INTELECTUAIS NEGRAS

Teresa Cristina Roza Pereira Monteiro, nascida em Campos dos Goytacazes, estado do Rio de Janeiro, Licenciada em Ciências Sociais (2017), Bacharel em Ciências Sociais (2019) e Administradora (2022) continuidade na quarta graduação em Licenciatura em História com andamento no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). E-mail: teresacristinamonteiro@gmail.com

INTELECTUAIS NEGRAS

INTRODUÇÃO

 

O presente artigo apresenta uma análise das mulheres negras enquanto intelectuais e como produtoras de Ciências, visando apontar presenças e ausências destas intelectuais na literatura nas Ciências Humanas e Sociais.

Apresento de forma sucinta as autoras negras e seus respectivos posicionamentos, no contexto histórico, até o avanço das políticas públicas que ajudaram muitas mulheres negras a trilhar o caminho nos dias atuais, às vezes injusto, revelando o racismo estrutural no contexto do direito.

O objetivo do artigo é promover uma reflexão acerca da falta de representatividade negra na literatura acadêmica. Problematizando a discussão de que existem autoras negras que produzem um trabalho relevante e potente, mas a literatura presente no meio acadêmico ainda é predominantemente branca.

De maneira ainda mais branda e por tempo imperceptível, essa forma de racismo tende a ser ainda mais perigosa por ser de difícil percepção. Trata-se de um conjunto de práticas, hábitos, situações e falas embutido em nossos costumes e que promove, direta ou indiretamente, a segregação ou o preconceito racial. Podemos tomar como exemplos duas situações:

O acesso de negros e indígenas a locais que foram, por muito tempo, espaços exclusivos da elite, como universidades. O número de negros que tinham acesso aos cursos superiores de Medicina no Brasil antes das leis de cotas era vastos, ao passo que a população negra estava relacionada, em sua maioria, à falta de acesso à escolaridade, à pobreza e à exclusão social.

Falas e hábitos pejorativos incorporados ao nosso cotidiano tendem a reforçar essa forma de racismo, visto que promovem a exclusão e o preconceito mesmo que indiretamente. Essa forma de racismo manifesta-se quando usamos expressões racistas, mesmo que por desconhecimento de sua origem, como a palavra “denegrir”. Também acontece quando fazemos piadas que associam negros a situações vexatórias, degradantes, criminosas ou quando desconfiamos da índole de alguém por sua cor de pele.

Outra forma de racismo estrutural muito praticado, mesmo sem intenção ofensiva, é a adoção de eufemismos para se referir a negros ou pretos, como as palavras “moreno” e “pessoa de cor”. Essa atitude evidência um desconforto das pessoas, em geral, ao utilizar as palavras “negro” ou “preto” pelo estigma social que a população negra recebeu ao longo dos anos.

Porém, ser negro ou preto não é motivo de vergonha, pelo contrário, deve ser encarado como motivo de orgulho, o que derruba a necessidade de se “suavizar” as denominações étnicas com eufemismos. Compreendo que ser mulher, e negra, é desafiador pois a todo momento são colocadas à prova por imposição de limites, regras e formas de ser, de viver e de fazer. Questões de gênero, raça, classe, igualmente, estão em evidência e a todo momento são lembradas de quem são e de onde vem.

O racismo fica explícito, mas, também, muitas vezes, implícito, de forma que às vezes são obrigadas a calar, mas, com o decorrer dos anos, a situação das mulheres negras foi mudando por surgirem movimentos feminista para despertar na sociedade para questões importantes, como lemos na reportagem publicada pela assessoria de imprensa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia por ocasião do Mês da Mulher em 2019, para qual foi entrevistada uma professora ligada aos estudos de relações étnica:

A situação da mulher negra na sociedade, especialmente na brasileira, é um reflexo direto da forma como as camadas sociais são construídas. No Brasil o racismo e a questão de gênero são os elementos que moldam  a pirâmide social. Assim, segundo especialistas, a mulher negra se encontra na base dessa pirâmide. “As implicações do racismo e do sexismo condenaram as mulheres negras a uma situação perversa e cruel de exclusão e marginalização social”, destaca a professora Marise de Santana, vinculada ao Departamento de Ciências Humanas e Letras (DCHL) e coordenadora de Pós-Graduação do Órgão de Educação e Relações Étnicas (Odeere) da Uesb. A docente explica que os estudos sobre o feminismo deram origem a algumas preocupações no âmbito das relações étnicas, para além das desigualdades de gêneros. “As mulheres passam a ser pensadas a partir de variáveis que indicam histórias de subalternização para se adequarem a uma sociedade ocidental branca, cristã e heterossexual, em espaços domésticos e profissionais”, comenta. Dentro de uma sociedade com valores e padrões historicamente hegemônicos, os desafios das mulheres negras são ainda maiores, pois, elas estão em situações mais vulneráveis. De acordo com Marise de Santana, as vulnerabilidades são de diversas ordens, como: uma maior possibilidade de ser vítima de homicídio em relação à mulher branca; um maior índice de analfabetismo entre as mulheres negras; e até um maior número de ocupação em postos de trabalho mais precarizados.(UESB, 2019, on-line). Desse modo, é de extrema importância porque a mesma procura evidenciar o trabalho e os conteúdos produzidos por mulheres negras, autoras, escritoras, dentre outras, que estão envolvidas em movimentos sociais e no movimento feminista, além daquelas que romperam com o padrão de precariedade em que a maior parte das mulheres negras está inserida, e expor o que se diz sobre suas experiências, pensamento, voz e ideias de sucesso.

