Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti & Antonio Carlos da Silva (NEDH/UCSAL)
Ponto de impasse em plenas vésperas de 2020. Conseguimos nos tornar mais intolerantes, mais violentos, mais consumidores. Os últimos setenta anos foram intensos e tensos: buscamos ser sustentáveis e conscientes ou teremos dias contados, como espécie e como grupo relacional? São abordagens urgentes e que tomam conta, cada dia mais, das emergências de um “ponto sem retorno” (LOVEJOY & HANNAH, 2018).
Imagem 1: Ponto sem retorno.
Fonte: http://www.oneactionaday.com/theres-no-turning-back-now/
Are we at the failsafe point? No. We still have time to act upon the recognition that our planet is an intricately linked biological and physical system that holds yet-to-beunderstood capacity to heal and clean itself. We still have tools and opportunities to effectively manage the living planet and its biodiversity for the benefit of humanity and all life (LOVEJOY & HANNAH, 2018, p. 1).
Das propostas advindas da Rio+20, saltamos décadas de tentativas, estudos, alertas globais e locais. As urgências se transformam em atos de decisão, política, social e ética. Por isso, vale lembrar que “o primeiro ato histórico foi a criação de uma nova necessidade”. Recuperar vertente clássica do século XIX nos coloca exatamente frente ao tempo que urge, que corre digitalmente.
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, teve como sede a cidade do Rio de Janeiro e ocorreu em junho de 2012. Marcou a efeméride dos vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) e almejava construir e definir agenda para promoção do desenvolvimento sustentável e educação para e pelos Direitos Humanos em um futuro que já chegou (ESTEVÃO, 2015). Muito se produziu e divulgou nesse período. Entretanto, ainda estamos a correr rumo ao “ponto sem volta”.
Imagem 2: Logomarca Rio+20
Fonte: http://www.rio20.gov.br/
Deste modo, podemos imaginar que de passado-presente também fazemos a construção possível de um futuro sustentável e acessível. Como consequência, há que se observar os três pontos essenciais para essa abordagem.
Em primeiro lugar, a compreensão do mundo excede em muito a compreensão ocidental do mundo. Em segundo lugar, a compreensão do mundo e a forma como ela cria e legitima o poder social tem muito que ver com concepções do tempo e da temporalidade. Em terceiro lugar, a característica mais fundamental da concepção ocidental de racionalidade é o facto de, por um lado, contrair o presente e, por outro, expandir o futuro. A contracção do presente, ocasionada por uma peculiar concepção da totalidade, transformou o presente num instante fugidio, entrincheirado entre o passado e o futuro. Do mesmo modo, a concepção linear do tempo e a planificação da história permitiram expandir o futuro indefinidamente. Quanto mais amplo o futuro, mais radiosas eram as expectativas confrontadas com as experiências do presente. (SANTOS, 2002, p. 1).
No atual estágio, sem dúvida, precisamos de novos atos, porque resulta impossível responder com êxito o desafio de nosso tempo histórico sem a criação de necessidades capazes de garantir não somente a sobrevivência da humanidade, mas principalmente a emancipação desta “jaula de ferro” que subjuga a sociedade global. O desafio é a sustentabilidade da justiça social. Estranhamente, em tempos sombrios (ARENDT, 2007), o significado das palavras, conhecidas pela sabedoria, sofre com o jogo mesquinho e rancoroso que confunde o ato político ao incitar ódio ao exercício da liberdade política.
Violação de direitos, frases sem argumentos, linguagem chula e ameaças cotidianas causam indigestão, falta de pensar presente-futuro, de reconhecimento do passado. Esse ponto de insustentabilidade tem chegada com uma velocidade que historiadoras/es não são capazes de marcar.
O atual estágio é um binômio vivido, pois configura-se como um drama coletivo, um “escândalo”, e como uma verdadeira “catástrofe”, podendo inclusive ocorrer simultaneamente em diferentes partes do Globo. Causam inquietações e se sustentam em “sentimentos de vulnerabilidade, desproteção e insegurança”. Demonstram que os rumos tomados mais recentemente sinalizam para uma experiência humana circunscrita no medo e não em uma integração positiva (INNERARITY, 2017).
Imagem 3: Fogos e incêndios alcançam vários territórios da Aldeia Global. Portugal, maio de 2019.
Fonte: https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/verao-quente-de-2019-portugal-vai-ser-varrido-por-ondas-de-calor-com-mais-de-43-graus-e-fogos-florestais-447568
Se a linha mestra for ainda a individualidade sem objetivar que vivemos em comunidade planetária, as consequências sempre serão desastrosas. Abriremos mão dos pontos consensuados e pactuados como elementais para a vida coletiva. Afinal, “o espaço público não é uma conversa de salão entre intelectuais; as emoções fazem parte da sociedade de massas, assim como uma certa dramatização” (INNERARITY, 2017, p. 148).
Dentre as dimensões dos Direitos Humanos, vale sempre recuperar a noção de que não são de outros. São nossos, coletivos e indivisíveis. Abarcam e estão vinculados às alteridades étnicas, raciais, territoriais e de gênero. Portanto, exigem uma leitura crítica do atual estágio da crise estrutural do capital e, por conseguinte, do papel do Estado na modernidade – a estatalidade (KURZ, 2010). Da compreensão de que não há diferenças nas perspectivas do Estado e do Mercado para mediar e regulamentar a estabilidade da forma social vigente. São dois polos do mesmo campo histórico que já cumpriram com a tarefa de inserção dos sujeitos históricos na lógica mercantil.
Onde foi que perdemos o traço empático, essa necessidade imprescindível para contrapor a razão do mal que teima em persistir? Quando crianças e jovens são alvos de violações e perdem a sua representação como indivíduos, tornam-se seres “coisificados”. Quando mulheres e meninas ainda são alvos de violências doméstico-familiares, o reconhecimento ético desta valiosa alteridade é negligenciado. Quando o racismo é cotidiano e dominante em ambas as esferas (pública e privada), não há liberdade, tampouco a possibilidade em realizar a Justiça (VAZ, 2017).
Referências
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Oito exercícios sobre o pensamento político. Lisboa: Relógio D´Água, 2007.
ESTEVÃO, Carlos Vilar. Tempos anormais e novas fantasias. Novas tendências em direitos humanos, justiça e educação. Revista Portuguesa de Educação, Braga, 2015, 28(2), pp. 7-29. Disponível em http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpe/v28n2/v28n2a02.pdf Acesso em 15 Ago. 2019.
INNERARITY, Daniel. A política em tempos de indignação. São Paulo: Leya, 2017.
KURZ, Robert. Não há Leviatã que vos salve: Teses para uma teoria crítica do Estado. EXIT! Crise e Crítica da Sociedade da Mercadoria, n. 7, dezembro de 2010 (tradução de Boaventura Antunes e Lumir Nahodil). Disponível em http://www.obeco-online.org/rkurz390.htm
LOVEJOY, Thomas & HANNAH, Lee. Avoiding the climate failsafe point. Science Advances, 2018, v.4, n.8. Disponível em DOI:10.1126/sciadv.aau9981 Acesso em: 2 Set. 2019.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], n. 63, 2002. Disponível em URL: http://journals.openedition.org/rccs/1285 Disponível em DOI:10.4000/rccs.1285
VAZ, Lívia Maria Santana. Anastácias encarnadas, Candaces da Justiça. Revista Flor de Dendê, julho 2017. Disponível em http://flordedende.com.br/anastacias-encarnadas-candaces-da-justica/ Acesso em 12 nov. 2018