UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CURSO LICENCIATURA EM HISTÓRIA
A CULTURA OCULTA DA GALERIA ALASKA
BALBINO MOURA GALVÃO JUNIOR
Resumo: O presente trabalho busca analisar o local situado no bairro de Copacabana da cidade do Rio de Janeiro que teve o nome de Galeria Alaska, que durante quase quarenta anos (precisamente no final dos anos 50 até o começo dos anos 90) foi se transformando em diversos bares e boates com diferentes nomes e públicos onde o público mais frequentado eram de homossexuais, o local em si ficou conhecido para os moradores do Rio de Janeiro como “inferninho” por nunca ser visto com bons olhos pela sociedade carioca e nem pela mídia. O trabalho busca analisar como mesmo o local sendo total menosprezado pela sociedade carioca não deixou de ter seu público que criou uma espécie de “cultura oculta” no local, onde também será analisado pessoas que frequentaram o local para saber o que os atraiam para a Galeria Alaska a fim de entendermos mais a popularidade mesmo que não divulgada ou aceita.
Palavras-chaves: Rio de Janeiro; Homossexuais; Copacabana; Inferninho; Estigma; Cultura Oculta.
Abstract
Abstract: The present work seeks to analyze first the place located in the Copacabana neighborhood of the city of Rio de Janeiro, which was named Galeria Alaska, which for almost forty years (precisely in the late 1950s until the early 1990s) it was transformed into several bars and nightclubs with different names and audiences where the most frequented public were homosexuals, the place itself became known to residents of Rio de Janeiro as “inferninho” because it was never seen with good eyes by society in Rio de Janeiro and nor by the media. The work seeks to analyze how even the place being totally underestimated by the society of Rio did not fail to have its public that created a kind of “hidden culture” in the place, where people who frequented the place will also be analyzed to find out what attracted them to the Gallery Alaska in order to understand more the popularity even if not disclosed or accepted.
Keywords: Rio de Janeiro; Homoseuxuals; Copacabana; Hellraiser;
stigma; Hidden Culture;
Introdução
A História do Brasil é um campo que possui diversas possibilidades de estudos em toda a sua área, mas nunca deixou de ser um campo desafiador para seus pesquisadores. Muitos temas e objetos não foram estudados, ou mesmo foram pouco estudados. Este consiste no motivo pelo qual esse trabalho foi realizado.
O que tem como título “A cultura oculta da galeria Alaska” irá tratar sobre a história ocultada pelos frequentadores de um lugar que era e ainda é localizado na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, no Rio de Janeiro, por 40 anos, entre os anos de 1950 até 1990 o local havia bares, restaurantes e boates com os mais diversos tipos de público. Entre os frequentadores, heterossexuais, homossexuais e transexuais.
Os termos “oculto”; “estigma” e “marginal” serão utilizados para a caracterização diagnóstica da “Galeria Alaska” por conter significados que representam aspectos de uma contracultura que, num contexto mundial de crítica “juvenil” ao sistema moral coercitivo de uma sociedade que julgavam ultrapassada, reagiam com movimentos políticos e sociais em todo os continentes: entre movimentos estudantis, pacifistas, com referenciais de uma esquerda resistente ao capitalismo, estavam os resistentes às “acomodações” morais de hábitos e comportamentos sociais que eram relacionados ao conservadorismo de gerações anteriores.
No contexto brasileiro, a Ditadura Militar encontrava a resistência armada de organizações político-partidárias e de movimentos culturais que se manifestavam pelas artes: as plásticas, as teatrais, e cinematográficas, literárias e musicais. Num ambiente de produção cultural que representava mudanças, o humor também teve lugar de importância através de charges e programas na TV qu demonstravam teor crítico à situação autoritária vigente.
A produção de uma “cultura de classe média”, aquela que se pode conceber como característica de distinção que, conforme Pierre Bourdieu, compõe características distintivas pelo acesso à “cultura”. Considerando que, para o sociólogo francês, o “Capital Cultural” se refere aos “bens culturais”, tratados enquanto uma lógica econômica que estabelece relações entre as condições em que esses “bens” é produzidos e seus consumidores. (BOURDIEU, 2006).
Neste sentido, a “distinção” se faz entre capitais culturais que se diferenciam pelo acesso ao que é considerado “alta cultura”, a “cultura” que se caracterizaria por uma “erudição” livresca e artística adquirida em instituições educacionais ou em meios familiares cujo poder aquisitivo media este acesso, e a “cultura popular” que seria incorporada aos sujeitos pelas tradições e experiências sociais imediatas, da convivência cotidiana das camadas populares.
Portanto, distinguindo-se a ideia de “cultura” enquanto acesso econômico a um conhecimento “mais elaborado”, o movimento de Contracultura também correspondia às lógicas dos acessos na perspectiva de distinção intra e entre classes sociais. Deste modo, os movimentos Desbunde e Tropicália correspondiam a exemplos de elaborações culturais na perspectiva da classe média com acesso à educação letrada e artística. O Movimento Desbunde, surgido na cidade de São Paulo, propunha, segundo Alê Youssef, “buscar um pensamento alternativo ao sufocante contexto político e social da ditadura”.[i] O Desbunde reunia artistas que propunham usar formas alternativas para expressar a crítica política e social com humor e ludicidade. Uma importante expressão do Desbunde foi a encenação da peça O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, dirigida pelo ator e diretor de teatro José Celso Martinez Correa em 1967, o fundador do grupo de teatro paulistano Oficina. A Oficina se constituía enquanto Grupo de arte de resistência.
Quanto a Tropicália, este foi nomeado “movimento” por jornalista que entrevistou Caetano Veloso em Londres durante seu exílio. O movimento Tropicália, também chamado “Tropicalismo”, reuniu correntes musicais e literárias, como rock in roll, músicas religiosas, músicas populares de cantores “de rádio” das décadas de 1950 e 1960 e da vanguarda da década de 1970, com críticas sociais e políticas. Também reuniu a arte plástica e a poesia concreta e arranjos musicais criados pelo maestro Rogério Duprat.
Importante ressaltar, usando o conceito de Bakhtin [ii]de dialogização e circularidade que podem contribuir para a compreensão das relações interculturais que, sob a hegemonia ocidental, estabeleciam diálogos híbridos que se homogeneizaram pela Indústria Cultural.