No final do século XIX, a escravidão perde a legitimidade no Brasil e os negros são libertados sem nenhuma condição de trabalho, moradia, educação. Ao longo do tempo, organizaram-se em grupos de resistência e criaram movimentos para reclamar pelos direitos e por igualdade para que pudessem sobreviver e viver.

Ao longo do século XX, o movimento negro avançou na luta por uma vida mais digna e por reconhecimento de sua cidadania e vale destacar a importância da participação das mulheres negras nas demandas que surgiam ou se fortaleciam e que, em diversos casos, tanto envolviam todas as mulheres (vistas como cuidadoras do lar e ensinadas para os afazeres domésticos, principalmente as negras) quanto também apresentavam especificidades (relacionadas a questões históricas de raça e classe).

A partir do seu próprio lugar na sociedade, as mulheres negras também anseiam por trabalho digno, estudo, reconhecimento identitário, respeito e voz. No século XX, a lei das contas passou a garantir a inclusão das mulheres em diversos setores da vida pública, algumas dessas mudanças foram conquistas, outras, obviamente, estratégias políticas e de mercado e que nada tinham a ver com a superação de diversos tipos de preconceito.

Para as mulheres negras, foi um avanço importante nesse período, o acesso à escola é uma delas. (MONTEIRO, ALMEIDA, PESSANHA, 2019). Ainda que tardio, seja no exterior ou no Brasil, esse acesso possibilitou àquelas que conseguiram ascender uma relevância acadêmica e na esfera pública que fez toda a diferença para os movimentos feministas negros a partir da segunda metade do século XX.

As intelectuais negras que ganharam destaque nesse período deram visibilidade também à causa de tantas outras. Essa intensificação, contudo, ainda resulta em um número escasso de acadêmicas negras brasileiras que pesquisam e escrevem sobre a realidade de outras mulheres negras. Nos tempos antigos as mulheres em si não eram bem vistas fazendo o papel do que se dizia que era só para homens como por exemplo: política, administradores, indústria, engenharia, trabalho braçal etc. Na sociedade o pensamento de que mulher tem que ser do lar as negras sendo vista como escravas e servir os seus senhores.

A partir do século XVIII muda-se o modo de pensar das mulheres e com as políticas públicas, surgimento de projetos a inclusão de mulheres especialmente negras vem crescendo e vem se destacando algumas delas no decorrer dos anos ou séculos no mundo social.

A trajetória do feminismo negro e porque o feminismo branco não incluia as mulheres negras. Essa ideia surgiu de várias questões, a partir de uma leitura de Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil de Sueli Carneiro que dará para problematizar o assunto e dentro de outras autoras começando pela educação.

A trajetória das mulheres negras que fizeram história no feminismo negro começando pela educação onde foi a base para o crescimento profissional e pessoal pesquisado em sites e artigos para saber de que modo elas venceram preconceito, gênero, raça, dentre outras lutas.

As mulheres sempre foram vistas como cuidadoras do lar e ensinadas para os afazeres domésticos, principalmente negras, nem sonhar em trabalhar fora naquela época muito menos

estudar, porém no século XX teve uma pioneira que revirou de cabeça para baixo a sociedade brasileira que é machista, se chama Antonieta de Barros a parlamentar negra que criou o Dia do Professor.

Tudo começa no final do século XIX que a escravidão perde a legitimidade no Brasil e os negros são libertados sem nenhuma condição de trabalho, moradia, educação, como isso, criaram movimentos negros para reclamar pelos direitos de igualdade para sobreviver.

Os homens negros avançaram para uma revolução e as mulheres não ficaram de fora dessa briga. O texto e sobre as primeiras estrelas brasileiras que foram à luta pelos seus sonhos de estudar e trabalhar, fazendo diferença na sociedade que dominada por homens e muita discriminação.

As autoras que se destacam

Sueli Carneiro, Virgínia Bicudo, Lélia Gonzales, Carla Tikorene, Maria Beatriz Nascimento, Conceição Evaristo e dentre outras. Citar Sueli Carneiro – algo sobre a representatividade dela.

A sociedade discute o papel das mesmas exercida pelo indivíduo numa sociedade global, na qual as informações têm um papel fundamental e as mudanças são cotidianas e aceleradas. O feminismo negro expressa autorreflexivo da definição de nós mesmos. O processo de identificação parece incorporar as idéias de movimento, de flexibilidade, de multiplicidade e que são fundamentais na constituição identitária.

O feminismo negro está vencendo barreiras sociais, preconceitos no início do século XX onde são retomadas as discussões da participação de mulheres na política do Brasil alcançando o objetivo de ser mais do que uma mulher do lar e provedora. Tornando-se uma pessoa determinada, forte, sendo reconhecida pela família e sociedade.

O planejamento faz apontamento e envolvimento em estudos de trajetórias como: gênero, raça, preconceito, dificuldades, educação, política-social. A educação não tem essa valorização, e ainda tem a predominação do protagonismo branco, sendo em sua maioria elitizada e branca são poucos os negros que atuam e influenciam na luta das mulheres pelo feminismo negro.

