por Fabiana Neiva Almeida Lino (UCSAL), Maria Angela Rosa Soares (UFES) e Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti (UCSAL/UFBA)
A verdade tem de ser arrastada para fora das águas escuras do lago, esticada na areia para que todos a vejam, ainda que tenha a forma nojenta de todos os moluscos. Ela é a mancha que ajuda a nos curar ou nos destruirá de uma vez por todas. (José Louzeiro, 2013).
No imaginário popular, quantas foram as histórias e os casos contados de crianças que “desapareceram”? De personagens estereotipados que são “perigosos” e sempre geram desconfiança. Em tempos totalitários – em qualquer canto desse mundo – as vítimas nunca foram somente pessoas adultas. Nas fases democráticas (mesmo que não consolidadas e ainda em construção), a não proteção integral sinaliza lapsos, não acesso à justiça e à cidadania (Pedroso, 2011), a não efetivação daquilo que prezamos e almejamos como letras jurídicas, esferas institucionais e consensos sociais.
Das representações culturais aos casos reais, o Tempo Presente traz instrumentos que se traduzem no âmbito internacional e local, apesar de tantas violações e violências. Paradoxos e dimensões no campo dos Direitos Humanos, alguns grupos sempre mereceram maior atenção, quais sejam crianças para esse texto.
Migrações, guerras, tráficos (em suas múltiplas formas), violência urbana, violência doméstico-familiar, exploração para trabalho e sexual relativas à infância, situação de vulnerabilidades extremas (pobreza, moradia, saúde) são elementos que compõem a multifatorialidade. Por isso, entre as letras jurídicas e as ações afirmativas da proteção, nem sempre os tempos são justos. Nos últimos anos, a morte por “bala perdida”, os casos de casamento infantil e a violência sexual estão estampadas no senso comum e a comoção é imediata. No entanto, há que se lembrar que – desde os anos 70 – essas violências não são casos isolados e sem repetição.
O futuro se dá no presente, garantindo pleno desenvolvimento e acessibilidade às centrais políticas afirmativas de direitos humanos. As últimas três décadas revelam esse olhar atento e as urgências em planejar, interferir e ter diretrizes para cuidar, proteger e prover a infância de presente-futuro. Não mais verificamos a urgência de “produtos”, mas a necessidade de verificar, controlar e assegurar intervenção e controle social quanto ao processo.
Desde os anos 80, em contexto mundial, pactuamos e redigimos documentos basilares para a infância. A fome, as ruas, as armas não poderiam continuar a “engolir e fazer desaparecer” a geração menor. Deste modo, apresentamos breve percurso e normativas que asseguram agendas, ações e intenções sobre direitos e deveres relativos a uma das etapas do desenvolvimento humano, social e individual. Não só a comoção, mas uma mobilização pró-infância nos conectou e vinculou em teorias e práxis deste então.
Nessa conjuntura e efervescência, a abordagem para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990) permitiu, em esfera nacional, a redação de um instrumento jurídico hábil. Centrado no princípio da proteção integral, já anunciada e pactuada desde a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (Organização das Nações Unidas, 1990), sendo o primeiro documento a tratar especificamente dessa proteção. Aprovada pela ONU em 1989, foi ratificada pelo Brasil no ano seguinte através da promulgação da Lei Federal nº 8.069, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente, alinhando-se com o artigo 227 da Constituição Federal da República de 1988.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm)
Em termos comparativos, ambos os textos trazem como finalidade última a dignidade, sendo que a Constituição Federal de 1988 aborda a temática como prioridade absoluta, afirmando ser de responsabilidade da família, da sociedade e do Estado a proteção desses sujeitos. Portanto, a criação de um tripé de cuidados e atenção, fomentando justiça social, cidadania e garantias de direitos mínimos. Já o Estatuto teve por objetivo tutelar direitos e deveres das crianças, de forma ampla, não se limitando apenas ao tratamento de medidas repressivas contra seus atos infracionais. Essa prioridade instituída também evoca a primazia na proteção e no socorro em quaisquer circunstâncias, na precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública, preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas e destinação privilegiada de recursos nas áreas relacionadas e pertinentes ao tema.