De acordo com a perspectiva de análise de Mikhail Bakhtin, a dialogização ou polifonia inclui a questão da alteridade, que tem o sentido de visar o encontro com o “outro”. No mesmo sentido da dialogização e da polifonia, Bakhtin aponta para a ideia de circularidade que, utilizada por Carlo Ginzburg, foi trazida à reflexão da disciplina História no sentido de demonstrar que as ideias produzidas em determinados tempos e lugares não são estáticas ou passivas: as ideias circulam. Ao se espalharem a partir de seus locus de produção, as ideias podem ser apreendidas, modificadas e estabelecidas em outros lugares e contextos. Esta perspectiva é a que se aponta para a demonstração de que a recepção de uma concepção de “contracultura”, o movimento de resistência e rebeldia juvenil, com propostas de experiências que se contrapunham às das gerações anteriores, vistas como acomodadas e servis ao , sistema capitalista, se estendeu especialmente pelo Sudeste brasileiro, no “Eixo Rio-São Paulo”, alcançando os jovens da classe média, entre os portadores de uma “alta cultura” e aqueles que não compartilhavam do acesso a um “capital cultural” distintivo, conforme a interpretação de Bourdieu.
Pode-se afirmar que a Contracultura é um movimento da indústria cultural que, como indústria que absorve a massa consumidora. Conforme análise de Adorno e Horkheimer em 1985, a indústria cultural estimularia o cultivo de falsas necessidades psicológicas que seriam satisfeitas pelos produtos do capitalismo, sendo absorvida pela diversidade cultural e econômica na qual se localiza a classe média, ou classes médias, aquelas que detêm certo poder econômico e que reivindicam estéticas diversificadas que, em comum, caracterizam-se pelo acesso disponível através do consumo. Portanto, diferindo de uma composição estética em que a tradição conserva aos setores dominantes, a “cultura de classe média” é produto da indústria cultural. Neste sentido, o acesso a esta indústria produz gostos e comportamentos específicos.
No caso da Galeria Alaska, as distinções intra e entre classes, embora mantidas e presentes, seriam superadas por gostos e comportamentos comuns e que apontavam para uma certa cultura hedonista em que o lugar era relacionado à ideia de lazer e prazer com livre acesso de todas as classes sociais.
O contexto em questão, o período em que o Brasil estava submetido à uma Ditadura Militar, em que as participações da sociedade civil estavam limitadas a alguns setores econômicos e sociais atrelados à ideologia de um desenvolvimentismo submisso às imposições estadunidenses políticas e de mercado, as mudanças geopolíticas se pautavam pelo contexto da Guerra Fria, das divisões entre os Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos. Neste sentido, os movimentos da juventude assumiram posturas contrárias às guerras que disputavam regiões estratégicas para as nações que se opunham no mundo dividido pelo controle capitalista versus socialista. Portanto,
O comportamento moral que se estabelece como hegemônico na sociedade brasileira desta época, e ainda atual, rejeitava publicamente os comportamentos homossexuais. Assim, a Galeria Alaska servia como um lugar para que as pessoas pudessem se encontrar sem a preocupação de serem discriminadas ou sofrerem preconceitos ante às suas orientações sexuais. Neste sentido, a Galeria Alaska seria compreendida como o lugar de uma “cultura oculta” na cidade do Rio de Janeiro, pois o comportamento de alguns no interior da Galeria era rejeitado por muitos dos seus frequentadores fora dela.
Esse trabalho consiste em, com o uso dos conceitos de cultura e contracultura, realizar uma análise sobre o comportamento de uma cultura estigmatizada e com isso analisar a cultura do local.
Por estigma, entende-se, de acordo com a análise de Erving Goffman (1988), a deterioração social da atuação ou personalidade ou aparência dos sujeitos em discordância com as normas sociais. O Estigma, assim como a dialogização de Bakhtin, refere-se à experiência interativa com o “outro”. O Estigmatizado é relacionado, na perspectiva de Goffman, à “imagem deteriorada”. Deste modo, o “comportamento desviante” só encontraria aceitação entre os que compartilham o estigma. Segundo Goffman, “os informados [termo utilizado por homossexuais] são os homens marginais diante dos quais o indivíduo que tem um defeito não precisa se envergonhar nem se autocontrolar porque sabe que será considerado como pessoa comum.” (GOFFMAN, 1988, 37).
Além destas considerações teóricas, dois campos da História muito importantes servirão de base para o tratamento do tema. O primeiro campo é o da História Local pelo qual poderá ser entendida a importância da referência a determinado local para seus frequentadores. O segundo campo, o da metodologia da História Oral, que foi utilizada na construção de fontes dialogadas com pessoas que frequentavam o local. O objetivo foi o de compreender as motivações, desafios e observações particulares e coletivas sobre os estigmas que cercavam frequentadores e o próprio local e, também, a sua resistência e persistência no tempo.
Enquanto “Construções de memórias”, a Metodologia da História Oral é utilizada no sentido de apreensão da mutabilidade da Memória como projeção idealizada. Chamando a atenção para o que considera “tópicos negligenciados”: “amnésia social” e “gestão social da memória”, Meneses considera que a memória, não sendo confundida com “pacote de recordações”, é um “processo permanente de construção e reconstrução” (MENESES, 1992, 10). Como escreve Meneses, “Se a memória costuma ser automaticamente relacionada a mecanismos de retenção, depósito e armazenamento é preciso apontá-la também como mecanismo de seleção e descarte” (MENESES, 1992, 16).
A importância desse trabalho se demonstra pela tentativa de se apontar que, apesar de oculta e estigmatizada, este movimento de contracultura popular e marginal em meio às outras manifestações de contracultura, como o Desbunde e a Tropicália, se impôs no contexto da indústria cultural na medida em que alguns artistas que ali se apresentavam tornaram-se figuras de destaque no âmbito artístico nacional, como as cantora Dolores Duran, Aracy de Almeida e Alcione, servindo de cenário de documentários, como o “Divinas Divas” em 2016, dirigido pela atriz e diretora Leandra Leal, que conta as trajetórias das primeiras travestis que se apresentaram na Galeria Alaska.
Entender a rotina desse local para que sua memória não seja apagada com o tempo e que para seus frequentadores e através das próximas gerações possam descobrir porque esse local foi tão importante para o lazer de muita gente.
