Este artigo tem como foco refletirmos sobre um tema recorrente durante esse tempo de pandemia, ou seja, quais serão nossos desafios para implementar uma cultura de paz no período denominado como “novo normal”, o tema não é novo, todavia aprofundá-lo sempre foi uma necessidade antes, durante e depois desse nefasto período.
Desde a mais tenra idade somos submetidos a situações em que preconceitos e estereótipos são revelados. Não se nasce preconceituoso, porém, a sociedade tem o poder de moldar o indivíduo e, muitas vezes, este molde se pauta na crença de que uns são melhores que outros. Ao pretendermos construir uma cultura de paz precisamos ter clareza da necessidade de combater o ódio. Ódio esse que tem se revelado em nosso meio através de atitudes como as de preconceito de classe, homofobia, racismo, machismo e intolerância religiosa. Para combatê-los precisamos dotar as crianças e adultos de uma compreensão dos princípios e respeito pela liberdade, justiça, democracia, direitos humanos, tolerância e igualdade social.
O último princípio citado, o da igualdade social, há muito vem sendo descumprido pelo Estado. A falta de políticas públicas, seja nas áreas de educação, saúde, habitação, saneamento, meio ambiente, etc., criam desigualdade social que gera opressão que, por sua vez, gera ódio, que acaba se transformando em preconceitos.
Poderíamos citar vários exemplos em que protagonistas periféricos, pobres e negros são vítimas de ausência de Estado, me deterei a dois exemplos bem conhecidos e explorados pela mídia impressa e cinematográfica: Pixote e Sandro.
Pixote foi selecionado pelo diretor argentino Hector Babenco para atuar no filme Cidade de Deus que retratou um tanto de sua realidade jovem infrator, egresso de reformatório, pelas ruas de São Paulo – sua fama de ator foi temporária, não resistiu à realidade. Sandro, menino de rua, sobrevivente a chacina da Candelária, ocasião em ocupou as mídias escritas e televisivas, sendo mais conhecido pelo sequestro do ônibus 174. O que os dois tem em comum com os meninos de nossas periferias? Sofrem da invisibilidade do Estado que só aparece e se vê presente em suas vidas (especialmente no final delas) através do aparato repressivo do Estado, que dá fim a vida de ambos.
Como combater tais fatos? Nosso ponto de partida é a defesa da democracia, uma democracia que garanta maior partilha do poder, através de uma radical participação popular qualificada; ocupando espaços desenhados democraticamente e criando novos espaços que interfiram na política vigente. Ou, dito com as palavras de Margaret Mead:
“Nunca duvide de que um pequeno grupo de cidadãos conscientes e engajados consiga mudar o mundo. Na verdade, essa é a única via que conseguiu produzir mudanças até agora”.
Segundo representantes da Organização das Nações Unidas (ONU), para se atingir a PAZ, é necessário a implementação de políticas de igualdade social e desenvolvimento, e para atingir este objetivo, a educação tem um papel fundamental para a promoção dos ideais de não violência, igualdade e respeito mútuo.
Segundo Peter Thompson, presidente da Assembleia Geral da ONU:
“Precisamos ensinar às nossas crianças os valores de paz, tolerância, igualdade e respeito. Elas não devem ter nenhuma dúvida de quão destrutiva é a alternativa a esses valores”
O caminho para educarmos segundo os valores citados é o diálogo, único meio para exercitarmos Direitos Humanos na sua plenitude. Somente através do diálogo conseguimos exercer alteridade, ou o “ser para o outro”. Ao se colocar no lugar do outro é possível respeitá-lo e ao respeitar o outro exercemos respeito coletivo com o próximo. Viver junto, respeitando as diferenças e similaridades. Também apostamos no diálogo e na negociação como caminho para prevenir e solucionar situações de preconceitos, agindo sobre suas causas.
O diálogo, no espaços escolares ou governamentais só terão sentido se executados a partir da participação coletiva. De acordo com Alícia Cabezudo:
“Se concretamente consideramos a redefinição do papel dos governos locais na construção de uma cultura de paz, que têm enorme possibilidade para fazê-lo, deve-se construir mecanismos de gestão democrática e participativa das políticas públicas. Sem isso, não é possível falar em cultura de paz – poderíamos falar de ações de educação para a paz, de programas de educação em direitos humanos, de campanhas sobre multiculturalismo ou gênero. Mas uma metodologia sistemática, estudada, coerente e interdisciplinar de todos os departamentos do governo local é a única forma para obter a sustentabilidade da política pública e para que realmente se construa uma cultura de paz tendo em conta princípios metodológicos claros e precisos. A cultura de paz é possível, sobretudo em governos locais”. (UNESCO, 2010).
Educar nossas crianças para cultura de paz, praticar ações de tolerância e solidariedade e exercer uma participação democrática são exemplos de pilares necessários ao “novo normal” já há muito explicitados pela UNESCO que anuncia que uma cultura de paz precisa ancorar-se em oito pilares:
- Educação para uma cultura de paz;
- Tolerância e solidariedade;
- Participação democrática;
- Fluxo de informações;
- Desarmamento;
- Direitos humanos;
- Desenvolvimento sustentável;
- Igualdade de gêneros.
As necessidades do “novo normal” não são novas necessidades, são demandas que já veem sendo anunciadas e buscadas por educadores e que precisarão mais do que nunca ser debatidas e implementadas.
REFERÊNCIAS:
LEAL. Diego da Rosa. Devemos ser a mudança que queremos ver no mundo. Faculdades Integradas do Extremo Sul da Bahia. Disponível em www.unesul.bahia.com.br Acesso em 03/08/2020
ONU. A importância da educação na construção de cultura de paz. Artigo publicado em https://nacoesunidas.org/onu-destaca-a-importancia-da-educacao-na-construcao-de-cultura-de-paz/ em 13/09/2017. Acesso em 30/07/2020.
ONU. Fórum: Cultura de paz exige sociedade inclusiva. Artigo disponível em https://nacoesunidas.org/forum-da-onu-cultura-de-paz-exige-sociedade-inclusiva/ em 10/09/2015. Acesso em 30/07/2020.
SILVA, Cida Venâncio. Pixote Nunca Mais: a verdadeira história de Fernando Ramos Silva. São Paulo: Editora Global, 1988.
STENGEL, Cláudia da Costa. Análise do documentário “Ônibus 174”. Psicologado, [S.l.]. (2010). Disponível em https://psicologado.com.br/resenhas/analise-do-documentario-onibus-174 . Acesso em 30 Jul 2020.
UNESCO. Cultura de paz: da reflexão à ação; balanço da Década Internacional da Promoção da Cultura de Paz e Não Violência em Benefício das Crianças do Mundo. – Brasília: UNESCO; São Paulo: Associação Palas Athena, 2010.