que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, artigo “I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.

Contudo, o imaginário da população brasileira demonstra um pouco da disparidade entre mulheres e homens relacionado a prática esportiva profissional, a espnW Brasil fez uma reportagem que mostra um pouco do que estamos falando:

A proibição do futebol no Brasil

Por exemplo, o futebol que cresceu como uma prática masculina causou divisões sociais ao longo do século XX. Modalidade inicialmente praticada por homens brancos e ricos. Negros e pobres não era bem recebidos, e mulheres então, só na arquibancada e em companhia masculina. Ações públicas restringiam a mulher, sendo este o espaço de sociabilidade apenas do homem. Depois passou a ser uma prática popular e parte da cultura nacional, porém ainda segregava as mulheres.

Não há uma prática de futebol feminino difundida. Nas festas de aniversários, é comum um menino ganhar uma bola e ser estimulado a prática em diversos ambientes familiares, entre amigos, e na escola, meninas jogam handebol e meninos futebol. Enfim, são alguns estereótipos ainda existentes no senso comum.

Condição da mulher no século XX

O sexo feminino foi (e por vezes ainda é) privado de práticas consideradas “contra sua natureza: de ser mãe”, as mulheres já foram proibidas de praticar esportes de contato físico. A mulher como um ser reprodutor e do lar. Educadas para reproduzir um modelo de “bom comportamento social”. Na primeira metade do século XX, as aulas de Educação Física envolviam diferentes práticas para meninas e meninos. Meninos: atividades ligadas a forma física e autonomia, meninas: aula de dança.

Em 1945, Getúlio Vargas assina um documento que restringia alguns esportes ao sexo feminino:

“DECRETO-LEI Nº 3.199, de 14 de abril de 1945 em seu artigo 54 dizia: “O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, DECRETA: (…) Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país.

(Legislação Informatizada – DECRETO-LEI Nº 3.199, DE 14 DE ABRIL DE 1941 -Publicação Original).”

 

Através da Deliberação n° 7/1965 do Conselho Nacional de Desportos (CDN), oficializada pelo general Eloy de Menezes, em seu parágrafo 2°: “Não é permitida a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo aquático, polo, rugby, halterofilismo e baseball” (CASTELLANI FILHO, 2008, p. 63)

Desde então, o futebol feminino é cercado de preconceitos, falta de investimento e recebe pouca atenção da grande mídia. A prática do futebol masculino pode se transformar em uma fonte de renda, já para a mulher é muito raro se profissionalizar, assim no geral, somente os sonhos e a vontade de jogar que farão com que elas permaneçam na modalidade.

✘ Mas será que a maternidade era o real motivo das proibições?

Nos parece que a prática do futebol feminino causa(va) na sociedade e nos homens uma inversão de valores, pois ao sair de sua casa, a mulher deixava de cumprir seu papel de dona, esposa e mãe, causando medo no homem, que acreditava que as mulheres lhe roubariam os espaços públicos.

O futebol não é apenas um esporte, é uma reprodução social, pois desenha uma desigualdade de gênero entre os sexos que está entre nós há séculos, sendo alimentada por instituições, pela mídia e pela educação.

A mulher do século XXI

O papel social da mulher do século XXI no Brasil ainda é limitado, constituindo preconceitos em relação ao futebol e a outros esportes. Em sua grande maioria, as mulheres são encarregadas dos afazeres domésticos, ainda representadas como seres frágeis e delicados – e a prática do futebol segue constituída majoritariamente como masculina.

Contudo, em 2016 foram registradas por volta de 20 mil pessoas para assistir aos jogos femininos na Amazônia e São Paulo teve o maior público registrado nas bilheterias, mesmo em um horário comercial, porém ainda não há cobertura na grande mídia.

No Brasil, o futebol é o esporte com a maior desigualdade, maior abismo financeiro entre homens e mulheres. Segundo levantamento feito no final de 2015 pelo Portal EBC, o salário mensal do Neymar é de R$172.000.000,00 o que pagaria pagaria durante quatro anos e meio as 100 atletas dos times finalistas do Brasileirão Feminino e também é equivalente ao salário de 1693 jogadoras das sete ligas principais de futebol feminino: França, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, Suécia, Austrália e México.