Destacar a importância da mulher negra no Brasil contextualizando com mulheres brancas que também têm um importante papel na história, durante os séculos percebe-se que são poucas as negras que alcançaram um reconhecimento.

A criação das políticas públicas que possibilitaram a entrada de negros e negras em alguns setores educacionais que eram “dominados” por pessoas brancas, as mulheres negras encontraram espaço favorável para criarem grupos de discussão, estudo e pesquisa em alguns assuntos como: política, estudos geracionais, raça, preconceito, dentre outras, e se unirem por causas que lhes dizem respeito diretamente.

A fim de conhecer a realidade desse segmento da sociedade no caso em questão, o texto destaca autoras negras, brasileiras, cuja produção nos ajudam a pensar as representações da mulher negra hoje. São algumas delas: Sueli Carneiro e Djamila Ribeiro.

O termo Lugar de Fala foi popularizado pela filósofa brasileira Djamila Ribeiro, no seu livro “O que é lugar de fala?”, de 2017. Mas, como acontece com muitos conceitos, ele acabou sendo distorcido e ganhando significados diferentes do original.

O Lugar de Fala compreende o contexto no qual está inserida a pessoa que emite uma

fala/posicionamento, ou seja, de onde essa fala vem. Todos possuem um lugar de fala, seja você uma pessoa branca, negra, da comunidade LGBT+, com deficiência ou não. O que está em jogo é a garantia de que diferentes vozes tenham espaço para falar e serem ouvidas.

Esse conceito traz, na sua essência, a consciência do papel do indivíduo nas lutas, criando uma lucidez de quando você é o protagonista ou coadjuvante no cenário de discussão. Ele dá oportunidade para aquelas pessoas que vivenciam as opressões todos os dias, que têm na própria pele a experiência, possam passar essa informação a partir da suas vivências, e não necessariamente a partir de estudos, ou de uma leitura, ou de ponto de vista de qualquer outro profissional que estudou um caso.

O local de fala é rico porque ele não está dentro de um livro, ele está no que carrega todo dia, na violência que sofre. Respeitar o lugar de fala NÃO é silenciar as pessoas que não vivem tal realidade, mas sim dar mais espaço àquelas que vivem e, portanto, têm muito a contribuir aos debates.

Significa passar o microfone para as mães quando o assunto é maternidade no ambiente de trabalho, ou para pessoas negras quando o assunto é política de igualdade racial e para as pessoas com deficiência quando se discute iniciativas de acessibilidade. Escutar e tomar consciência desses diferentes papéis (sou protagonista ou coadjuvante nessa determinada questão?) é o caminho para a criação de organizações mais inclusivas e respeitosas.

É nesse sentido que uma das contribuições mais expressivas da carreira de Sueli está na fundação do Geledés – Instituto da Mulher Negra em 1988, momento em que as pautas feministas eram influenciadas pela visão das mulheres brancas, ignorando o contexto negro, como relatou em entrevista para o site Alma Preta (CARNEIRO, 2018, on-line).

O Geledés foi escolhido justamente para dar força e demarcar raízes: é uma sociedade secreta feminina de caráter religioso existente nas sociedades tradicionais iorubá que expressa o poder feminino sobre a fertilidade da terra, sendo uma forma de culto ao poder feminino. (CARNEIRO, 2018, on-line).

 

Carneiro fundou o Geledés por causa das injustiças sofridas pelas pessoas negras que são submetidas ao racismo. Os desafios das mulheres negras são ainda maiores, pois elas estão em situações mais vulneráveis. A autora reconhece a importância da nova geração de mulheres negras como uma continuação da luta e perpetuação dos ideais que contribuem para a garantia de direitos e igualdade.

Nós estamos aqui. A elite intelectual desse país, no começo do século 20, só tinha uma preocupação: quanto tempo levaria para a mancha negra ser extinta. Nós somos sobreviventes. “Vivemos e viveremos”, sentencia a filha de deusas africanas. Ao falar dessas mulheres que se posicionam na linha de largada, prontas para o seu lugar no mundo segurando seu bastão e continuar à maratona. (CARNEIRO, 2018, online, on-line)

 

“A maior visibilidade das questões raciais no Brasil, assim como o reconhecimento de si, da própria condição e seus potenciais e direitos por parte de sujeitos historicamente segregados em diversas instâncias, tem colaborado na legitimação de uma outra discussão importante quando se fala em justiça social: o acesso de negros e negras à educação” (MONTEIRO; ALMEIDA; PESSANHA, 2019, p. 85).

Por outro lado, essa maior visibilidade que as questões raciais tem ganhado na esfera pública, inclusive por conta de sua midiatização, seja em veículos de comunicação tradicionais ou alternativos, de nicho, tem colaborado também para pautar discussões sobre a complexidade dessas mesmas questões e pensarmos em suas diferentes camadas.

CONCLUSÃO

Só por causa da cor, não se classifica a pessoa pela cor, seja homem ou mulher. Tendo em vista essas questões, serão destacadas mulheres que fazem história na academia e também as anônimas.

