A ciranda: uma manifestação popular protagonizada por mulheres

(Texto escrito por Lorena Galati)

Conhecem a Lia de Itamaracá? Um exemplo da cultura popular nordestina, conquistou o título de Ponto de Cultura Lia de Itamaracá e de patrimônio vivo pelo ministério da cultura em 2005.

Jornais internacionais como The New York Times e Le Parisien reconhecem o potencial artístico de Maria Madalena Correia do Nascimento, conhecida como Lia de Itamaracá. Em 2005 Lia conquistou a Medalha do Mérito Cultural Gilberto Freyre e foi eleita como patrimônio vivo em Pernambuco, contudo, poucas pessoas no Brasil sabem de sua existência.

Cantora tem objetos e figurinos expostos na mostra. Crédito: Exposição Lia – a ilha e a ciranda/Divulgação Jornal Diário de Pernambuco, 2013.

 

A ciranda: manifestação da cultura popular

Os primeiros estudos sobre a origem da ciranda se dão na década de 1960 e apontam que as origens da dança em Portugal, chegando ao Brasil no século XIII. A ciranda foi categorizada nesses estudos  como “manifestação folclórica pertencente aos populares”. Inicialmente era praticada na beira do mar, ruas e terreiros. Nos anos 1950, há relatos de que as cirandas eram praticadas para além do litoral, adentrando nos interiores  de Pernambuco. A partir da década de 1970, começa a ser apropriada por artistas de outros recortes sociais. Aos poucos a ciranda vai se metamorfoseando e se tornando um espetáculo para além das fronteiras dos vilarejos caiçaras, se tornando uma  dança “da moda”, embora tenha suas origens populares passa a ser praticada em pontos turísticos de Pernambuco.

Segundo Elvira Amorim “a ciranda era considerada uma arte espontânea: a dança, em círculo, de mãos dadas, sem preocupação com a formação de pares, ou a divisão de sexo.” A ciranda dissemina a cultura oral, manifestação popular protagonizadas também por mulheres brasileiras, como Lia de Itamaracá e as filhas do mestre de ciranda Baracho, Dulce e Severina que cresceram nas rodas e cantigas de ciranda.

Ícone cirandeira, Lia de Itamaracá

Eu Sou Lia Lia De Itamaraca Brasileira, Álbum lançado em 2000.

A cirandeira, compositora e cantora Lia de Itamaracá é um referencial da nossa cultura popular conhecida internacionalmente, esta artista é expoente das rodas de ciranda, que tem suas origens em terras portuguesas, praticada por crianças e ao chegar ao Brasil teve influência africana e indígena, passou a ser praticada no Brasil por diversas idades.

Foi lançado em 2017 uma série pelo canal Curta! intitulado Memórias do Brasil com treze programas e cada um deles apresenta um ícone da cultura brasileira, o Lia de Itamaracá – Rainha conta sua vida e obra, e mostra que artista já era conhecida aos seus 19 anos nas rodas de ciranda, que teve uma infância pobre na ilha de Itamaracá e como a ciranda entrou em sua vida. Pode-se dizer que é a cirandeira mais conhecida do Brasil, que começou a fazer participações na década de 1970 em obras musicais de Teca Calazans e de Capiba e no fim da mesma década gravou o seu disco “Lia de Itamaracá”. Em 2000 lançou o CD Eu sou Lia que foi comercializado nos Estados Unidos e na Europa. Existem diversas canções que citam seu nome, artistas renomados como o Paulinho da Viola (em Eu sou Lia [Ciranda de Lia]), Clara Nunes, Ney Matogrosso, entre outros. Dessas canções, uma parte são de autoria da própria Lia, mas também há as que são de domínio público e de outros compositores. Essas músicas estão na boca do povo, porém grande parte do público que cantam não sabem que Lia de Itamaracá não se trata apenas de uma personagem mítica e sim de uma artista real, que inclusive faz turnês internacionais.

 

Lia de Itamaracá é um referencial da cultura popular brasileira, entretanto, a falta de divulgação científica sobre a cultura popular nordestina e desvalorização das compositoras brasileiras é um dilema a ser superado no país.

Fontes bibliográficas

FRANCA, Déborah Gwendolyne Callender. Quem deu a ciranda a Lia? : a história das mil e uma Lias da ciranda (1960-1980) / Déborah Gwendolyne Callender França. Recife: O autor, 2011. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/7737/1/arquivo7662_1.pdf Acesso em: 2019.
Ibdem, QUEM DEU A CIRANDA A LIA? NARRATIVAS ORAIS EM TORNO DOS SENTIDOS DE UMA CANÇÃO. X Encontro Nacional de História, disponível em: http://encontro2010.historiaoral.org.br/resources/anais/2/1270040269_ARQUIVO_ArtigodeHistorialOral.pdf Acesso em: 2019.Hora, Juliano. Esta ciranda quem me deu foi Lia que mora na Ilha de Itamaracá, 2016. Disponível em: https://www.geledes.org.br/esta-ciranda-quem-me-deu-foi-lia-que-mora-na-ilha-de-itamaraca/Lia de Itamaracá, 2005. Portal Cultura Pernambuco, Disponível em: http://www.cultura.pe.gov.br/pagina/patrimonio-cultural/imaterial/patrimonios-vivos/lia-de-itamaraca/ Acesso em: 2019.
LIMA, Vânia. Lia de Itamaracá, Rainha. Memórias do Brasil, média metragem. Disponível em: https://canalcurta.tv.br/filme/?name=lia_de_itamaraca_rainha Acesso em: 2019.

Lorena D. Galati
Cantora, licencianda música na ECA/USP e formada em Canto Popular na EMESP Tom Jobim

Tags:, , ,
Mestra em Ensino, História e Filosofia das Ciências pela UFABC. Bacharel e licenciada em Ciênciais Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA). Professora de Geografia e Sociologia (PEI/SEE-SP). Trabalha com audiovisual e fotografia desde meados de 2007, dirigiu dois documentários: Transformação Sensível, Neblina Sobre Trilhos (CUFSA/UFABC/MEC/2012) que aborda a história ferroviária, sobretudo a Vila de Paranapiacaba-SP e Seja Mais (UFABC/MEC/2017) que trata a respeito da Educação em Direitos Humanos. Produziu o programa Artvismo, Rede TVT (2018). Faz parte do coletivo de ação direta e futebol Rosanegra. Pesquisa música e tenta estudar acordeon.

Deixe um comentário