Os debates específicos, portanto, não são pautas novas para o contexto brasileiro e em comunidades internacionais. Toma como pressuposto basilar a noção de “pessoas em desenvolvimento”, sejam crianças ou adolescentes, considerados como sujeitos de direitos e destinatários da proteção integral. Deste modo, correspondendo ao acesso pleno e integral aos direitos humanos e fundamentais.
Como pondera Araújo (2013), “cumprir” a lei no Brasil pode significar que as instituições se “adaptam” às soluções. As decisões são cumpridas quando, se e como puderem, por absoluta ausência de material e pessoal, o que pode significar, precariedade da efetivação das políticas de atendimento, acolhimento ou para aplicação de medidas sócio educativas e de proteção ofertada pelo Poder Público às crianças e aos adolescentes, notadamente as de baixa renda, de determinadas regiões/territórios. Se não conseguimos instaurar uma ética do cuidado com crianças e pessoas em situação de vulnerabilidade, quais seriam mesmo as razões do Estado?
Crianças e adolescentes devem ser destinatárias da Proteção Integral e, uma das ações essenciais, é o atendimento integrado, garantindo informação, comunicação “replicada e altercada para não que não haja desproteção” (CAVALCANTI, ARAÚJO & SILVA, 2019). Prevenção e enfrentamento a qualquer tipo de violência e não cumprimento de garantias se matiza como violência institucional ou, mais agravado ainda, como “violências sobrepostas” (CAVALCANTI, 2018).
Se a atenção for direcionada, planejada e estratégica para salvaguardar direitos, a observação sobre violências, desaparecimento e mortes devem ganhar lentes mais potentes e serem revisitadas. De que maneira as três instâncias – família, sociedade e Estado – se organizam, promovem e atuam para situações de risco e de extrema vulnerabilidade, envolvendo crianças e jovens? Quais trilhas e onde já chegamos após meio século de intensas agendas especializadas? Nas crises econômicas, nas “novíssimas guerras” (Moura, 2010), nas inúmeras campanhas para localizar pessoas desaparecidas, nos corpos atingidos em bairros onde vivem e transitam, como imaginar que as infâncias não estejam sendo roubadas? Não proteger poderia ser sinalizado como qual responsabilidade?
Aqui, vale uma menção à obra parafraseada “Infância Roubada”, que registra casos de crianças e jovens que vivenciaram o regime militar brasileiro (1964/1985) e viram seus familiares torturados, receberam informes de desaparecimento e seus óbitos não registrados (incluindo indicativos da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP), em 2020). A busca sem fim de um dia “ver chegar” impõem às crianças de outrora o desaparecimento eterno, ao contrário de países do continente latino-americano que mantém mobilização e pautas, como é o caso da Argentina com as Madres/Abuelas de Plaza de Mayo.
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/bibliotecaDigital/20800_arquivo.pdf
Tendo os anos 60 e 70, quando desaparecimento de pessoas não significava simplesmente a não presença, é preciso verificar sentidos, conceitos e contextos. Quem foi encontrado? Quais condições? O que aconteceu? Por isso, retomamos a ideia multicausal dos desaparecimentos relatados, podendo – de maneira panorâmica – ocorrer por violência doméstica, fatores criminosos ou desastres naturais. O primeiro caso pode ser detectado como maior incidência a fuga do lar por conflitos e rupturas familiares.
A partir dos anos 80, a questão do desaparecimento deixou de ser uma questão política, se tornando um fator social vivenciado por todas as categorias da população. Nos paradoxos contemporâneos – nunca fomos tão modernos até tecnologias e comunicação de ponta – as famílias e a própria sociedade são notificadas, intimadas ou convidadas pelo sistema institucional organizado a comparecer perante os “casos”. Desde anúncios televisivos às mensagens em rede, de centros comerciais sinalizando seus estacionamentos com fotos de “não achados”, um vasculhar no âmbito da comoção e solidariedade são lançados.
