A Matemática da Morte

COVID x NÚMEROS

Abril de 2021: População Brasileira: 209.500.000 habitantes – 374.532 mortes por Covid. Matemática: X = 374.532×100/209.500.000 – X = 0,17% (reserve este índice). 13.493.317 de pessoas contraíram o Covid. Este número representa 6,4% da população; porém, 13.118.785 foram totalmente curadas, que significa 97,22% de cura dos contaminados. Mas, o caos implantado criou 13.000.000 de pessoas apresentando dificuldades de sustento, passando fome e acumulando dívidas.

PRIMEIRA REFLEXÃO: Colocamos 6,22% da população para perecer economicamente por implantar uma ação desastrosa que tenta evitar 0,17% de óbitos contra o pânico de um vírus que em 97,22% dos casos é curado.

ISSO NÃO DEVERIA TER SENTIDO!! Mas, ainda podemos ter outro raciocínio: Desde o anúncio do 1° caso de Covid no Brasil, em março de 2020, passaram-se 400 dias. Também anunciado, desde então, já contabizamos 374.532 óbitos por Covid. Matemática do Covid: 374.532/400 = 936. Sendo assim, no Brasil estão morrendo 936 pessoas por dia só de Covid. Hoje o Brasil é composto por 27 estados e 5568 munícipios. Como a divisão por municípios ficaria muito fracionada, vamos dividir igualmente pelos estados: 936/27=35. Então, nos últimos 400 dias, fatalizados por Covid, o Brasil registrou 35 óbitos por dia para cada estado da federação.

SEGUNDA REFLEXÃO: Justifica fechar todo o comércio? Tirar os direitos de ir e vir? Multar as empresas? Prender comerciantes? Isolar as pessoas em casa? Fazer tudo isso… e deixar de cuidar “COM QUALIDADE” de apenas 35 pessoas por dia para cada estado da federação!? ISSO DEVERIA SER UMA VERGONHA IMPERDOÁVEL!! Para concluir, acompanhe esta evolução anual:

MATEMÁTICA DOS TEMPOS: Ano de 2017: 1.070.623 casos de óbitos registrados no ano. Durante os 12 meses do ano de 2017 (há 4 anos), o Brasil registrou 0,53% de óbitos em sua população. Ano de 2018: 1.198.616 casos de óbitos registrados no ano. Durante os 12 meses do ano de 2018 (há 3 anos), o Brasil registrou 0,59% de óbitos na sua população. Ano de 2019 (sem Covid): 1.266.514 casos de óbitos registrados no ano. Ou seja, durante os 12 meses do ano de 2019 (ainda sem a presença de COVID), foi registrado 0,61% de óbitos no Brasil. Ano de 2020 (1° caso de Covid registrado em março) – 1.455.553 casos de óbitos registrados no ano. Então, (mesmo com a fatalidade do COVID), foi registrado 0,69% de óbitos no Brasil no ano de 2020. Comparativo percentual da evolução dos óbitos registrados nos últimos 4 anos sob a população do Brasil: 2017=0,53% (2016?); 2018=0,59% (+0,06%aa); 2019=0,61% (+0,02%aa); 2020=0,69% (+0,08%aa).

Esta “mensagem” vem circulando a um tempo na rede social Whatzapp e eu a recebi em um grupo de amigos do tempo de juventude e atividades no campo religioso do movimento espírita.

Numa análise inicial a matemática utilizada como modelo de reprodução de uma visão que analisa a repercussão social e econômica (recuso-me tratar da evidente ideologia política presente) da pandemia do Covid 19 no Brasil, parece apresentar caminho indicador de um resultado correto e um pensamento apropriado (a matemática existe para, no campo dos números e do raciocínio lógico, encontrar a exatidão na vida).

Reproduzindo Berger1: “por trás desse relato há um acúmulo de outras informações.” A atitude presente nesta perspectiva de operar a realidade da morte e do morrer inquieta, pois atravessa e feri a dimensão ética, é um pensamento que rompe com a capacidade humana “de acompanhar em imaginação e em simpatia a luta do agonizante ainda vivo.” 2 São números que revelam a “massa indistinta de mortos e moribundos” 2 e que escondem e ignoram identidades, pessoas, dores, perdas… sentimentos.

Imagem 1: “Um velho agachado com uma criança nos braços; ambos estão sangrando profusamente o sangue preto das fotografias em preto e branco.” Berger sobre fotografia de Donald McCullin, registrada em Hue, Vietnã, em 1968.

