Profa. Dra. Silmar Leila dos Santos
Estamos às vésperas do início do mês de outubro, mês que é conhecido no Brasil como o mês das crianças. Mês em que há um aquecimento de vendas nos estabelecimentos comerciais de brinquedos, mês em que muitos/as usuários de redes sociais alteram suas fotos de perfil por fotos que foram tiradas quando ainda eram crianças ou até mesmo bebês. Sim, o mês de outubro parece ser o mais colorido, o mais agitado, o mais feliz. Tudo isso porque as crianças de todo o Brasil estão em comemoração. Mas, será que realmente há o que comemorar?
No ano de 1959, mais precisamente no dia 20 de novembro, foi divulgada pela ONU (Organização das Nações Unidas) a Declaração Universal dos Direitos das Crianças. Composta por dez princípios, esta declaração visa garantir que a sociedade mundial cuide das crianças e dos adolescentes com todo zelo possível. Em resumo, tais princípios são:
- DIREITO À IGUALDADE, SEM DISTINÇÃO DE RAÇA RELIGIÃO OU NACIONALIDADE;
- DIREITO À ESPECIAL PROTEÇÃO PARA O SEU DESENVOLVIMENTO FÍSICO, MENTAL E SOCIAL;
- DIREITO À ALIMENTAÇÃO, MORADIA E ASSISTÊNCIA MÉDICA ADEQUADAS PARA A CRIANÇA E A MÃE;
- DIREITO A UM NOME E A UMA NACIONALIDADE;
- DIREITO À EDUCAÇÃO E A CUIDADOS ESPECIAIS PARA A CRIANÇA FÍSICA OU MENTALMENTE DEFICIENTE;
- DIREITO AO AMOR E À COMPREENSÃO POR PARTE DOS PAIS E DA SOCIEDADE;
- DIREITO À EDUCAÇÃO GRATUITA E AO LAZER INFANTIL;
- DIREITO A SER SOCORRIDO EM PRIMEIRO LUGAR, EM CASO DE CATÁSTROFES;
- DIREITO A SER PROTEGIDO CONTRA O ABANDONO E A EXPLORAÇÃO NO TRABALHO;
- DIREITO A CRESCER DENTRO DE UM ESPÍRITO DE SOLIDARIEDADE, COMPREENSÃO, AMIZADE E JUSTIÇA ENTRE OS POVOS.
O Brasil, como membro da ONU, tem por obrigação respeitar e por em prática estes princípios, no entanto, o que parece é que ainda estamos muito distantes de alcançarmos tal objetivo.
Segundo dados do IBGE, referente ao ano de 2017, a taxa de mortalidade infantil (crianças com menos de um ano de vida), era de 12,8 mortes, em cada 1000 crianças nascidas vivas. Contudo, neste mesmo ano, o portal Index Mundi apresentou dados comparativos entre todos os países do mundo, que apontaram uma situação ainda da mais alarmante, onde a cada 1000 crianças nascidas vivas, 17,5 morriam antes de completar um ano de vida.
No tocante à educação no Brasil, a UNICEF registrou, também no ano de 2017, que 67,3% das crianças brasileiras, entre 0 e 3 anos, estava fora da escola; e que 8,3% das crianças entre 4 e 5 anos, também não haviam se matriculado na pré-escola.
Contudo, não é somente na falta de amparo educacional que a sociedade brasileira tem deixado de cumprir o seu papel como protetora maior das novas gerações. Há também um processo, que aqui vou denominar de naturalização da violência, que tende a causar nas crianças uma preocupação no que se refere à violência e ao uso de armas.
Dias atrás, ao ir a uma consulta médica no Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM) da cidade de São Paulo, um pequeno garoto de pouco mais de dois anos me chamou a atenção, pois, ao adentrar no prédio do hospital e avistar ao longe um membro da Guarda Civil Metropolitana (GCM), soltou-se da mão de sua mãe e seguiu apressadamente em direção a esse guarda e, ao aproximar-se dele, foi lhe perguntando algo sobre a arma que estava em sua cintura. Porém, como a princípio o guarda não entendeu a pergunta do pequeno menino e a mãe rapidamente o tirou da frente do guarda, retomando seu lugar na fila do uso do elevador, o garotinho passou a questionar, repetidas vezes, o porquê do guarda estar armado. O garoto parecia estar fascinado com aquele objeto, a ponto de uma senhora que por ali passava, tê-lo aconselhado a perguntar diretamente para um guarda. Minutos depois, ao adentrar no elevador, o garoto acabou encontrando novamente o Guarda Civil Metropolitano (GCM) e, sem mais delongas, perguntou a ele: por que você usa revólver? É para matar bandidos? Contudo, o GCM simplesmente não conseguiu responder à pergunta do garoto, ficando visivelmente constrangido com a pergunta vinda de tão pequena criança, o que acabou causando também certo incômodo em quem estava no elevador do hospital. Diante desta cena, uma senhora questionou à mãe do pequeno, sobre o porquê daquele garoto estar tão preocupado com a arma do GCM. Imediatamente, a mãe do garoto se pronunciou: ele tem se preocupado com isso, desde o dia em que viu, o então candidato Bolsonaro, ensinando uma pequena garotinha, a fazer o gesto de arminha!
Infelizmente, a questão da violência contra crianças no Brasil, vai muito além dos gestos. Só no estado do Rio de Janeiro, de janeiro de 2019 até a data de hoje, foram registrados e divulgados pela mídia, a morte de cinco crianças por armas de fogo: Jenifer Silene Gomes, 11 anos; Kauê Ribeiro dos Santos, de 12 anos; Kauã Rozário, de 11 anos; Kauan Peixoto, de 12 anos; e Ágatha Félix, de 8 anos.
Assim, diante de toda essa triste realidade, confesso que não consigo pensar que o mês de outubro possa ser considerado apenas como o mês de compras de brinquedos e de realizações de atividades diferenciadas nas escolas, para crianças e adolescentes, mas me faz defender que precisamos ir além do consumismo! É preciso conscientização, divulgação, estudo, investimento em políticas públicas de proteção a essas crianças e adolescentes!
E, acredito também que é preciso ensinar e divulgar às novas gerações, o que significa ter direitos humanos, quais são os princípios que garantem o bem estar de nossas crianças. E, para aqueles que, eventualmente, acham que tratar de direitos humanos com crianças é perda de tempo ou até mesmo que não é possível, disponibilizo a seguir o link de um pequeno vídeo produzido dentro de uma escola pública da rede municipal de São Paulo, no ano de 2016, fruto de um projeto educacional denominado: Direitos Humanos e a compadecidas, que envolveu crianças do 2º ano do ensino fundamental: https://youtu.be/tBbUHRwGjpY.
É emocionante!