A Galeria Alaska
Importante ressaltar que a memória da Galeria Alaska não teria adquirido evidência sem o auxílio dos historiadores Sílvia Oliveira Cardoso e Heitor Leal Machado e seu texto intitulado: “A Galeria do Amor” Cidade, corpo e emoções na música de Agnaldo Timóteo[iii]. Conhecida nos dias atuais como Galeria Atlântida, a Galeria Alaska foi projetada tal como projetos de galerias que surgiram em Paris, França, por volta dos meados do século XIX, com a arquitetura projetada com corredores largos, iluminação vinda de cima e vitrines das lojas dos lados esquerdo e direito desses corredores, a decoração sempre luxuosa até porque as lojas vendiam artigos de luxos.
Com isso em 1951, no Posto 6, localizado na praia de Copacabana, mais precisamente no patamar térreo de um condomínio residencial de classe média cujo um corredor ligava a Avenida Nossa Senhora de Copacabana e a Avenida Atlântida inaugurou-se a Galeria Alaska[iv], no texto ainda nos situa que:
A entrada principal da Galeria Alaska é decorada com altas colunas de concreto cobertas com uma cor clara, que olhando de longe parece imitar mármore — material que é utilizado nas paredes internas da galeria —, criando um ambiente sofisticado e distinto.
Essa entrada localiza-se na Av. Nossa Senhora de Copacabana, que possui estabelecimentos comerciais, prédios residenciais, hotéis, pontos de ônibus e intenso tráfego de carros. (CARDOSO, MACHADO [2015] p. 34).
Assim como os autores do texto expressaram a sua dificuldade para fontes de pesquisa que tenham relatos sobre a história da Galeria Alaska o objeto de estudo no qual está sendo apresentado também passou pelas mesmas dificuldades, contudo a análise desse texto será voltada sobre algumas boates e o público delas, salientando as mais importantes. Porém, com as transformações da Galeria Alaska ao longo do tempo, muitos vestígios deste passado se perderam fisicamente, permanecendo na memória e nos registros imagéticos que foram guardados.
Em 1952, inaugurou-se na Galeria Alaska o Teatro Perroquet e o cinema Royal. O Perroquet era um local com espetáculos musicais. Em 1953 inaugurou-se o cinema Alaska, além de bares e restaurantes também, a Galeria, até então, voltava-se a um ambiente familiar e luxuoso.
Nos anos 1960, a Galeria Alaska passaria a receber espetáculos protagonizados por travestis. Estes se tornaram as atividades mais procuradas pelo público na época. As travestis Rogéria, Valéria, Manon, entre outras, se apresentaram na boate Stop. O espetáculo International Set teve lugar durante o ano de 1964[v]. Logo após, o espetáculo Les Girls atrairia o público homossexual, mudando definitivamente o ambiente social da Galeria Alaska. Esta passaria a reunir crescente número de “inferninhos” além de apresentar a circulação de número significativo de prostitutas, travestis e pivetes, gerando incomodo aos moradores que moravam nos arredores da Galeria Alaska. Restaurantes e o cinema continuavam em pleno funcionamento durante o período diurno. Durante a noite, as boates e os bares levavam outro público, o que marcaria a história do local, que chegaria a ser classificada como “o maior reduto gay do país[vi]”.
Com isto, a história da Galeria Alaska começaria a ser conturbada porque sua fama, e ausência de policiamento, representava insegurança e incerteza quanto ao comportamento de seus frequentadores “destoantes”. Através dos anos, com a imprensa sendo talvez sua principal inimiga, a Galeria Alaska passaria ser conhecida como lugar estigmatizado e frequentado por pessoas de “condutas dissonantes”.
Porém, por mais que as notícias e até mesmo a sociedade local da época demonstrassem suas oposições ao lugar, a Galeria Alaska manteve seu público e, ampliou, abrigando assim, as duas boates – Sótão e Katakombe – mais movimentadas do Rio de Janeiro, na década de 1970 e 1980, segundo “A Galeria do Amor” de Agnaldo Timóteo. As boates eram os locais mais frequentados das noites cariocas da época. Ainda na década de 1980 ocorreu uma significativa mudança, as salas de cinemas da galeria se transformaram no Teatro Alaska com espetáculos de dança voltados ao público homossexual e feminino.
Com isso o cantor Agnaldo Timóteo em 1975 homenageia a Galeria Alaska, a música intitulada como: “A galeria do amor”. Esta foi a principal faixa do seu LP que tem o mesmo nome, na música em questão ele cita a Galeria Alaska da seguinte forma:
“Na galeria do amor é assim
Muita gente à procura de gente
A galeria do amor é assim
Um lugar de emoções diferentes
Onde a gente que é gente se entende
Onde pode se amar livremente…”
(TIMÓTEO, Agnaldo. 1975)
Agnaldo Timóteo deixou claro que a música se chamaria “Galeria Alaska”, porém o departamento de marketing da gravadora pediu para que ele mudasse com receio da parte conservadora de seu público.[vii]
A Galeria Alaska em 1979 também foi palco para um curta metragem do diretor José Joffily chamado: “Curta-Sequência: Galeria Alaska[viii]”, no curta os atores Anselmo Vasconcelos e Paulo Barbosa interpretam Jairo e Silvinho que estão sentados em um bar em frente a Galeria Alaska começam a conversar e discutem, com isso os próprios atores e a equipe de filmagem interagem com o público local e com isso capturam histórias das pessoas que frequentam a Galeria Alaska dando a visão de como era um pouco do cotidiano para o espectador.
Na década de 1980, uma das principais atrações que lotou o Teatro Alaska foi a: “Noite dos Leopardos”[ix] onde o espetáculo de nu frontal masculino atraiam não só os frequentadores do Teatro Alaska como até mesmo famosos como: Caetano Veloso e Elza Soares.
O surto de HIV ocorrido em meados da década 1980 foi atribuído principalmente às práticas sexuais homoafetivas (ARRUMAR UMA FONTE), implicando assim ao início do fim da Galeria como ambiente voltado para o público homossexual, culminando em um fechamento definitivo no começo da década de 90 quando duas igrejas evangélicas compraram os principais locais de atrações: o Teatro Alaska, segundo o depoimento de Jane Di Castro, que participou de alguns espetáculos no local. A compra do espaço pela igreja, caracterizada pela expansão neopentecostal, aliada a falta de informações sobre a nova doença, criou um cenário de “guerra aos travestis” forçando uma desconcentração do público, desfazendo a essência da Galeria, que com o passar dos anos também tem seu restaurante adquirido também pela Igreja, que por fim transforma a Galeria Alaska em Galeria Atlântida como é conhecida hoje em dia.
