Ensaios, crítica, crônicas e resenhas.

Poemas de antes

Para a nota da semana, poemas de antes, corpos costurados à imagem do menino morto.

1.
Título provisório nº 5

Grávido. Ele. Um filho. Gestava. Homem. Ela uma
vontade. Ventre. E um sorriso. E a coragem. Grave dos
que têm a madre seca. De dentro. Murcho. O filho. Por
não saber Amar. Sentir. Em grave dar-se e dar. Viver.
Ser. e Vir. Sonhar. Um filho Pai. Lugar. De um filho sai.
O mar. Amar. Um par. e Eu. Nós. E grave. Gravo. Um lar.
São dois. Querer. Depois. E Três e Quatro e Seis. Era
uma vez. Balé. Escola. Inglês e Bola e Coca e Cola e Ela.
Vizinha. Primeiro. Molhado. Nojo. Lábio. Talvez Maria
ou Fábio. Inês. Casa. Lento. Vida. Um pedido.
Casamento. Fez. Sangue. Será? . ! . Ela . Ele. Ávido.
Quase. Carro, Emprego. Marcela, Fernando, Diego. Ele.
Ela. Grávido.

2.
Átrio

O que dói às mães não é o parto,
mas que, uma vez partidas,
tenham que (re)partir.

3.
Sem título

Acordo todos os dias com a minha culpa.
Culpa de acordar e de dormir todos os dias de todas as noites
até que não haja dia ou noite para estar acordado,
dormindo ou culpado de acordar ou de dormir
todos os dias de todas as noites.

Culpa de sentir-me culpado
por culpar-me assim todos os dias
e ter de dormir, se estou acordado,
e ter de acordar, se ainda durmo,
mesmo sentindo-me culpado
por estar dormindo ou acordado
todos os dias de todas as noites.

Que bonito sonho seria não ter de acordar
para o horror cotidiano de não estar dormindo.

Que pensamento calmo este de não haver dia ou noite na realidade do mundo.

4.
poema de aniversário

a cada quarenta segundos
alguém
em algum lugar
por qualquer
que seja o motivo
manda tudo para o inferno
e puxa a tomada

e você começa a pensar
aos quarenta
que apagar as luzes
e desligar a TV
pode ser uma boa ideia

5.
COMUNHÃO

I

uma criança

uma criança deitada para lá do sino

um menino
ainda

um moço atado ao laço da mãe
ao poço da infância

uma criatura sem língua
risco na brancura imensa do chão

um vão
de sossego e calma

há um prego no pulso ainda
antes da palma

um prego avulso
uma criança

uma criança deitada para lá do cimo

II

há uma ideia trabalhada no passo
vinho quando fruta e pé
ainda

trabalhada no som da marcha
quando os toneis tremem de respirar
o peso do corpo

o peso
lacerando
na caminhada infinda

um gesto trabalhado no revés
independente da mão

independente do que cresce lá fora
ainda

do que não carece da morte ou da poda
que não carece do corte impiedoso
para nascer

III

naufraguei a mão na terra
firme
como quem busca
no fundo
um pássaro novo

a terra, pensei, há de subir
há de crescer ainda
dentro
a morte

até florescer inteira
até ser fruto
depois da queda

até fecundar o último aceno
a última hora

o último verso da comunhão

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Lucca Tartaglia é doutor em Letras Vernáculas, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, possui mestrado em Letras (Estudos Literários) pelo programa de pós-graduação da Universidade Federal de Viçosa (2014) e graduação em Letras (Língua Portuguesa / Literaturas de Língua Portuguesa) pela mesma instituição (2013). É colaborador, como pesquisador, no grupo Formação de Professores de Línguas e Literatura (FORPROLL), linha de pesquisa Estudos de cultura, linguagens e suas manifestações, vinculado ao CNPq.

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