No Brasil, o futebol das mulheres permanece amplamente invisível. A ginga de Marta não é percebida pelos jogadores masculinos e apoiadores do futebol. Se dentro de campo ela consegue fazer tudo que nenhum outro jogador poderia fazer, fora dos campos, o apoio da Neymar, por exemplo, poderia significar muito para uma maior exposição e apoio às mulheres. Algo que Marta, sozinha, não consegue.

Existem várias barreiras a serem superadas, listamos algumas:

  • Preconceito
  • Desinteresse dos clubes, dos patrocinadores, da mídia
  • Enorme disparidade nos salários e nos investimentos, se comparado com o futebol masculino
  • Falta de infraestrutura, apoio e incentivo (da base ao profissional)
  • Ausência de mulheres nos setores administrativos, na tomada de decisões
  • Falta de reconhecimento

Este ano terá a Copa do Mundo feminina, se possível, assistam e vejam as habilidades e competência das atletas femininas. Contribua na discussão desta temática para ampliar a valorização, bem como o estímulo das mulheres nas mais diversas modalidades esportivas.

✘Proibição http://dibradoras.com.br/por-que-o-futebol-feminino-foi-proibido-por-decadas-no-brasil/

✘Marta e as bolas de ouro x salário comparando com outros jogadores https://epocanegocios.globo.com/Informacao/Dilemas/noticia/2015/06/marta-e-neymar-desigualdade-de-salarios-e-apoio-no-futebol-brasileiro.html

✘Formiga e sua trajetória http://dibradoras.com.br/desculpa-formiga/

✘Manifesto pela visibilidade: https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2017/10/06/veteranas-da-selecao-feminina-criticam-condicoes-de-trabalho-em-carta-a-cbf.htm (recente; demissão da Emily) e velho:

✘Dibradoras: http://dibradoras.com.br/carta-aos-ceticos-do-futebol-feminino/

✘NEXO: https://www.nexojornal.com.br/reportagem/2017/05/28/No-pa%C3%ADs-do-futebol-as-mulheres-jogam-com-menos-falta-sal%C3%A1rio-p%C3%BAblico-e-estrutura

SILVA, Giovana Capucim. FUTEBOL FEMININO: PROIBIDO PARA QUEM? UMA ANÁLISE DE DUAS REPORTAGENS SOBRE O FUTEBOL PRATICADO POR MULHERES NO PERÍODO ANTERIOR A SUA REGULAMENTAÇÃO COMO ESPORTE.

Ibdem. Narrativas da Imprensa Paulista sobre o Futebol Feminino durante sua proibição (1965-1983)

Artigo feito com base em aulas realizadas em coautoria entre: Danielle Takase e Soraia OC.

Danielle Takase. Educadora. Formada em letras pela USP. Atleta integrante do coletivo Rosanegra Ação Direta e Futebol.

Tags:
Mestra em Ensino, História e Filosofia das Ciências pela UFABC. Bacharel e licenciada em Ciênciais Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA). Professora de Geografia e Sociologia (PEI/SEE-SP). Trabalha com audiovisual e fotografia desde meados de 2007, dirigiu dois documentários: Transformação Sensível, Neblina Sobre Trilhos (CUFSA/UFABC/MEC/2012) que aborda a história ferroviária, sobretudo a Vila de Paranapiacaba-SP e Seja Mais (UFABC/MEC/2017) que trata a respeito da Educação em Direitos Humanos. Produziu o programa Artvismo, Rede TVT (2018). Faz parte do coletivo de ação direta e futebol Rosanegra. Pesquisa música e tenta estudar acordeon.

2 Comments

  1. Germano Gonçalvez disse:

    Ainda há muito por fazer, mas joguem como uma garota!

    • Soraia Oliveira Costa disse:

      Ainda há sim, enquanto isso, seguimos jogando e estimulando outras garotas a jogar.
      Valeu Germano =)

Deixe um comentário