Hoje,  as negras se destacam nas mídias, políticas, TV, e entres outras localidades tendo destaques iguais entre mulheres brancas não se distingue mulheres (pessoas) pela cor cada uma tem o seu potencial, sendo uma prepotência imposta pela lei do homem branco.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: Seminário Internacional sobre racismo, xenofobia e gênero, Durban. Anais. p. 1-6, 2011. 146.

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MAZZEI, Beatriz. Sueli Carneiro: filósofa, educadora e porta-voz de uma geração. Jul. 2018. Disponível em: <https://www.almapreta.com/editorias/o-quilombo/sueli-carneiro-filosofa-educadora-e-porta-voz-de-uma-geracao>.

MONTEIRO, Teresa C. R. P.; ALMEIDA, Gecielma Rangel da Costa; PESSANHA, Roberta da Silva. Parte III – Ensaios. A MULHER NEGRA NA UNIVERSIDADE E AS AÇÕES AFIRMATIVAS EM EDUCAÇÃO. Produção Textual na Universidade: Práticas Laboratoriais. Deolinda, Jacqueline da Silva. Org. EDUENF. 1º edição, 2019. Campos dos Goytacazes. pp. 83-9. pp. 71-85.

NATANSOHN, Graciela. Resenha: Mulheres, raça e classe de Angela Davis. 2017. Disponível em: <http://gigaufba.net/resenha-mulheres-raca-e-classe-de-angela-davis/>.

NERD, Preta. Antiescravagista. 2017. Disponível em: <http://www.pretaenerd.com.br/2017/09/pretaread-o-movimento-antiescravagista.html>.

Ribeiro, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento; 2017. (Feminismos plurais).

RIBEIRO, Djamila. O Feminismo Negro. Disponível:<http://www.afreaka.com.br/notas/o-feminismo-negro-brasil-um-papo-com-djamila-ribeiro/> Acesso em: 30 nov. 2019. Anexo em vídeo: <https://www.youtube.com/watch?v=0k1mh7N8Caw>.

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BUITONI, Dulcilia Schroeder. Revistas femininas: ainda somos as mesmas, como nossas mães. In: Revista Communicare – Dossiê Feminismo, v. 14, n. 1, 2014.

GOMES. Carla Reis. Origens do conceito de opinião pública: um diálogo com Hannah Arendt e Jurgen Habermas. Disponível em https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/CSO/article/view/3878.

IPEA. Brasil: Retrato das desigualdades de gênero e raça. [2003, on-line]. Disponível em

http://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/primeiraedicao.pdf.

 

ESTADOS UNIDOS E CHILE: A DEPOSIÇÃO DE SALVADOR ALLENDE E A INFLUÊNCIA ESTADUNIDENSE NA

IMPLANTAÇÃO DO REGIME DITATORIAL EM 1973

EDUARDA MONTEIRO

Eduarda Monteiro é uma acadêmica de Licenciatura em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Campus de Campos dos Goytacazes – Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional (ESR). O principal interesse de pesquisa da graduanda é voltado enfaticamente para História dos Estados Unidos, História das Relações Internacionais, História Econômica e História Política Contemporânea. Atua como bolsista no Programa Institucional de Residência Pedagógica (CAPES), na área de Educação, e opera como monitora voluntária na disciplina História do Brasil República (PUCG/UFF). Faz parte do corpo editorial da Revista Convergência Crítica sob a coordenação do editor-chefe Leonardo Soares dos Santos (COC/ESR/PUCG/UFF). Atualmente integra o Laboratório de Estudos das Direitas e do Autoritarismo (LEDA) e participa do Grupo de Estudos em Teoria Social (GETS). Possui  também qualificação para realizar leituras e transcrições paleográficas de manuscritos brasileiros e participa do projeto de extensão “As escrituras da Cabeça Política do Estado do Brasil: construção de um banco de dados dos Livros de Notas de Salvador da Bahia (1664- 1807)”, vinculado a UFRJ.

 

ESTADOS UNIDOS E CHILE: A DEPOSIÇÃO DE SALVADOR ALLENDE E A INFLUÊNCIA ESTADUNIDENSE NA IMPLANTAÇÃO DO REGIME DITATORIAL EM 1973

A figura pública de Salvador Allende, que participou da fundação do Partido Socialista do Chile no ano de 1933, obteve grande participação na política chilena desde muito cedo. Após sua longa trajetória de lutas por igualdade social, Allende assumiu democraticamente a presidência do país 1970, vinculado ao Partido Unidade Popular (UP) e baseando seu governo principalmente nas reformas de base de cunho socialista. O líder da nação sul-americana provocou grandes transformações no Chile no início da década de 1970, sendo o principal objetivo dessas a articulação de mecanismos que transferissem o poder econômico do país do capital monopolista estrangeiro e nacional para o Estado.