Boate Sótão
A importância da história da Galeria Alaska se dá principalmente aos seus estabelecimentos, alguns muitos famosos e outros nem tanto, o marco que esses estabelecimentos trouxeram para o local é de extrema importância para a história tanto local (nesse caso da Galeria Alaska e do bairro de Copacabana) até mesmo para a história dos frequentadores (sendo eles ou elas homossexuais ou não).
E no dia 16 de julho de 1970 numa quinta-feira à noite se inaugurou a Boate Sótão[x] porém no dia anterior o Jornal do Brasil publicava numa parte do Jornal chamada Caderno B o acontecimento desse evento, o jornal do dia 15 de julho de 1970 anunciava que no dia seguinte era a inauguração da boate Sótão, e ainda dizia que: “a cozinha é internacional, decoração a base de tecidos estampados no teto e paredes brancas, nuas. A pista de Dança é feita com placas de acrílico, iluminada por cima e por baixo.” Em 2013 um frequentador da Galeria Alaska conhecido como Regis escreveu como era a Boate Sótão[xi] que serviu como fonte para essa pesquisa.
Na primeira metade dos anos 1970 a Boate Sótão tinha como principais atrações a sua cozinha e shows ao vivo, com a era Disco Music chegando com força na segunda metade dos anos 70 a Sótão se transforma em uma boate Disco Music, onde os homens eram proibidos se tocar enquanto estavam na pista de dança. Sendo o primeiro clube privê do Brasil, para entrar na boate você tinha que ter uma certa influência no ambiente, senão era barrado na porta e a fama corria solta por ser uma boate de luxo e considerada a melhor boate do Rio de Janeiro. Em 1978 a boate Sótão ganhou fama internacional sendo comparada às boates de Nova York e de Paris, um dos DJs que deu fama a Sótão foi o DJ Amândio, onde inclusive lançou um LP com os maiores sucessos da pista de dança da Sótão. A Sótão, inclusive por causa da sua fama nacional e internacional, atraiu inclusive celebridades nacionais e internacionais como Mick Jagger e Freddie Mercury onde alavancou ainda mais sua fama. A Boate Sótão teve seu fim com a queda do público gay da Galeria Alaska no final da década de 1980 e início da década de 1990.
A Sociedade Carioca e a Imprensa
Um dos pontos principais deste trabalho é entender como a imprensa e a sociedade carioca tratavam a Galeria Alaska. O trabalho dos autores Sílvia Oliveira Cardoso e Heitor Leal Machado citado anteriormente serviu para observar como era o comportamento da imprensa sobre a Galeria Alaska, a imprensa em questão é o jornal O Globo. Assim como em outro livro da autora Carla Bassanezi Pinsky (2005)[xii], onde analisou historiadores que utilizaram os jornais impressos como fontes históricas para as suas pesquisas, aqui será feito o mesmo. Os jornais impressos tendem a entender, nesse caso, como a sociedade carioca recebia informações sobre a Galeria Alaska sem ao menos conhecer o local, valendo lembrar que a sociedade não via muito bem os relacionamentos homoafetivos com bons olhos onde muitos viam como um tabu esse tipo de relação.[xiii]
Com isso, a primeira matéria analisada é do jornal O Globo do dia 02 de setembro de 1958, aqui vemos que com o aumento do público da Galeria Alaska principalmente dos estabelecimentos noturnos, na matéria em questão com o título “Policiamento para Galeria Alasca”[xiv] na matéria, além de pedir um policiamento mais rigoroso para os bares suspeitos da Galeria Alaska, a matéria aponta que os “inferninhos” tem como público delinquentes e pervertidos corrompendo menores e com isso culpando o que estaria acontecendo a juventude da época. É interessante observar o ponto do policiamento para a Galeria Alaska, segundo James N. Green[xv] observando duas casas que eram a boate Sótão no Rio de Janeiro e a boate Medieval, em São Paulo:
“Embora os proprietários dos clubes eventualmente fossem pressionados pelas autoridades, o dinheiro da propina mantinha a polícia apaziguada. Essa contradição entre a atmosfera política geral e a ampliação do espaço gay parece contrariar a lógica. Seria de esperar que um governo militar de direita, que censurava peças consideradas “subversivas” ou que violavam “a moral e os bons costumes” também fossem fechar os clubes gays. Mas isso não ocorreu. (GREEN, 2019, 408).
Essa citação nos faz observar e até mesmo responder como nos governos mais autoritários onde havia censura sobre muitos espetáculos, esses lugares não tiveram seus espetáculos censurados ou até mesmo os lugares fechados.
Numa reportagem em 1966, o jornal O Globo tem o título em sua matéria: “Inferninhos” – Chagas abertas em Copacabana”[xvi]. A matéria em questão aponta o crescimento do público nos estabelecimentos considerados “inferninhos” no bairro de Copacabana, especialmente porque a Galeria Alaska era considerada como um dos “inferninhos”, a reportagem primeiramente fala sobre os locais, quando descreve que “a Galeria Alaska é zona de ninguém” apontando aos locais de prostituição que tinha na avenida, além dos estabelecimentos que exibiam shows de “strip-tease”. No início da reportagem temos uma fala sobre uma briga entre homossexuais e alguns malandros e o fato da demora do policiamento no local. O maior destaque da matéria é o quanto os moradores estão sendo prejudicados com a vida noturna, que ao anoitecer estavam sendo expostos a “vexames inevitáveis” e também com seus imóveis sendo desvalorizados cada vez mais devido a “má fama” que os endereços estavam adquirindo devido a essa vida noturna e aos “inferninhos”, inclusive a Galeria Alaska ao longo dos anos sendo mais vigiada pela polícia e principalmente pelos moradores que tratava o local com desrespeito e discriminação. Em 5 de fevereiro de 1973 a Galeria Alaska ganha o destaque novamente de forma negativa com uma catástrofe, o jogador de futebol Almir Pernambuquinho[xvii] se envolveu em uma briga de bar na Galeria Alaska, o jogador estava com amigos no local do estabelecimento estavam um grupo de portugueses e o grupo de dançarinos Dzi Croquettes que ainda estavam maquiados após o espetáculo, com isso os portugueses estavam dirigindo insultos homofóbicos aos dançarinos. Almir Pernambuquinho se colocou em defesa, onde ocorreu uma briga, os portugueses e um dos seus amigos sacaram armas onde deu início ao tiroteio, desarmado Almir Pernambuquinho levou um tiro no peito onde faleceu[xviii]. De fato, para a imprensa, 1973 não era o ano de sorte para a Galeria Alaska, duas matérias em destaque negativo nesse mesmo período tomaram conta dos jornais, a primeira reportagem que ocorreu três dias depois do assassinato de Almir Pernambuquinho no dia 8 de fevereiro, na reportagem[xix] mostra uma ambiguidade na Galeria Alaska entre o dia e noite, durante o dia os moradores do condomínio, onde inclusive os elevadores ficam no centro da galeria que ficava na Galeria circulam pela galeria principalmente para atravessar em direção a uma das avenidas, o local também era movimentado graças ao salão de beleza e ao cinema que também funcionavam no local, porém a noite segundo a reportagem as pessoas evitavam o acesso à galeria, até mesmo para cortar caminho, devido a sua “clientela especial”. Com o assassinato do jogador Almir Pernambuquinho, a área em volta da Galera Alaska era considerada “barra pesada” e a notícia também fala da baixa valorização dos apartamentos do condomínio da Galera Alaska. Porém, na mesma reportagem, os comerciantes que funcionavam à noite na Galeria Alaska não se sentiam prejudicados com a movimentação e nem com o ocorrido que teve alguns dias antes. A segunda reportagem foi feita no dia 02 de abril, em um texto elaborado através de “contos” no bairro de Copacabana chamado “Draminha[xx]”, onde a história em questão contava que, mesmo depois do assassinato do jogador Almir Pernambuquinho, o local continuava sem policiamento. Porém, o narrador não fala dos frequentadores da Galeria Alaska e sim das pessoas que ficam ao redor do local.