Seja na esfera pública ou privada deveriam ser resguardados todos os direitos consensuados e pactuados internacionalmente, declarando as décadas vindouras como fomentadoras da proteção e promoção, da educação para e pelos Direitos Humanos; mas, sobretudo, da criação de culturas, ordenamentos, instituições e agendas voltadas exclusivamente para as necessidades e as urgências dessa etapa do ciclo vital. (CAVALCANTI, ARAÚJO & SILVA, 2019, p. 37).
Através de metodologia qualitativa e com fontes impressas e visuais recolhidas da imprensa nacional, um caso específico foi selecionado para retratar nuances e pormenores de um caso exemplar, figurativo na memória comum e coletiva nacional. Com recorte temporal dos anos 70, ruas, efemérides, comoção social ainda presentes indicam que, para além de uma situação de desaparecimento, abuso sexual, assassinato e resultados controversos, o “caso Araceli” pode descrever e representar fragilidades e urgências ainda em aberto.
Trata-se de uma memória – capixaba, mas também ocupou dimensão nacional – sobre o desaparecimento de uma menina de oito anos. Foi raptada, drogada, estuprada, morta e carbonizada, no Espírito Santo, em 1973. As primeiras 48 horas de buscas não trouxeram resultados que garantissem a proteção e vida. Tornou-se um dos casos mais emblemáticos da criminologia desse momento histórico. Vítima de violência – incluindo a sexual – Araceli nomeou não a lei, mas o combate (educativo, social, institucional) com a instituição do dia 18 de maio como referência Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração sexual de crianças e adolescentes (com aprovação da Lei Federal 9970/2000).
A narrativa recorrente dá conta de que, numa tarde outonal, Araceli Crespo saiu mais cedo da escola, autorizada pela mãe, para levar um envelope até um prédio no centro da cidade de Vitória[1]. Ao encontrar os destinatários da encomenda, a menina foi drogada, espancada, estuprada e assassinada. Seu corpo foi abandonado em um terreno e localizado por outra criança. Os assassinos jamais pagaram por seu crime brutal. Uma série de assassinatos, ocultação de provas, intimidação de testemunhas, além da conivência de pessoas influentes da sociedade capixaba, incluindo policiais, membros do judiciário e políticos ligados ao Governo Militar, fizeram prevalecer a impunidade. Não só a infância de Araceli foi roubada, mas a construção de aparatos legais, de acessibilidade irrestrita à justiça por parte de famílias e outras vítimas.
A infância violentamente interrompida da menina capixaba revoltou, chocou e sensibilizou diversos segmentos da sociedade brasileira. Gerou “comoção”, mas não a capacidade de sobrevivência, conforme indica Butler (2016).
A notícia da morte da menina Araceli fez parte dos noticiários por um longo período, servindo de alerta para toda a sociedade brasileira, expondo as violências cometidas contra crianças. Pela brutalidade, a data do assassinato tornou-se um símbolo da luta contra essa violação de direitos humanos.
O seu corpo totalmente desfigurado foi encontrado seis dias depois, por uma criança no Hospital Infantil Menino Jesus. Iniciou-se uma verdadeira batalha envolvendo a polícia e o judiciário que impediram apuração do crime e o julgamento dos acusados por uma sociedade silenciada pelo medo e abuso de poder.
O inquérito policial não passou de uma farsa e o longo processo judicial não conseguiu transformar evidências em provas. Em 1980, os acusados foram julgados e condenados, mas a sentença foi anulada. Em novo julgamento, realizado em 1991, os réus foram absolvidos.