Para atingir seus objetivos, Salvador Allende tomou duas decisões essenciais para a implementação desse processo. O primeiro passo dado pelo presidente foi a nacionalização das minas de cobre (que antes eram de propriedade estadunidense) e recursos de minério em geral. Nesse sentido, é importante salientar que essa foi uma mudança extremamente conhecida e aceita entre a população chilena, fazendo com que, dessa maneira, sua popularidade aumentasse. A ação seguinte de Allende foi articular uma maioria no Congresso governamental do Chile para promover a estatização dos bancos privados. Todavia, como essa era uma realidade improvável que abalaria um dos pilares do setor privado do país, Allende precisou refazer suas estratégias contra o capital financeiro. Assim, através de articulações com a Corporación de Fomento de la Producción (CORFO), uma corporação criada para o auxílio da industrialização, o governo chileno passou a usar o mecanismo de compra e venda de ações dos bancos, promovendo assim, uma rápida e constante ascensão do controle diante dessas instituições. Nesse sentido, pode-se afirmar que as medidas funcionaram, pois “um ano após a posse de Allende, ele podia afirmar que seu governo controlava 90% do setor bancário do país” (WINN, 2004). Esse dado econômico nos mostra que o avanço dos movimentos da Unidade Popular e suas investidas para modificar os rumos econômicos do Chile avançavam com voracidade.

Apesar disso, não muito antes desses acontecimentos, o anúncio de uma reforma agrária havia sido feito no país. Com o principal intuito de romper o sistema latitudinal que predominava as posses da área rural do Chile, o processo de implantação dessa dimensão estrutural já se encontrava em estado avançado. Todavia, o presidente Allende planejava uma nova reforma com a utilização da lei de 1967, reformulando-a e passando a esta um caráter atrelado a um viés mais socialista.

O cenário do Chile havia melhorado consideravelmente no ano de 1971, no qual foram registrados uma política de crescimento econômico favorável ao partido UP, assim como uma menor taxa de desemprego. Além disso, a melhoria dos números chilenos também significou aumentar a renda salarial da população, o que foi fundamental para que os trabalhadores também se tornassem consumidores. Isso fez com que o país mantivesse seu mercado interno aquecido e ampliasse os níveis de produção e consumo que “produziram uma mudança importante na opinião pública” (WINN, 2004). Entretanto, existe um outro fator fundamental a ser citado, pois, embora o presidente obtivesse o apoio popular, enfrentava também uma grande pressão da oposição direitista, esta, que por sua vez, controlava o Parlamento chileno. Esses opositores acabaram por se unir, resultando numa queda dos investimentos no país, a inversão do cenário que favoreceu Allende e ocasionando uma intensa instabilidade política naquela sociedade.

A partir desse cenário de fragilidade no quadro político, Salvador Allende passou a enfrentar outras problemáticas em sua governabilidade. Sem a maioria no Congresso, a UP enfrentou grandes dificuldades dentro da aliança entre dois outros partidos chilenos: a Democracia Cristã e o Partido Nacional. Dessa forma, com o aumento das tensões da extrema direita, houveram tentativas para derrubar o governo do presidente eleito que contaram com o financiamento e aprovação dos Estados Unidos – devido principalmente a sua necessidade de expandir suas áreas de influência. Esses atos golpistas passaram a favorecer um ideal de legitimação e justificativa do golpe perante a fração das Forças Armadas que atuavam dentro do discurso anticomunista. Finalmente, em agosto de 1973, o chefe do poder executivo, Salvador Allende, foi deposto de seu cargo através de um golpe de Estado articulado pelas Forças Armadas chilenas. Após o golpe quem assumiu o poder total do país foi o general Augusto Pinochet, apoiado pelos norte-americanos.

Para além disso, é necessário atentar que entre as décadas de 1960 a 1980, diversas ditaduras civis-militares se consolidaram na América do Sul. Assim, ainda diante de um cenário bipolar de Guerra Fria, uma das políticas que auxiliaram a implantação desse sistema repressivo foi a constante reafirmação de um discurso anticomunista. Devido a este fato, foram toleradas violências, torturas, perseguições e matanças em prol de sustentar um patrulhamento ideológico sobre a população que se opunha à nova concepção da Ditadura. Países como Chile, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai foram lugares onde essa realidade se estabeleceu a partir da influência estadunidense perante o cenário de disputas ideológicas. Dessa maneira, foi desenvolvido uma política de Terror de Estado, que consistia em um mecanismo utilizado para implementar a Doutrina de Segurança Nacional, buscando “defender os interesses dos setores dominantes locais e do capital estrangeiro” (PADRÓS, 2005, pág. 43), exterminando assim, qualquer tipo de manifestação ou resistência popular.

Ademais, a destruição de qualquer tipo de organização revolucionária não podia ser tolerada, o que significava, em outras palavras, a despolitização dos cidadãos e de pluralismos políticos. Tendo em vista esse projeto de intervenção civil-militar, é interessante refletir sobre os representantes do Estado que foram responsáveis pela repressão. Foi concedido às Forças Armadas uma

 

“Legitimidade política para desempenharem o papel de ordenadores do sistema social, diante da falência das instituições da democracia representativa […], se apresentaram como garantia suprema da unidade nacional ameaçada pelos efeitos desagregadores do “perigo comunista” (PADRÓS, 2005, pág. 46).