A má fama da Galeria Alaska sobre ser um local barra pesada com péssimos frequentadores não se tratou só durante a época. Em uma reportagem de 2011 do canal Brasil [xxi]sobre a Galeria Alaska temos as falas de alguns moradores de Copacabana, onde a palavra “má fama” foi a mais falada, podemos observar que realmente a sociedade de Copacabana muitos não viam com bons olhos a Galeria Alaska e que muito dessa má fama contribuiu para o próprio fim dos estabelecimentos da galeria e por ter ficado tão esquecida pela história do Rio de Janeiro.
Sabemos que o jornal impresso contribuiu bastante para a má fama da Galeria Alaska, as matérias sobre o local estava bastante em destaque nas páginas dos jornais, especialmente o jornal O Globo que foi o mais pesquisado, analisando outros jornais como Jornal do Brasil[xxii] e Correio da Manhã[xxiii] na parte de classificados, muitos dos eventos que aconteciam nos estabelecimentos da Galeria Alaska eram retratados nos classificados e até outros acontecimentos como celebridades indo até a Galeria Alaska, como o vice-presidente da Globo o Boni indo prestigiar um espetáculo no qual um amigo estava protagonizando[xxiv].
Nesse trabalho fica o questionamento: será mesmo que para os frequentadores e até alguns moradores a Galeria Alaska era um local tão ruim? Mesmo sendo má afamada como a Galeria Alaska se manteve por tanto tempo? As perguntas foram feitas aos frequentadores da Galeria Alaska.
A Cultura Oculta
Pela Galeria Alaska ser má afamada, a questão desse trabalho era o porquê da Galeria Alaska ter funcionado por tanto tempo? A questão de ter uma Cultura Oculta não é pelo fato de ser uma contracultura a sociedade segundo um estudo feito pela autora Cinthia Jardim Negromonte da Silva[xxv], não seria um fenômeno ideológico para os frequentadores locais, mas sim uma Cultura Oculta, algo que só dentro dos estabelecimentos da Galeria Alaska existia. O próprio cantor Agnaldo Timóteo quando gravou a música “A galeria do amor” teve o seu primeiro obstáculo para o seu lançamento que foi o questionamento do local feito pela própria gravadora, Agnaldo Timóteo afirmou que:
“[…] gente isso é uma realidade. Você sai a noite pra passear, chega na Galeria Alaska e encontra centenas de pessoas se paquerando. Isso é um fato real. É preciso falar disso. São milhões de pessoas que vivem dessa maneira: homens com homens, mulheres com mulheres. Não se pode mais fugir dessa realidade hoje no mundo.” (ARAÚJO, 2015. P. 142).
Para entendermos isso foi realizado um trabalho de história Oral sobre o local, onde pessoas que frequentavam foram entrevistadas, foi necessário entrevistar alguns frequentadores da Galeria Alaska. Desse modo, a História Oral se fez muito presente neste trabalho, usando como método o estudo realizado pela historiadora Sônia Maria de Freitas (ANO) em seu livro: “História Oral: Possibilidades e Procedimentos.” sua metodologia está presente nos procedimentos utilizados com meus entrevistados para a realização desse trabalho a prática da História Oral temática, Nela o tema tende a ser mais importante para todo o debate do que a própria história de vida do entrevistado, destacando sempre a Galeria Alaska como foco principal para a memória do entrevistado e com isso a discussão sobre o local, a mídia e o porquê era tão frequentada, Sônia Maria de Freitas nos mostra que:
Com a História Oral temática, a entrevista tem um caráter temático e é realizado em um grupo de pessoas, sobre um assunto específico. Essa entrevista – que tem característica de depoimento – não abrange necessariamente a totalidade da existência do informante. Dessa maneira, os depoimentos podem ser mais numerosos, resultando em maiores quantidades de informações, o que permite uma comparação entre eles, apontando divergências, convergências e evidências de uma memória coletiva, por exemplo[xxvi].” (FREITAS, 2006. P. 21-22).
Para a realização deste trabalho foi preciso colher depoimentos com o intuito de estimular a construção de memórias do entrevistado sobre o local, relacionar os estabelecimentos que ele frequentava e com isso saber como era a visão dele sobre o local perante a mídia. Foram, no total, cinco entrevistados e sete perguntas mostradas abaixo:
- “Como e quando você descobriu a Galeria Alaska?”
Essa pergunta foi feita para descobrir principalmente o ano que o entrevistado descobriu a Galeria Alaska, como a Galeria Alaska funcionou por quase quarenta anos é importante para a pesquisa saber em que momento da funcionalidade da Galeria Alaska o entrevistado teve o seu primeiro contato com ao local. Também é importante observar nessa pergunta o modo no qual o entrevistado descobriu a Galeria Alaska, de modo que se muitos jornais tinham em sua manchete de destaque os acontecimentos ruins, principalmente após o assassinato do jogador Almir Pernambuquinho, não só a Galeria Alaska sofria da má fama como os locais ao redor, muitos jornais anunciavam atrações (mesmo ela sendo escondidas) nos seus anúncios e também o entrevistado pode ter descoberto a existência da Galeria Alaska por meio de amigos, parceiros e etc.
