ANTIRRACISMO JÁ!

“Para que brancos e negros lutem contra o racismo e para que essa luta se torne uma luta de todos, se faz necessário acordarmos desse sono profundo que insiste no sonho de que a sociedade brasileira não é racista e que ainda se pauta no mito da democracia racial”.

                                                                                                                   Irene Franciscato

Chega de racismo. Fonte: Fonte: https://noticias.grupomulheresdobrasil.org.br/grupo-mulheres-do-brasil/o-que-e-e-como-eu-posso-ser-antirracista/ Acesso em 02/07/2020.

Sim, sou negro de cor/

Meu irmão de minha cor/

O que te peço é luta sim/

Luta mais/

Que a luta está no fim/

Cada negro que for/

Mais um negro virá/

Para lutar/

Com sangue ou não/

Com uma canção/

Também se luta irmão/

 Ouvir minha voz/

Luta por nós/

Luta negra demais/

É lutar pela paz/

Luta negra demais/

Para sermos iguais/

Para sermos iguais.

                             Wilson Simonal e Ronaldo Bôscoli  

https://www.youtube.com/watch?v=LsytP1xZGSo

Lembranças do passado…

A canção acima foi composta em 1967, por um cantor negro, Wilson Simonal, e por um letrista branco, Ronaldo Bôscoli, ambos falecidos, ambos fazendo parte da memória musical brasileira. Conforme declarou Wilson Simonal na ocasião, homenageava o líder americano negro Martin Luther King e também seu filho, que nascia, a quem desejava que tivesse um futuro melhor, sem passar pelo que ele próprio vivenciou como homem negro.

À época, eu tinha 16 anos, inocente adolescente estudante da escola pública que mal sabia o que estava acontecendo no Brasil, como por exemplo, que essa música descansou na censura durante quatro meses, antes de ser cantada pela primeira vez num rompante do cantor.

Marther Luther King seria assassinado no ano seguinte, em abril de 1968.

Passaram-se cinco décadas desde lá.

 No presente…

Estamos em 2020, eu também com décadas a mais, muito consciente do racismo brasileiro e americano, pouco mais de um mês se passou da data da “morte” de George Floyd, desta vez não de um líder, mas sim de mais um cidadão comum, melhor dizendo, de mais um cidadão comum negro e, há dias da morte de mais um jovem, João Pedro, enigma de tantos outros que já perderam a vida, baleado por policiais no Rio de Janeiro.

Sem dúvida, a reação foi imediata. Nas manifestações dos vários estados americanos, brancos e negros se uniram para protestar contra a opressão e violência da polícia americana. Reagiram também inúmeras pessoas de países da União Europeia. Entre nós, essa reação refletiu-se na cobertura dada pelos noticiários da mídia e foi assimilada no seio das manifestações populares contra o bolsonarismo.

Sabemos que ambos, hemisfério do norte – Estados Unidos – e hemisfério do sul – Brasil- são racistas, cada um a seu modo em decorrência de sua história. Claro, entre nós há antirracistas, negros e brancos, e muitos, felizmente. Contudo, não será ainda nosso antirracismo insuficiente?

Capa do Pequeno Manual Antirracista. Fonte: Amazon.com.br

Sem negar a real tragédia de um homem americano ter sido levado à morte dada a violência de um representante da “segurança” pública e a consequente reação mundial frente a ela, fico pensando em quantas crianças e jovens negros, além de João Pedro, são mortos quase que diariamente em nosso território e que não provocam passeatas nacionais exaltando que vidas negras importam ou que grupos se deitam ao chão com as mãos para trás e alguém filme para colocar nas redes sociais. Pois, no meu entender, a morte de João Pedro representa a morte da geração jovem negra brasileira, e que por isso, deveria ser tomada como sendo de responsabilidade de todos, inclusive daqueles brancos que, inconsciente ou conscientemente, têm ações racistas junto a população negra que, aliás, representa mais de 50%  da população brasileira, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para que brancos e negros lutem contra o racismo e para que essa luta se torne uma luta de todos, se faz necessário acordarmos desse sono profundo que insiste no sonho de que a sociedade brasileira não é racista e que ainda se pauta no mito da democracia racial.

Desafios antirracistas. FONTE: https://medium.com/@marcdre27/do-racismo-ao-antirracismo-racista-desafios-para-a-educa%C3%A7%C3%A3o-ec44ddff8916

 

Todos concordamos que a desigualdade social entre nós existe. Pobreza crônica, trabalho na informalidade e desemprego afetam brancos e negros, mas em proporção maior atingem cruelmente a população negra. Dados do IBGE, revelam que a taxa de desemprego entre os brancos, no primeiro trimestre de 2020, foi de 9,8% bem abaixo das pessoas pardas (14%) e pretas (15,2%)*[i]. E aqui é importante lembra que ter carteira de trabalho assinada significa proteção social do Estado e se não há emprego com carteira assinada, a população fica desprotegida, desassistida. No que se refere às mulheres negras, mais nítida ainda fica essa desigualdade já que estas são representadas nas estatísticas apenas no período de 20 a 40 anos de idade, para em seguida desaparecerem do mercado de trabalho e, a partir de então, também ficarem desprotegidas quanto aos benefícios sociais, sem contar a preferência das empresas pela contratação de homens, por estes não terem a possibilidade de solicitar licença maternidade de 120 dias.