 

Assim, a partir dessa percepção, a narrativa de proteção nacional contra um inimigo interno foi somente uma forma de esconder a verdadeira face antidemocrática desses governos. Por fim, é preciso reforçar que quando a democracia foi restabelecida nesses países, inúmeras documentações, que continham provas das violências contra as vítimas do regime, foram destruídas ou retiradas do acesso público. Isto sem contar a anistia que imunizou militares e agentes estatais contra seus crimes. Esses atos cometidos (ainda que seja importante considerar as singularidades de cada país) provocaram na população grandes revoltas, principalmente na parcela que lutou contra os aparelhos repressivos ditatoriais. Os relatos de desaparecimento definitivo de cidadãos latinos e testemunhas que sobreviveram às perseguições foram dois fatores essenciais para tornar esse assunto um objeto de pesquisa, principalmente para a criação das instituições de memória.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

PADRÓS, Enrique Serra. América Latina: Ditaduras, Segurança Nacional e Terror de Estado. Revista História & Luta de Classes, 2005 / pp. 43-49.

WINN, Peter. A Revolução Chilena. São Paulo: Editora Unesp, 2004.

 

 

Ensino de História – História do Japão, por que levar este estudo para sala de aula?

Lucas Lopes da Silva

Lucas Lopes da Silva.

Pedagogo formado pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR) em 2018, manteve seu foco de estudo inicialmente em: educação, sociedade, Bullying nas escolas e suas consequências nesse meio. Formação em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2021, deu início aos seus estudos sobre Ásia, mais especificamente, sobre o Japão em 2018. Participante como aluno ouvinte nos minicursos promovidos pelo NEJAP (Núcleo de Estudos Japoneses) realizado pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) desde 2020. Em atuação na área da educação no momento. Tem como objetivo e foco de pesquisa: História do Japão, samurais, sociedade, memória, imaginário e cultura. Pretende seguir para mestrado e doutorado em História do Japão.

 

Ensino de História – História do Japão, por que levar este estudo para sala de aula?

 Lucas Lopes da Silva

Introdução

Este artigo tem como objetivo desenvolver questões de ensino de história referentes à História japonesa, demonstrando algumas justificativas sobre a importância de ensinada no interior da sala de aula. Por que ampliar esse assunto? As questões apresentadas se referem aos debates culturais, implicitamente, relacionados ao consumo transversalizado por séries de TV, Cinema, divulgação dos Mangás, Histórias em Quadrinhos, tipicamente japonesas etc. Além destes elememtos que estimulam o imaginário social e cultural do Ocidente, a figura do samurai, projetada como herói e mártir das glórias ancestrais é apresentada de forma mistificá-la. Este artigo pretende expor possibilidades de debater a História japonesa factual e as suas representações !míticas” que chegam ao estudante brasileiro da Educação Básica. Além de tentar desmistificar determinadas questões que se formam ao redor da imagem deste “mundo desconhecido”.

Sabe-se bem que o estudo sobre o Japão cada vez mais tem se ampliado na historiografia mundial, tanto pela descoberta de novas fontes primárias como da própria releitura das fontes. Não é de hoje que a historiografia por muito tempo foi eurocêntrica, mas aos poucos estamos conseguindo vencer essa problemática. Outro ponto que enfrentamos atualmente principalmente quando estudamos Japão na historiografia brasileira acadêmica é que recaímos ao recorte quase sempre do processo de imigração até por ser a fonte mais abundante que possuímos em nosso território, além da barreira linguística. Lembrando que estudar imigração não é um problema, mas digo em ampliar outras questões em sala de aula. A maior parte das fontes para quem estuda outras áreas como samurais está em inglês ou na língua mãe. Geralmente sendo uma fonte traduzida ou retraduzida pode muitas vezes levar a uma perca material. Apesar de todos estes “poréns”, o objetivo deste artigo é mostrar do porquê estudar Japão em sala de aula e sua cultura com mais afinco, levantar questões sobre os paradigmas do imaginário da figura dos samurais e levantar questionamentos sobre o que essa cultura faz no cotidiano dos alunos. Ampliar os horizontes do estudo sem se tornar o recorte restrito e breve que possuímos que só nos diz algo sobre a o emergir dos tigres asiáticos ou mesmo as ações imperialistas do Japão, como se nada houvesse ocorrido antes de todas estas questões.