- “Como e quando eram suas frequências na Galeria Alaska? Caso não frequentasse, quantas vezes você foi?”
A importância dessa pergunta se faz com o objetivo de estimular a construção da memória do entrevistado. A quantidade em si não seria considerada, mas sim a importância que ele dava ao local a partir da quantidade de frequências ou simplesmente a quantidade de vezes que foi até o local, desse modo é possível também perceber o conhecimento do entrevistado sobre a Galeria Alaska.
- Em qual localidade você morava? E como fazia para se dirigir até a Galeria Alaska?
O Rio de Janeiro sempre separou pessoas de classes médias, altas e baixas em seus locais de moradia, então a importância dessa pergunta é saber em que localidade o entrevistado morava para fazermos a análise de que não só moradores ao redor da Galeria Alaska frequentavam, mas sim moradores do Rio de Janeiro e até de cidades próximas também frequentavam a Galeria Alaska. Vale observar que como o entrevistado se dirigia até a Galeria Alaska mostra o quanto tempo ele poderia passar no local.
- Quais estabelecimentos você foi? Lembra onde eram localizados dentro da Galeria Alaska?
A Galeria Alaska tinha funcionamento tanto de dia quanto de noite, vimos em matérias de jornais e pesquisas que a Galeria Alaska tinha salões de cabeleireiros, cinemas, restaurantes, além do próprio condomínio que ali ficava e que dava passagem entre as avenidas Atlântica e Nossa Senhora de Copacabana, então os estabelecimentos foi uma importante questão para saber de algum estabelecimento não citados durante a pesquisa feito sobre o local.
- Quais atrações artísticas você viu no local?
As atrações da Galeria Alaska foi um movimento muito forte para o sucesso do local, os espetáculos nas casas de shows dentro do local como o International Set e o Les Girls no final da década de 1950 na boate Stop, além do espetáculo: A Noite dos Leopardos no Teatro Alaska como uma das principais atrações dos anos 1980 no Teatro Alaska, onde além do público também sempre atraiu famosos para os locais da Galeria Alaska.
A Galeria Alaska sempre foi uma das grandes memórias não só para a história da Galeria Alaska quanto para os frequentadores do local, além dos espetáculos de dança que começaram já no final dos anos 60, não podemos esquecer também dos shows de música que muitos cantores apresentavam no local.
- Qual o maior acontecimento que tenha acontecido no local que você presenciou que você possa contar?
Além da memória das atrações do local, essa pergunta de cunho mais pessoal foi feita para analisarmos também eventos fora das atrações artísticas que tinha no local, de modo que o entendimento do local poderá ser observado tanto nas atrações quanto ao redor, nos bares e até mesmo ao redor da Galeria Alaska.
- A Galeria Alaska nunca foi vista com bons olhos pela alta sociedade carioca e nem pela imprensa, mesmo assim não impedia as pessoas frequentarem o local, porque você acha que a Galeria Alaska era muito frequentada?
Essa é a pergunta chave de todo o questionário e também para a realização desse trabalho, conforme vimos a relação da imprensa com o local podemos também entender que o local não era muito bem visto para a sociedade do Rio de Janeiro porém o público da Galeria Alaska continuava frequentando mesmo com o comportamento da sociedade carioca, com isso a análise será feita com mais importância a partir dessa pergunta sem descartar as outras, mas o trabalho de pensamento sobre o local e a conclusão será realizada a partir dos estudos feito sobre essa pergunta, as perguntas anteriores serviram de um complemento para a pergunta final.
Conclusão
Pode-se entender, por meio dos depoimentos dos entrevistados, que a “cultura oculta” que existia na Galeria Alaska se constituía como um estigma que lhes era atribuído por suas “condutas discordantes” com as normas sociais. Deste modo, o “oculto” espelhava-se no estigma como “prevenção” e autodefesa. Na Galeria Alaska, a identidade oculta se libertaria dos estigmas lhes impingidos por uma sociedade moralista e pelo Estado autoritário. Na percepção dos próprios frequentadores, pessoas de diferentes lugares do Rio de Janeiro, de diferentes ocupações laborais e que usavam diferentes formas de acesso à Galeria Alaska, esta representava o lugar “onde podiam ser elas mesmas” e se divertirem com liberdade nos ambientes múltiplos da Galeria Alaska onde
“Muita gente a procura de gente
A galeria do amor é assim
Um lugar de emoções diferentes
Onde a gente que é gente
Se entende
Onde pode se amar livremente” (TIMÓTEO, 1975)
Constatar a importância deste lugar como local de encontros, de construção e afirmações pessoais de identidade é reconstruir uma memória coletiva “ocultada” pelos frequentadores era concomitante com o período da Ditadura Militar e de movimentos culturais alternativos que se caracterizavam como contraculturais. O contexto do “desbunde” da Tropicália.
Considerar como objeto de análise a Galeria Alaska como parte do Rio de Janeiro, assim como da vida noturna do bairro de Copacabana foi o objetivo deste trabalho que teve o intuito de preservar a memória da Galeria Alaska e entender que mesmo um local que era mal falado por muito e até mesmo pela imprensa, para os seus frequentadores era um local de liberdade para que eles poderiam ser quem quiserem e se relacionar com quem quiserem, assim também esse trabalho poderá servir de periódico para outros pesquisadores sobre a Galeria Alaska, a sua memória nunca será esquecida como espaço de uma contracultura comportamental, de uma contracorrente ao autoritarismo, de construção de identidades, exercício das artes e de estéticas marginalizadas.
BIBLIOGRAFIA
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YOUSSEF, Alê. Desbunde é o que nos resta. 24/02/2015. Conferir em: https://revistatrip.uol.com.br/trip/desbunde-e-o-que-nos-resta
Anexo
Entrevistas:
Entrevistada: Graça Casemiro, 56 anos de idade. Mora no Rio De Janeiro/ RJ;
- Como e quando você descobriu a Galeria Alaska?
R: Conheci a Galeria Alaska por volta do início da década de 1970, com meus colegas de trabalho na época trabalhava no Jornal O Pasquim .
- Como e quando eram as suas frequências à Galeria Alaska? Caso não frequentasse, quantas vezes você já foi?