No texto intitulado Fotos de agonia, escrito em julho de 1972, John Berger, diante de notícias nos periódicos da época sobre a guerra do Vietnã, escreveu que “não há fotos do Vietnã nos jornais de hoje,” 1 apenas uma fotografia (imagem 1) de autoria de Donald McCullin. Ele inicia suas reflexões afirmando: “Durante o último ano, ou algo assim, tornou-se normal para certos jornais de grande circulação publicar fotografias de guerra que antes teriam sido descartadas por serem demasiadamente chocantes…” 1

Todos os dias, a mais de um ano, somos invadidos por imagens da morte, da dor pela perda, do luto impedido, relacionados a pandemia da Covid 19. Diante da imobilidade fria da matemática da morte questiono se as imagens e notícias do morrer, em quantidade que nos assaltam diariamente, de alguma forma deixaram de ou são insuficientes para elevar sentimentos de indignação e compaixão. “Mas o que estas imagens nos fazem ver?… Elas nos tomam de assalto. O adjetivo mais literal que lhes pode ser aplicado é estarrecedoras.”1

Imagem 2: Colapso: com a câmara frigorífica lotada, corpos são deixados no chão, à céu aberto, na área do IML de Belém — Foto: Álvaro Ribeiro/Tv Liberal.
Imagem 3: Pilhas de corpos encontrados pelos Aliados logo após a libertação do campo de Mauthausen, Áustria. Foto tirada após 5 de maio de 1945

Hoje, como em momentos outros de imensa perturbação social, faz-se difícil mensurar, diante de uma realidade mais humana e de empatia com o outro, o quanto é possível se distanciar, para alguns, do que nos revelam as imagens de corpos largados como lixos ensacados ou amontoados (uma triste semelhança com as fotografias dos horrores dos campos de concentração nazistas na 2ª Guerra Mundial – corpos amontoados sem vida e identidade).

O que fazemos? A indignação deveria conduzir a uma ação de enfrentamento, mas apenas seguimos sobrevivendo e desta forma, a “foto torna-se uma evidência da condição humana em geral. Ela não acusa ninguém e acusa a todos.” 1

Imagem 4: Sobrevivente do campo recebe cuidados médicos logo após sua libertação. Bergen-Belsen, Alemanha, foto tirada após 15 de abril de 1945.
Imagem 5: Homem internado em hospital de São Paulo em meio à pandemia do coronavírus — Foto: Reuters/Amanda Perobelli.

Entendo que Berger identifica bem o que ocorre com aqueles que aceitam o olhar que a matemática da morte propõe: “Mas o leitor que se deixou prender pela fotografia tende a sentir [uma] descontinuidade como sua própria e pessoal inadequação moral. É assim que isso acontece, até [que] sua sensação de impacto se dispersa.” 1 Evita-se (é o querer não ver) o momento de agonia… de dor, de perda, de uma experiência que pode se realizar na vida de qualquer um; na minha, na sua ou de alguém próximo.

A matemática da morte mascara um cotejo muito mais extenso e urgente, que neste caso, perpassa pela indiferença com a dor do outro, principalmente se este encontra-se em um espaço social diferente e inferior ao meu.

Imagem 6: Foto de uma cova coletiva tirada logo após a liberação do campo de Bergen-Belsen. Bergen-Belsen, Alemanha, maio de 1945.
Imagem 7: Manaus, Brasil, em 22 de maio de 2020. Vista aérea de uma área no cemitério de Nossa Senhora Aparecida, onde novas covas foram escavadas em meio à nova pandemia de coronavírus. Sem informação do autor.

“O olhar que vê o agonizante como ainda vivo, como apelando para os recursos mais profundos da vida, como carregado pela emergência do Essencial em sua vivência de vivo ainda, é um outro olhar. É o olhar da compaixão… Compaixão, você disse? Sim, mas há que entender bem o sofrer-com que essa palavra significa. Não é um gemer-com, como a piedade, a comiseração, figuras da deploração, poderiam ser; é um lutar-com, (meu destaque) um acompanhamento…” 2

Ainda Ricoeur: “Nos campos de extermínio nazista, durante a 2ª Grande Guerra Mundial, a “fumaça do crematório (era) como atestado da morte “em ação.” 2 Que fumaças mais poderão ainda encobrir a matemática da morte?

Referências:

1 – BERGER, John. Para Entender a Fotografia. Organização e introdução Geoff Dyer. Editora Companhia das Letras. São Paulo/SP. 2017.

2 – RICOEUR, Paul. Vivo até a Morte, seguido de Fragmentos. Editora WMF Martins Fontes Ltda. São Paulo/SP. 1ª Edição, 2012.

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Bacharel em Administração pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro , Licenciado em História pela Universidade de Uberaba, Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior pela Faculdades Integradas de Jacarepaguá, Mestre em História Social - linha de pesquisa em História Cultural pela Universidade de Vassouras/RJ. Foi Presidente da Fundação Educacional de Três Rios/RJ, e Professor dos cursos de Pedagogia (História da Educação, História da Arte, Arte e Educação) e Logística (Comercio Exterior) da Faetec de Três Rios/RJ.

17 Comments

  1. Natália disse:

    Ótimo artigo!! Infelizmente estamos vivendo em uma guerra!!