O Ensino de História e sua importância

A maior pergunta que temos para iniciar o assunto é como ensinar história? Ou até mesmo por que ensiná-la? Do mesmo modo, uma preocupação de nós professores de história é como levar o dito “conteúdo” de maneira adequada para nossos alunos. Com a leitura de Ribeiro podemos perceber algumas questões, por meio de suas explicações percebemos que muitas vezes o currículo nos prega a famosa peça da necessidade de cumpri-lo, o que muitas vezes leva a um recorte com foco somente no que seria “necessário” a disciplina. Nunca devemos esquecer que o estudo do passado é estar revivendo a gama de experiências dos seres humanos no tempo inseridas num conjunto de conhecimentos não se limitando somente aos grandes acontecimentos. É necessário estar em observação sobre os aspectos que a vida cotidiana possui e através do processo de reflexão, identificar as semelhanças e diferenças que se construíram ou se reformaram com o tempo. Isso se prova pela citação a seguir: “É preciso também refletir sobre os aspectos mais variados da vida cotidiana, que nos permitem identificar as semelhanças e diferenças, o que permanece e o que se transforma.1 ” Desta forma o professor sempre está em um cabo de guerra, onde em uma das pontas precisa se fazer uma análise dos conteúdos a serem levados aos alunos e sobre o olhar o qual se apresenta aquela versão histórica, enquanto na outra ponta deve se manter atento a como levar e desenvolver a reflexão crítica sobre o que está sendo estudado de modo que estes jovens passem pelo processo de construção do seu próprio saber. Outro ponto a se focar é como a história pode ampliar a questão do conceito de espaço e tempo muito além do presente o qual se vive. O processo de ensino aprendizagem então faz uma viagem espaço tempo, onde à reflexão crítica em relação à realidade social de cada indivíduo mostra-se um sistema de referência no ato desta construção de identidades e ao pertencimento de um grupo assim como a cidadania. Um ponto importante que não se pode esquecer nesta discussão é sobre o ato narrativo, a oralidade nos traz a grande importância da troca de experiências, ou muitas vezes a descrição de um acontecimento que se assemelha ao da atualidade, fazendo o abismo que seria o tempo na realidade se tornar uma conexão, esse processo narrativo leva à memória, sendo ela coletiva ou não trazendo consigo imagens do que seria aquele passado que muitas vezes pode não se mostrar tão distante como se parece.[i] Mas será que a história sempre pensou desta forma sobre seus agentes históricos? Na realidade não, a história antes positivista se preocupava somente com o passado e seu recorte. Através dos apontamentos de Costa podemos perceber que o passado era a fonte primordial de conhecimento, incontestável e sempre primorosa. Deste modo os agentes e movimentadores da história seriam os grandes heróis. Com a mudança nessa perspectiva, graças a Escola dos Annales e com Marc Bloch a história passou a ser vista não somente como representativo dos grandes heróis e fatores históricos e seus acontecimentos como único representativo da verdade. A história passou a realmente ser ciência onde não partiria mais de cima para baixo analisando assim somente o relato dos vitoriosos, mas do mesmo modo dos que foram derrotados. Por meio desta os alunos podem entender que de fato que não são só agentes como sujeitos históricos. A história então entendeu que todo indivíduo pode ser um agente histórico e produz história e acontecimentos, sendo assim o presente de hoje é o passado de amanhã que dará caminho a um novo futuro construindo história em seu trecho. Deste modo a história foi revivida, passando assim a estudar o passado para compreender o presente e todo seu processo de trajetória. Essa questão se prova pela citação a seguir: “A partir de então a história não parte mais de cima para baixo, ao contrário, analisa a situação sob vários aspectos tentando entender os derrotados, os erros que não foram pesquisados, o que era tido como fato histórico insignificante passa a ter sentido, porque através de uma abordagem mais ampla que estaria ligada a junção com outras ciências entre elas, a Psicologia, a Antropologia, a Sociologia, abrir-se-ia espaço para uma ciência globalizante, que veria os acontecimentos sob vários pontos de vista, onde “tudo é História”, sendo este o lema deste novo jeito de construir e entender História. 2 ” Nessa perspectiva há um norteador de todo esse processo de vínculo construtivo, o qual o aluno faz com a história ao entendê-la. E quem é esse Norte? Sim, somos nós professores. Deste modo é nosso dever criar essa situação de troca por meio do ensino, onde o aluno começa a entender o que está sendo estudado e sua relação com o que se vive. Por meio desta o aluno reconstrói seu pensamento sobre o que é história surgindo novas concepções sobre a mesma. A história assim nunca é passado, mas sim presente e um possível futuro. Isso se torna combustível para que o aluno entenda que a história é um processo no qual é construído por meio dela a problematização do cotidiano social, identificando assim as relações sociais, grupos, locais, nações tanto suas quanto de variáveis povos[ii]. Perceber as semelhanças e as diferenças existentes no interior de cada uma destas sociedades e observando as problemáticas atuais com essa relação, porém lembrando sempre o jovem que a visão de mundo de um período histórico é diferente da nossa perspectiva e deste modo deve estar atento ao anacronismo. Uma das grandes ferramentas para este processo em sala de aula é o cotidiano, pois é através dele que os alunos podem perceber como suas vidas estão ligadas e fazem parte da própria história. A História, Memória e suas perspectivas de mundo. Ao falar de história e sociedade não podemos esquecer-nos da memória. Mas o que a memória teria a ver com isso? Podemos responder tais perguntas com a leitura de Barros. Percebemos assim que a memória se apresenta como uma raiz no interior das sociedades. Deste modo a memória e história eram vistas de maneiras diferentes. Enquanto a história seria o fator crítico que problematiza, constrói e reconstrói em seu processo de análise. A memória por sua vez era observada como algo oscilante de múltiplas visões. Porém, isso mudaria com a década de 1970, a memória passa a ser vista com outro olhar com a da nova história. A memória então é observada como fonte histórica e fenômeno histórico. Por meio desta deveria se analisar a questão de seleção de memória e como estas variam de lugar para lugar ou de um olhar para outro. Assim a memória não deveria ser vista como um depósito de dados e de informações sejam elas coletivas ou individuais. A memória deve ser observada como uma produção simbólica que institui identidades e assegura a permanência dos grupos. Isso pode ser visto pela citação a seguir: “Entre elas, e de modo a superar a inadmissível avaliação da memória como um mero depósito de dados e de informações relativas à coletividade ou à vida individual, devemos pensar na Memória como instância criativa, como uma forma de produção simbólica, como dimensão fundamental que institui identidades e assegura a permanência dos grupos3 ” É por meio desta mudança que a história toma com outros olhos a memória, e passa a utilizar da memória coletiva e individual como fontes de produção de conhecimento histórico. A memória então como uma fonte de produção histórica passa a ser uma ferramenta para o entendimento de questões da sociedade tanto a memória coletiva como a individual nos mostram suas raízes na construção cultural como a produção de tradições e outros aspectos. A memória nesse aspecto como ser responsável tanto por restabelecer estruturas como renovar lembranças sempre do velho no novo e vise versa. Formando assim centros familiares onde a memória se organiza formando as genealogias, fotos, lembranças ou acervos para manter vivos os representativos da sua existência criando o conceito de identidade. Isso se prova pela citação a seguir: “Onde existe o humano, pode-se dizer que a Memória se estabelece, gerando os seus lugares. Desde as células familiares, que organizam sua memória através de recursos os mais diversos como as genealogias e os álbuns de fotografias, até as grandes Nações que erguem museus e arquivos para dar visibilidade à sua propriedade identidade, a Memória apresentada definitivamente muitos “lugares de memórias” [iii].