Fonte: cdhpf.org.br/noticias/18-de-maio-o-caso-araceli/
Ressalta-se nas reportagens a participação da genitora no crime e também seu envolvimento com drogas, tráfico, hipótese esta que foi descartada posteriormente no decorrer das investigações (Louzeiro, 2013). Por tratar-se de caso que envolve personagens da alta sociedade do estado do Espírito Santo se misturaram fatos e boatos nas narrativas que envolvem o caso. O caso prescreveu sem que um desfecho concreto fosse exposto à sociedade e, nesse diapasão, pode ter sido útil aos próprios acusados inocentar a mãe do envolvimento na comercialização de drogas, pois, caso positivo, a condição de consumidores seria atestada aos mesmos. São várias nuances de um caso complexo que foi, segundo todos os relatos disponíveis, manipulado a fim de que não se chegasse a uma conclusão até sua prescrição sem a punição dos supostos envolvidos
Segundo relatos do jornalista e escritor maranhense José Louzeiro, autor do livro “Aracelli, meu amor”, lançado inicialmente em 1976 e censurado pela ditadura militar pela influência dos acusados. Posteriormente, relançado em 2013, o caso produziu em torno de quatorze mortes de pessoas relacionadas direta ou indiretamente com o caso. O próprio autor sofreu ameaças de morte enquanto investigava o crime na capital capixaba para a produção do livro-reportagem que publicou.
O pai era um operário espanhol que veio para o estado para trabalhar no Porto de Tubarão, a mãe boliviana e dona de casa segundo relatos do único irmão que era cinco anos mais velho do que Araceli. O irmão concedeu entrevista ao site G1 da TV Gazeta-ES em 18/05/2016, por ocasião dos 43 anos do desaparecimento da menina. A entrevista foi concedida por meio da internet em razão do entrevistado residir no Canadá e lá viver, trabalhar e ter constituído sua família.
Segundo o irmão, na entrevista citada, a família foi afetada impactante após o episódio do desaparecimento da irmã. Separação conjugal, retorno da mãe à Bolívia e permanência do pai em território brasileiro. Ambos constituíram novas famílias. O irmão, adolescente, viveu entre o Brasil e a Bolívia até se transferir para o último.
Pensar a autorização de saída para uma criança da escola remete a pensar o tempo histórico em que o caso aconteceu. Desde cedo, crianças e jovens ganhavam autonomia e já tinham atividades, sendo comum circularem sozinhos entre a residência e a escola. O irmão relata que sempre foi priorizado pela família que a irmã mais nova estudasse na mesma escola, pois este “tomava conta” que convivia com problemas de saúde respiratórios sérios.
Ao mudarem para o bairro de Fátima, onde o pai adquiriu uma casa mais próxima do seu trabalho, o filho foi para o Colégio Salesiano, instituição confessional católica restrita somente ao sexo masculino nesse momento. Assim, Araceli teve que ingressar em outra escola. Alegava o irmão a escassez de transporte público à época e, principalmente, para o bairro onde moravam, popular e recém construído. Relata, ademais, os cuidados especiais que a família tinha com a irmã caçula e não cita conflitos e tensões familiares até o desaparecimento.
“Lá não era como é hoje, não passava muitos ônibus, não tinha muito meio de transporte. Naquela época só tinha um ônibus. Ele saía do Bairro de Fátima, ia até a Vila Rubim, dava a volta na Vila Rubim e voltava para o Bairro de Fátima. Se você perdesse o ônibus, você tinha que esperar ele fazer esse trajeto. Muita gente fala que a mãe deixou ela sair mais cedo, por isso ou aquilo, ninguém procurou entender”.
Neste caso concreto pode-se inferir que a infância de Araceli foi roubada devido ao contexto social e cultural em que pesam fatores como privilégios de classe, um sistema de justiça classista e seletivo, uma sociedade machista, preconceituosa e xenófoba, ou seja, uma realidade em que não são ofertadas condições maturacionais, biológicas e psicológicas de enfrentamento passíveis de realizar a experiência da infância.