R: Passei a frequentar as noites de quinta-feira no fechamento do jornal, para jantar no restaurante Ele Faro, na galeria Alaska na Avenida Atlântica. E íamos sempre na noite gay na boate O Sótão, nos finais de semana, principalmente aos domingos.
- Em qual localidade você morava? E como fazia para se dirigir até a Galeria Alaska?
R: Eu residia em Ipanema com meus e como disse ia com meus companheiros de trabalho de táxi.
- Quais estabelecimentos você foi? Lembra onde eram localizados dentro da Galeria Alaska?
R: A noite na boate Sótão, o Teatro Alaska eram o que eu mais frequentava. Tinha um boteco na N.Sra.de Copacabana muito bom também.
- Quais atrações artísticas você viu no local?
R: O show dos Leopardos era o máximo, aqueles homens musculosos dançando eroticamente começaram no teatro Alaska. Também vi os shows do Dzi Croquettes que era um musical com ótimos bailarinos.
- Qual o maior acontecimento que tenha acontecido no local que você presenciou que você possa contar?
R: Fiz bons amigos como Tião Macalé, Emílio Santiago, Elke Maravilha, eram frequentadores assíduos. Também teve a presença de Mick Jagger e David Bowie, eles deram um show pra nós.
- A Galeria Alaska nunca foi vista com bons olhos pela alta sociedade carioca e nem pela imprensa, mesmo assim não impedia as pessoas frequentarem o local, por que você acha que a Galeria Alaska era muito frequentada?
R: Por preconceito era mal vista, pois era muito frequentada por homossexuais! Travestis famosas e toda a sorte de gays. Havia liberdade.
Entrevistado: Fernando Carlos da Silva Ramos, 64 anos, morador de: Manaus/AM
- Como e quando você descobriu a Galeria Alaska?
R: Assim que me assumi como gay, isso em 1979.
- Como e quando eram as suas frequências à Galeria Alaska? Caso não frequentasse, quantas vezes você já foi?
R: Fui várias vezes ao longo dos anos 1980.
- Em qual localidade você morava? E como fazia para se dirigir até a Galeria Alaska?
R: Eu morava em São Gonçalo. Ia de ônibus, pegava a barca em Niterói e pegava novamente ônibus para Copacabana.
- Quais estabelecimentos você foi? Lembra onde eram localizados dentro da Galeria Alaska?
R: As boites: Sótão e Le Jardin. Fui ao Teatro Alaska, assim como os bares e restaurantes na sua entrada. Ia às boites e o teatro dentro da galeria.
- Quais atrações artísticas você viu no local?
R: Vi o espetáculo “A Noite dos Leopardos” na década de 1980, encontrava muitos artistas que eram gays.
- Qual o maior acontecimento que tenha acontecido no local que você presenciou que você possa contar?
R: Encontrar atores e músicos conhecidos aumentava a nossa autoestima.
- A Galeria Alaska nunca foi vista com bons olhos pela alta sociedade carioca e nem pela imprensa, mesmo assim não impedia de as pessoas frequentarem o local, porque você acha que a Galeria Alaska era muito frequentada?
R: Eram anos nada fáceis para a comunidade LGBTI, a Galeria era um lugar que podíamos frequentar sem sermos discriminados, viver em gueto era mais seguro, e também, claro, havia a possibilidade de encontrarmos parceiros sexuais. Lia o jornal Lampião da esquina, ele nos dava uma lista de lugares para frequentar sem sermos discriminados e lugares para encontrar parceiros.
Entrevistado: Geraldo Diniz, 60 anos de idade, morador de: Campos dos Goytacazes/ RJ
- Como e quando você descobriu a Galeria Alaska?
R: Em 1979, fui com um amigo que já frequentava.
- Como e quando eram as suas frequencia a Galeria Alaska? Caso não frequentava quantas vezes você já foi?
R: Depois da primeira vez, frequentei todas as quintas-feiras. Frequentei até o fim da galeria.
- Em qual localidade você morava? E como fazia para se dirigir até a Galeria Alaska?
R: Morava em Copacabana, na rua Constante Ramos, ia e voltava a pé.
- Quais estabelecimentos você foi? Lembra onde eram localizados dentro da Galeria Alaska?
R: Não, eu sempre chegava direto para a boate SÓTÃO. Até porque nos bares dentro da Galeria, havia um ” mercado de prostituição” e drogas.
- Quais atrações artísticas você assistiu no local?
R: Assisti A Noite dos Leopardos, no Teatro Alaska, dirigido por Eloína.
- Qual o maior acontecimento que tenha presenciado no local que você possa contar?
R: Um desfile promovido por Silvinho do Jambert, o michê[xxvii] mais bonito da Galeria.
- A Galeria Alaska nunca foi vista com bons olhos pela alta sociedade carioca e nem pela imprensa, mesmo assim se não impedia que as pessoas frequentassem o local. Porque você acha que a Galeria Alaska era muito frequentada?
R: O mistério, a prostituição e o melhor som do Rio na época, Boate Sótão, com o Melhor DJ da época, O DJ Amândio. Na Boate Sótão, passaram famosos como Mick Jagger, Freddie Mercury, Cat Stevens entre outros, para mim tudo era novo, um mundo que eu não conhecia. E era frequentada por um público que queria muito ser feliz, mas era muito elitizada. Mesmo pagando, se o porteiro sentisse que não era a sua praia, você não entrava mesmo.
Entrevistado: Marcio Pereira, 58 anos de idade, morador de: Campos dos Goytacazes/ RJ
- Como e quando você descobriu a Galeria Alaska?
R: Na década de 70, na era Disco, eu tinha amigos gays que moravam no Rio de Janeiro antes de morar em 1981. Depois que servi ao exército, então a Galeria Alaska já era muito conhecida. Era muito bom. O DJ Amândio já era muito conhecido, então chegava aqui em Campos dos Goytacazes essas informações sobre a Galeria Alaska e vez ou outra eu aparecia por lá, na década de 1970 ainda por volta de 1977.
- Como e quando eram as suas frequências na Galeria Alaska? Caso não frequentasse, quantas vezes você foi?
R: Nos 10 anos que eu morei no Rio de Janeiro, eu ia de 3 a 4 dias por semana. O Rio de Janeiro naquela época era um “fervo”.
- Em qual localidade você morava? E como fazia para se dirigir até a Galeria Alaska?