Todos concordamos que crianças e jovens negros morrem vítimas da violência. Muitos têm a vida interrompida pela agressão daqueles que deveriam protegê-los, como os que pertencem aos quadros da segurança pública. Essa morte é pungente, lamentável e chocante. Essa morte é anunciada. Está nos dados estatísticos que demoram a baixar seus índices, haja vista a publicação do Ipea Igualdade Racial de que se considerarmos o período de 1996 a 2010, embora com uma década de atraso, constatou-se que em relação a indivíduos que sofreram morte violenta, a cor da pele da vítima, se preta ou parda, fez aumentar a probabilidade de ter sofrido homicídio em cerca de oito pontos percentuais. São mortes banalizadas, como se fossem naturais.

Há também outra morte anunciada, decorrente do desenvolvimento precário da primeira infância ao nos depararmos com o fato de que 60% dos bebês brasileiros situam-se na linha abaixo da pobreza e 20% deles abaixo da linha da miséria. Instituições como creches ainda não são universais para que essas crianças tenham seu desenvolvimento compensado com medidas de proteção social ao mesmo tempo em que poderiam criar condições para que suas mães aferissem renda por meio de contratos trabalhistas.

Ser negro. Fonte: justificando.com

Tivemos alguns avanços com as ações afirmativas para a equidade racial, mas a dívida da escravidão ainda não foi paga na restituição da igualdade de direitos para adultos, jovens e crianças negras de ambos os sexos. Laurentino Gomes, no livro Escravidão, volume I, p.31-33, nos informa, entre outros dados, que no campo educacional, enquanto 22,2% da população branca têm 12 anos de estudo ou mais, para a população negra, a taxa é de 9,4%. Ainda, que a taxa de analfabetismo entre negros em 2019 era de 9,9%, mais que o dobro da população branca.

Ainda no campo educacional, conforme dados de 2010, estudantes de mestrado e doutorado negros representavam 0,03% do total de titulados nesse nível de escolarização e na Universidade de São Paulo, apenas 1,8% do total de professores eram negros.

Apenas 10% dos livros publicados no Brasil, no período pós-64 a 2014, são de autores negros. Também no campo cultural como a produção cinematográfica, considerando-se a década de 2002-2012, apenas 2% são de autores negros.

  Conforme o repórter que (de)escreve a história da escravidão no Brasil com dados no campo da representação política, dados de 2018, ano da última eleição presidencial, revelam que menos de 4% do total de deputados federais, municipais, estaduais e senadores são negros e que se forem incluídos os pardos, esse percentual sobe para 27%, ainda baixo.

E no trabalho? No campo empresarial, é de 4,7% a ocupação de postos de direção e 6,3% de cargos de gerência por negros. Quanto a profissões que exigem alta qualificação, como as da área de engenharia, de aeronaves, medicina e advocacia a hegemonia branca é preponderante.

 No futuro…

Os dados apontados pelo jornalista Laurentino Gomes reforçam o que Silvio Almeida, advogado e filósofo negro chamou de racismo estrutural. Ou seja, para além do racismo moral, o racismo das/nas instituições perpetuam a desigualdade entre brancos e negros, especialmente a social e econômica. Precisa ser combatido e rompido para que a igualdade das condições de vida seja direito de todos.  Fica a pergunta: será a luta por direitos iguais, permanente? Será a luta de negros e negras, uma única luta de todos, como vimos em manifestações recentes? Ou seja, a que pode contar com o apoio de brancos e brancas?

Luta antirracista. Fonte: paineira.usp

*[i] Fonte: Agência Brasil: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-05/ibge-taxa-de-desemprego-de-jovens-atinge-271-no-primeiro-trimestre# Acesso em 01/07/2020.

 

REFERÊNCIA

GOMES, Laurentino. Escravidão. Vol. 1. São Paulo: Globo livros; 2019.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Possui graduação em psicologia e pedagogia, com doutorado em Educação: Psicologia da Educação, pela PUCSP. É especialista em temática de Direitos Humanos pela USP, SP e possui experiência na formação continuada de professores promovida pelo MEC e na formação inicial de professores nos cursos de pedagogia da Fundação Santo André, SP e Faculdades Oswaldo Cruz, SP, na formação continuada de professores em curso de EDH, pela UFABC, Campus Santo André e atualmente exerce função de coordenação pedagógica na educação básica.

2 Comments

  1. André Luiz Reis Mattos disse:

    Excelente reflexão, parabéns!

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