No caso em questão, a família foi a única punida, principalmente a mãe que, na percepção coletiva, não exerceu seu papel “natural” de proteger sua filha e, sendo boliviana, o estigma de país de fácil trânsito de drogas funcionou como álibi ideal para minimizar a responsabilidade dos acusados que, até os dias atuais, possuem todo o repertório que os protege das acusações pela classe social à qual pertencem e pelos sobrenomes que os blindam na justiça. A ilustrar essa realidade, pode-se apontar o movimento iniciado pela Câmara de Vereadores de Vitória em 2017 para alterar o nome da avenida na qual se situava, à época, o bar Franciscano de propriedade dos Michelini, de Avenida Dante Michelini para Avenida Araceli Cabrera Crespo, sem sucesso até a presente data, pois o prefeito da cidade de Vitória vetou o plebiscito para a alteração sugerida.
O irmão adolescente também se tornou uma vítima do mesmo processo por tudo o que o caso envolveu e pela separação dos pais e da perda da única irmã. Segundo ele relata na entrevista concedida, a família não conhecia os acusados a não ser pelos sobrenomes que identificavam os empreendimentos das famílias cujos estabelecimentos e poderio econômico e político eram do conhecimento de toda a sociedade capixaba à época.
Desde o fato ocorrido, a realidade do país aprofundou suas cisões no que se refere à desigualdade social decorrente de renda, classe, raça/etnia, gênero, orientação sexual, etc. aliada à ampliação e difusão de novas drogas lícitas e ilícitas, a precarização da educação e do trabalho, dificultando as famílias, principalmente as mais empobrecidas, de cumprir seu papel de garantia da proteção infanto-juvenil considerando ser o primeiro grupo social no qual a criança se insere. Assim, vive-se tempos de famílias fragilizadas, Estado ausente e sociedade omissa, em desacordo com o Artigo 227 de Constituição Federal e com o Artigo 4º do ECRIAD, e o resultado dessas deficiências na atenção básica tem-se apresentado nefasto para a infância e a juventude do país.
A despeito de a legislação ser clara quanto aos direitos relacionados à infância, nem sempre ganham a possibilidade de viver a infância, seja pela exclusão social e pela exploração do trabalho infantil, seja pela exposição às rotinas, aos valores e às práticas do mundo adulto, assim deixando de usufruir de seus direitos fundamentais, como a educação, a saúde, o lazer.
Pode-se inferir que falta uma sólida rede de apoio às famílias, as quais vivenciam tensões, não lhes sobrando tempo para formar os indivíduos, isto é, socializá-los adequadamente com base em princípios e valores assentados na perspectiva da reciprocidade. Logo, às famílias cabe mover-se entre uma dilacerada rede proteção social e múltiplas e exaustivas estratégias de sobrevivência, o que concorre para tornar ainda frágeis os vínculos sociais e pessoais num país onde a cidadania é um sonho distante. (SALES, 2007, p.70-71).
É preciso trabalhar a família, a sociedade e a comunidade, criando agendas e políticas que desenvolvam programas com o objetivo de dignificar a pessoa, resgatando a Dignidade Humana e Ética. Faz-se necessário investimento em um sistema de recursos com ajuda ou apoio material, mediante a inclusão em programas oficiais e auxilio, na circunstância da falta ou carência de recursos materiais, assim também como ajuda não material, sob a forma de orientação, a exemplo de informações e esclarecimentos sobre seus direitos e deveres, o aconselhamento econômico, social, educacional, profissional, psicológico e moral (COSTA, 2009).
A efetividade e promoção de direitos, destacando-se agendas e políticas cada vez mais específicas e eficazes, orientações, medidas ou decisões de um sistema, cujo objetivo é fortalecer a vida, a paz e a dignidade em todas as circunstâncias, especialmente ao se tratar de crianças e juventudes como foco.