R: Na época que morava na Rua Duvivier em Copacabana mesmo, então a gente ia caminhando pelo calçadão ou pela Avenida Nossa Senhora de Copacabana até chegar na Galeria Alaska, eu lembro que vi Lauro Corona, conversei com o Cazuza, com o Emílio Santiago, a Galeria Alaska era boa demais e tinha a polícia, o 13º era na frente e de vez em quando eles iam lá mas como a ditadura estava se dissipando, eles só iam lá pra encher o saco mesmo.
- Quais estabelecimentos você foi? Lembra onde eram localizados dentro da Galeria Alaska?
R: Os bares eram nos extremos, na Avenida Nossa Senhora Copacabana tinham dois, eu me lembro da boate Sótão, do Teatro Alaska e amanhecia quando a gente via o sol nascer saindo da boate Sótão. Tinha também uma pizzaria na Avenida Atlântica também, mas a parte da Avenida Atlântica não era tão gay assim. Naquela época os apartamentos da Galeria Alaska não valiam nada, porque a Galeria Alaska era considerada um lugar sujo, promíscuo, antes disso era frequentada pela classe alta mas depois na Era Disco com o advento gay, com o HIV e essas coisas foi decaindo e agora tem igreja evangélica e tem tudo lá dentro.
- Quais atrações artísticas você assistiu no local?
R: As boates gays tinham atrações muito rápidas de Gogo Boys e tal, mas o Teatro Alaska tinha o show da Noite dos Leopardos, tinha show de bonecas, pornochanchadas, tinha os travestis, eram muito bonitos os shows as dublagens, eram bem profissionais como se fosse um show de vedetes, era muito bom no Teatro Alaska. Rogéria, Silvetty Montilla, Lola Batalhão, eram muitos nomes, difícil lembrar todos os nomes depois de tanto tempo, a Rogéria então usou muito o Teatro Alaska para se apresentar, eram um grupo de amigas que eram da Galeria Alaska, ali era um espaço para todo mundo, para o travesti, para a lésbica, para o gay, a Galeria Alaska era plural.
- Qual o maior acontecimento que tenha acontecido no local que você presenciou que você possa contar?
R: O show da Noite dos Leopardos na Boate Sótão foi um sucesso. E o fato de eu ter encontrado Freddie Mercury na Boate Sótão foi um grande acontecimento para mim, isso foi muito interessante. Mas o “fervo” mesmo foi a Noite dos Leopardos, que foi o “fervo” mesmo.
- A Galeria Alaska nunca foi vista com bons olhos pela alta sociedade carioca e nem pela imprensa, mesmo assim não impedia as pessoas de frequentarem o local, por que você acha que a Galeria Alaska era muito frequentada?
R: Existia gente da alta sociedade descolada que frequentava a Galeria Alaska, como iam bandidos. Cazuza chegava de Mercedes, mas não tinha dinheiro e pedia para o pai pagar. Tinha muita gente mesmo, o morro descia, vinha o cara de Ipanema… Era isso, era diferente, apesar de ser estranha, de ser meio escura…não seria festa, mas o Rio de Janeiro não era tão limpo assim, era um clima muito bom, foi bom demais ter passado por lá.
[i] Trecho do jornalista Alê Youssef publicado em 24 de fevereiro de 2015 para a Revista Trip, visto em: https://revistatrip.uol.com.br/trip/desbunde-e-o-que-nos-resta
[ii] BAKHTIN. Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: HUCITEC, 2010.
[iii] Trabalho apresentado no GP Comunicação e Culturas Urbanas do XV Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação, evento componente do XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, em 05 de setembro de 2015.
[iv] Hoje em dia o nome “Galeria Alaska” não existe mais, foi substituído por Galeria Atlântida, porém o condomínio Alaska permaneceu com o mesmo nome.
[v] Essa data segundo o livro: “Além do Carnaval: A homossexualidade masculina no Brasil do século XX” do autor: James N. Green
[vi] Trecho retirado do livro “Eu não sou cachorro não” (ARAÚJO, p. 140)
[vii] Trecho retirado do livro “Eu não sou cachorro, não” (ARAÚJO, p. 141)
[viii] As filmagens foram gravadas em 1979, porém o filme que se encontra no Tamanduá Tv aponta que o filme é de 1980.
[ix] Um pouco da história do espetáculo foi escrito pelo jornalista Paulo Sampaio em seu blog: https://paulosampaio.blogosfera.uol.com.br/2018/01/17/show-de-strippers-tinha-plateia-de-famosos-erecao-e-guilherme-de-padua/
[x] Jornal do Brasil, 16 jul. 1970, Caderno B
[xi] Texto publicado em seu blog: https://grisalhos.wordpress.com/2013/11/26/breve-historia-da-boate-sotao/
[xii] O livro tem como título “Fontes Históricas”
[xiii] Eu não sou cachorro, não (ARAÚJO, PAULO CESAR DE. p. 143)
[xiv] O Globo, 02 de setembro de 1958. Segunda seção. P. 15
[xv] Além do Carnaval (GREEN, James N. p. 408)
[xvi] Jornal O Globo, 10 de maio de 1966. Segunda seção. P. 3
[xvii] Almir Pernambuquinho foi um jogador de futebol que jogou em diversos clubes brasileiros, além de ter jogado pela seleção brasileira, o jogador tinha fama de “briguento” para muitos torcedores e até mesmo para a imprensa.
[xviii] Reportagem do site Medium feita pelo jornalista Gabriel Tussini (Março, 2019)
[xix] Jornal O Globo, 8 de fevereiro de 1973. Primeira seção. P. 18
[xx] Jornal O Globo, 2 de abril de 1973. Vespertino, Segunda seção. P. 5
[xxi] Entrevista dada ao programa: “Caminhos da Reportagem” da Tv Brasil em 2011 – https://www.youtube.com/watch?v=YExbxfXEMKA
[xxii] Jornal do Brasil, 13 de janeiro de 1973. Caderno B. P7
[xxiii] Jornal Correio da Manhã, 3 de janeiro de 1973. Jornal do Serviço. P. 9
[xxiv] Jornal do Brasil, 12 de julho de 1983. Caderno B. P. 5
[xxv] Contracultura e Cultura Negra (SILVA, p.15-19)
[xxvi] Essa foi uma das falas ditas pelo próprio Agnaldo Timóteo que consta no livro: Eu não sou cachorro, não. do historiador Paulo Cesar de Araújo.
[xxvii] O termo michê é usado para se referir ao homem, geralmente jovem, que se prostitui.