    • André Luiz Reis Mattos disse:

      Obrigado Natália, realmente estamos vivendo. Leia outros artigos desta revista de muita qualidade.

  2. Maria das Graças Ribeiro Lazarini disse:

    Interessante raciocínio sobre a morte numa visão ética social. Estatísticas mostram números que embora importante para projetos e programas governamentais, mas não são os únicos a serem analisados. Há necessidade de um aprofundamento na fotografia do todo diante da vulnerabilidade social que se reflete em matemática da dor e do caos humanitário.

    • André Luiz Reis Mattos disse:

      Realmente Maria das Graças, os números são frios, as fotografias nos permitem ver além do que as estatísticas nos apresentam, por isso não devem ser utilizadas para minimizar situações humanas com impactos terríveis na vida de todos. Aproveite a leitura desta revista, com mais de 10 anos tratando de educação e cultura.

  3. DIRCELENE L.DE SOUZA DA SILVA disse:

    Texto que busca uma comparação de momentos que a humanidade sofreu e continuara sofrendo enquanto a fumaça do egoísmo existir ,essa conta terá resultados tristes e impactantes.

  4. Lucilene Tavares Ferreira disse:

    Realmente, a matemática apresenta um resultado frio , tendencioso e sem empatia com as famílias de quem perdeu um ente querido. Possivelmente, quem divulga tais “estatísticas, não teve um pai, uma mãe, um filho, um neto morto por esta doença. Com certeza, quando somos confrontados com as imagens há uma humanização da situação.

  5. DIRCELENE LUCIANO DE SOUZA DA SILVA disse:

    Texto que busca uma comparação de momentos que a humanidade sofreu e continuara sofrendo enquanto a fumaça do egoísmo existir ,essa conta terá resultados tristes e impactantes.

    • André Luiz Reis Mattos disse:

      Frio e desumano Lucilene, as fotografias revelam o humano e o ético com muito mais verdade. Obrigado e aproveite a leitura de outros artigo da revista

  6. Luciane Maria Pereira Reis de Souza disse:

    Um texto que me fez refletir e fazer varioas questionamentos. Existe mesmo a matemática da dor? Após 76 anos de grande tragédia humana, onde muitos morreram de forma cruel, fica a sensação de que o ser humano continua com a mesma essência, a briga pelo poder está acima de tudo e de todos. Precisamos entender que números não importam e sim, qualidade básica de saúde para tudo e todos. Onde a sociedade está doente, todos estamos doentes também, todos somos importantes e precisamos aprender a amar.

  7. Elaine Moura disse:

    Muito lúcida a reflexão do irmão André Mattos. Mais do que qualquer outra coisa, o que mais assusta nesses tempos sombrios é a perda total (por parte de alguns) da capacidade de se solidarizar com a dor do seu irmão. E, sobre matemática da morte… sobre porcentagens… gostaria de fazer uma observação: para quem morre, a conta passa de zero vírgula alguma coisa para o absoluto 100%. Pode ser 100% para mim ou para você amanhã.

    • André Luiz Reis Mattos disse:

      Existe uma matemática que é utilizada para minimizar a dor imensa de muitos, assim também alguns agiram com o nazismo, assim hoje no Brasil. Obrigado e continue apreciando os ótimos artigos desta revista.

  8. André Luiz Reis Mattos disse:

    Existe uma matemática que é utilizada para minimizar a dor imensa de muitos, assim também alguns agiram com o nazismo, assim hoje no Brasil. Obrigado e continue apreciando os ótimos artigos desta revista.

  9. Izabel Cristina Monteiro disse:

    A matemática da morte é a exteriorização de um pensamento e um sentimento contrários à empatia. A dor do outro não se mede em números. É necessário nos colocarmos no lugar do outro para termos ao menos uma pequena percepção de seu sofrimento.

    • André Luiz Reis Mattos disse:

      Realmente Izabel, é incrível ainda percebemos pessoas insensíveis a dor do outro. Obrigado.

  10. Alexandre Victorino disse:

    André, como matemático, meu amigo, continuo aprendendo durante esses quase 30 anos de atividades no ofício, que não existe nada mais INEXATA que a “EXATA CIÊNCIA”, quando solicitada, em algumas instâncias dos saberes, a retratar a fotografia momentânea daquilo que se propõe analisar! As equações não podem se apresentar como definitivas! As incógnitas são inúmeras e diversas… A análise “fria”, na aritmética, pode não apresentar ou representar em suas conjecturas a plenitude vigorosa calor dos fatos! E o seu texto mostra e demonstra cristalinamente, em minha opinião, isso.
    O pensamento vigoroso, engendrando habilmente suas linhas, suscitam muitas outras questões a se desdobrarem na multiplicidade de outras tantas… Belo texto! E ao fazer isso, ainda na primeira leitura do texto, consigo exumar “o joio do trigo” que essa “matemática” pode ofertar!

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