dou
aos amigos de agora
nomes antigos
como fossem
os amigos de antes
agora
LES TROIS-FRÈRES
como se a rosa do seu jeito
não tivesse feito nenhum espinho
como se o trato – sozinho – não fosse
um lugar
como se o simples fato de crescer
– não fosse uma revolução
– não fosse uma rebelião particular e silente
que só a gente sabe. no fim
que desconhece
NAVALHA
1.
há um poço, mas a água é muito limpa,
a moça,
há o silêncio da moça atada ao poço,
o repouso da moça, o meu sossego,
o repouso da moça às vezes é o poço.
2.
o relâmpago, no seu lugar pôr um mar depois da cintilação,
deixar o trovão arrebentar em rumores de luz
3.
às vezes, há uma poça,
o moço,
há o remorso do moço às vezes,
os olhos do moço, aquela casa,
os olhos do moço como brasa
e um clarão
PEREZSER
1.
morre um homem agarrado a um cavalo
o animal corre pela campina e a crina
– tomada pelo fogo – arde
arrasta o clarão pelo gargalo da noite
2.
há um pássaro azul e uma jaula
sem canto sem grade
feita de couro e pena
3.
há um touro no prado e um homem agarrado
à mesma cena da noite anterior
4.
há um manto sobre o cavalo na campina
um lábaro sem cor e – por cima do brasão –
um lema
uma frase posta no interior da palavra
MACHADO
não fosse a casa um instrumento
um gomo de ferro atado a um bastão de madeira firme
um gomo de ferro a carregar o perfume depois do golpe
depois de talhar o sândalo
jamais atentaria para o rosto das árvores quando se aproximam do chão
como se colocassem a mão sobre o útero da terra
como se dissessem
regresso
FARIA
1.
se houvesse
um chão que
me guardasse
seguro
se houvesse um muro
uma muralha
2.
se houvesse
uma antemanhã
uma anteaurora
se houvesse um estio
que apagasse
a corrente
3.
se houvesse
um lugar
uma casa aberta
na parede da escuta
uma casa
um telhado de colmo
4.
se houvesse
uma explicação
um animal de grande porte
um corte profundo
na superfície
da pedra
5.
se houvesse
um homem sentado à porta
uma criança morta uma senhora
rezando baixo
fora de casa
a espera
6.
se houvesse
um mar que
me desse
firmeza
se houvesse a certeza
dos líquidos
TÍTULO
velejando estreito
num rio feito de míngua
vai lento zelando o casco
e o vento de não partir
vai lento e explica
que ao fim do nome
não há porto
o pingo some
e assim
as coisas principiam
a ilusão de eternizar
assim
o seu leme, mestre, segredava
contra os pés revoltos e antigos
do menino falante
o murmúrio distante dos mares
e das marés
WELL
1.
depois da floração
do gracejo
o corpo despenca e
no tombo
. entende
a subida era o ensaio seguro da morte
o murmúrio do fim num esboço obscuro
2.
depois
a chuva amainou o rigor da terra
serenando o gesto e a dureza
a crueza interna do chão
*
amo devagar
para que aprenda
de gesto a gesto
o segredo de algumas amizades
assim os meus amigos
assim a vertigem que me sobrevinha
– olha bem – que é dessa maneira, ama-se
até pouco não sabia e mesmo antes
quando os melhores dos melhores aqui
não sabia que assim as coisas
e as montanhas ao redor
– os ídolos de barro depois
e os adorava
dando com a marreta nos dentes
e apertando contra o chão o que sobrava:
pó sobre a terra, argila e só
*
do concreto das casas
extrairá o aspecto improvável da floração
o aspecto de flor
bruto e ainda quente
como um fruto a residir no coração inaudito da semente