Assim foi que,
como seu pai antes dele e como o pai do seu pai,
o mago adentrou a câmara escura. Era comum, entre os membros da Ordem, que os filhos, pouco antes de tornarem-se pais, criticassem os postulados, dogmas e premissas de seus antecessores. O mago, então, apoio seu cajado milenar – herança de família – no canto do cômodo, pousou sobre a mesa o punhal, retirou da bolsa algumas moedas e uma taça, abriu o pergaminho e começou a tomar notas sobre a imagem projetada na parede.
Passado algum tempo,
entrou na câmara, deixando a porta entreaberta, outro mago, que, observando o primeiro, disse: _ Tolo! Olha e vê que, na imagem, tudo está posto de cabeça para baixo, que a cabeça, assim descrita, é, na verdade, os pés; que as pernas são, dessa forma, os braços e os braços, as pernas.
Dizendo isso, fez apoio na mesa, ergueu-se, prendeu, com o próprio cinto, a perna esquerda a uma das vigas e dependurou-se, a fim de reconhecer, na imagem, a visão real do mundo, a forma exata de cada coisa em seu lugar.
Pouco depois,
enfiou-se, pela greta da porta, uma borboleta e, atrás dela,
um louco e, atrás dele,
um cão.
O animal, com os dentes enterrados na bota do recém-chegado, puxava para trás as pernas que prosseguiam firmes. Fascinado pela dança liberta da borboleta, o louco não dava atenção. Até que, por ocasião do escuro, os olhos do louco se desencontraram da borboleta e ele se pôs a observar os magos, que mal notaram, a princípio, a sua presença.
Foi de um lado para o outro,
girou em torno do homem dependurado,
contornou o mago que, compulsivamente, tomava notas.
Arrastou a mão sobre a parede e viu uma parte da imagem projetada sobre a palma. Caminhou até o furo por onde a luz entrava. Fez, com os dedos, algumas figuras na imagem que se formava e, ao perceber que os magos reagiam com espanto aos vultos, soltou uma larga e estrondosa gargalhada.
Tendo se recuperado, tentou conversar com um dos presentes e disse:
_ Mago da cadeira, o que os seus olhos de mago veem?
E o mago da cadeira respondeu:
_ Que o mundo é parte da estrada, que o corpo é morada passageira, que a vida é estar a caminho.
O louco admirou-se, ponderou por alguns instantes e foi perguntar ao segundo mago:
_ Mago da viga, o que seus olhos de mago veem?
E o mago da viga respondeu:
_ Que o mundo é a estrada inteira, que o corpo é residente, que a vida é o caminho.
O louco parou, pasmado, coçou a cabeça e voltou a encarar a imagem. O cão puxava-lhe as calças, mordia-lhe, desesperadamente, os calcanhares, mas nada parecia fazer diferença. Aos poucos, sua fisionomia foi mudando, passou de estupefato para colérico e de colérico para iracundo, de iracundo para revolto e de revolto para melancólico e, por fim, olhando da parede para o furo e do furo de volta para a parede, deu um suspiro profundo e disse:
_ Minha sabedoria já há muito se acumula, igual a uma nuvem, ela se torna mais quieta e mais escura. Assim faz toda sabedoria que um dia deve parir um relâmpago.
Tomou nas mãos o cajado do primeiro mago, posicionou-se na frente do furo por onde entrava o feixe, voltou-se para o cão e berrou:
_ Não, não e não! Para estes homens de hoje não quero ser luz nem chamar-me luz! Eu quero cegá-los! Quero vazar seus olhos com o relâmpago da minha sabedoria!
E, dizendo isso, golpeou a parede até colocar toda câmara abaixo.
Sou a Marina Da Silva, gostei muito do seu artigo tem
muito conteúdo de valor parabéns nota 10 gostei muito.