Demonstrou-se que, historicamente, apesar dos avanços consolidados nos últimos anos, o ECA enfrenta desafios, quais sejam: a erradicação do trabalho infantil; o encarceramento juvenil, como problema macro do sistema; políticas públicas e sociais; implementação do SINASE como Política Pública, estimulando articulação institucional da unidade junto a outros atores do Sistema de Garantia de Direitos (segurança, educação, saúde, trabalho, cultura, esporte, lazer).
A efetivação da política de atendimento dos direitos das crianças surge como forma de implantação de programas e ações, tendo em vista garantir a dignidade, buscando-se encontrar recursos que possam ser utilizados para desenvolvimento dos direitos fundamentais e o bem-estar primordial da criança, afinal, as estatísticas mostram a existência de várias “Aracelis” a cada dia, sofrendo abusos e violências de todas as naturezas, vítimas de uma sociedade que não se reconhece como parte desse grave problema, dado o modo de vida individualista que permeia as relações sociais na contemporaneidade.
Pelo exposto, conclui-se que a interseção familiar constitui um campo de enormes complexidades sociais, econômicas, históricas, políticas, psicológicas e jurídicas, no qual o poder público e a sociedade têm que começar a perceber o papel da Educação na vida das crianças, com a possibilidade de construção de um futuro melhor, mais justo, igualitário e, consequentemente, diminuição do índice de violência. E, para que os direitos fundamentais garantidos às crianças e aos adolescentes do país sejam efetivados, é necessário que as instituições elencadas como responsáveis pela proteção da juventude brasileira não negligenciem seus papéis e assumam a responsabilidade que lhes cabe a fim de que vidas inocentes não se percam precocemente e se tornem apenas índices estatísticos em crimes prescritos.
REFERÊNCIAS
ARAUJO, U.C. Proteção Integral de crianças e jovens. Um estudo comparativo entre Brasil e Portugal nos aspectos históricos, jurídicos e econômicos. Tese de Doutorado – Família na Sociedade Contemporânea. Salvador: Universidade Católica do Salvador, 2013.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal n. 8069 de 13 de Julho de 1990.
BUTLER, J. Capacidade de sobrevivência, vulnerabilidade, comoção. In: Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, pp. 57-98.
CAVALCANTI, V.R.S.; PAMPLONA FILHO, R.; VARGAS, H.L. & ABREU, K. (Org.). Famílias e direitos no contexto sóciojurídico da atualidade. Salvador: CEALA, 2019.
CAVALCANTI, V.R.S.; ARAÚJO, U.C. & SILVA, A.C. Do ordenamento jurídico ao cotidiano e aos contextos sociais, familiares e institucionais de proteção: onde estão os direitos de crianças e adolescentes?. In: CAVALCANTI, V.R.S.; PAMPLONA FILHO, R.; VARGAS, H.L. & ABREU, K. (Org.). Famílias e direitos no contexto sóciojurídico da atualidade. Salvador: CEALA, 2019, pp. 212-230.
CRESPO, Carlos Cabrera. Entrevista ao site G1 TV Gazeta-ES, 2016. Disponível em: http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2016/05/araceli-vive-na-memoria-de-irmao-todos-os-dias-da-vida-lembro-dela.html. Acesso em 29/01/2020.
LOUZEIRO, José. Aracelli, meu amor. Rio de Janeiro: Editora Prumo, 2013.
MOURA, Tatiana. Novíssimas guerras: Espaço, identidades e espirais da violência armada. Coimbra: Almedina/CES, 2010.
PINTO, Anderson Roberto Corrêa. Memória e resistência na narrativa de José Louzeiro: reflexões sobre o romance-reportagem Aracelli, meu amor. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade – Mestrado Interdisciplinar. São Luís: Universidade Federal do Maranhão, 2017.
__________________________
[1] Esta versão é contestada pelo irmão da vítima que tem outra explicação para a mãe ter solicitado a liberação antecipada da menina das aulas. Outras hipóteses indicam que a garota foi sequestrada por um dos acusados no ponto de ônibus em que aguardava o transporte para retornar à casa.