Quanto ao Japão, há um longo caminho a ser desbravado sobre seu imaginário, mesmo dentro de suas fronteiras. Desta forma, desenvolve-se o nosso diálogo e a possível pergunta: Por que estudar Japão com mais afinco? Como dito mais acima a história tem se desenvolvido cada vez mais, muitas áreas o qual se possuía pouco acervo histórico e fontes estão sendo descobertas e dando caminho a novas indagações, questionamentos e perguntas. Isso funciona da mesma forma com a história da Ásia em seu recorte. Como professores, nosso objetivo sempre é levar o melhor aos nossos alunos, sendo um incentivo maior quando é uma área pouco abordada ou para ampliar um conhecimento que aparenta ser vago. O bom e velho currículo por sua vez e os livros didáticos sempre formam seu recorte entre Era Meiji resumidamente, Imperialismo japonês, Japão como força na 2° Guerra mundial, Japão pós-guerra e o alavancar do desenvolvimento tecnológico japonês no Toyotismo que está inserido nos Tigres Asiáticos. Dá para perceber que em meio a estas questões parece que existe uma lacuna na história? Um vão no qual não existe nada anteriormente ou os motivos que ocasionaram a Restauração Meiji parecem não existir. Sabemos como já falado que a história tem uma tendência eurocêntrica e por isso é dever de nós professores e historiadores quebrar esse ponto. Por que não ampliar o estudo da Ásia? Qual motivo levou o Japão que havia se fechado há quase 200 anos simplesmente abrir-se comercialmente? O que levou a restauração? Qual o contexto social se passa nesta sociedade durante este período tanto em seu fechamento ao mundo e após sua abertura? Essas são algumas das questões que nós que estudamos Ásia no geral, nesse caso Japão queremos responder. Questões como: Pax Tokugawa[iv] e suas futuras convulsões, sociedade e suas classes, tratado de Kanagawa[v] , linhas prós e conta imperador, nacionalismo, identidade social, xenofobia e Rebelião de Satsuma são totalmente relegados. Até mesmo a figura do samurai só aparece como emblemática sem alguma contextualização. Outro ponto a se levar em conta é o próprio imaginário que se forma ao redor da imagem desse[vi];  o imaginário sobre o Japão e mesmo do samurai e sua caracterização.

É comum aceitar que o samurai se tornou uma figura imagética associada ao Japão. Não só fora da sociedade como mesmo em seu interior, o que induz a associação entre construções de identidades coletivas que percorrem os processos de implantação global do modelo Ocidental de   Estado-Nação. Por meio desta “adaptação” japonesa ao processo de modernização industrial/capitalista se estruturaria o conceito que justificaria a adequação de um “símbolo nacional”, como o samurai, àquela sociedade, do mesmo modo que forjando crenças, funções e ações sociais daquele “ator” político-econômico-social, representado pelo samurai, no contexto do exercício de sua função, a de samurai, como tal, em seu meio, o que é chamado de ordem social. Isso pode ser demonstrado pela citação a seguir: “Nesse interior se formula a contextualização da produção da “identidade” de diversas sociedades e que estas se dão por meio de comportamentos de lógica em grupo. Sendo assim o imaginário surge como justificador desta identidade coletiva. O imaginário constrói o “eu” no interior de uma sociedade e isto ocasiona na constituição de crenças, funções e ações sociais para cada indivíduo em seu meio, o que pode ser chamado de ordem social” Esse mesmo imaginário é aquele que cria figuras mitificadas em relação ao herói que nesse caso é nosso samurai. Nesse quesito, o samurai é mitificado sempre como um homem de extrema honradez, grande perícia e habilidades sobre humanas sendo capaz de derrubar dez ou mais homens com apenas um golpe. Um ser de grande devoção ao seu senhor, que retira a vida em flagelo pela falta com seu dever através do seppuku[vii] Essa caracterização da figura do samurai vem do período Edo, remetendo entre os séculos XVII ao XIX. Esse boom na caracterização da imagem do samurai acaba ocorrendo devido ao surgimento de obras como as de Inazo Nitobe[viii], fora outras variadas levando a popularização do código samurai com seus conceitos filosóficos, culturais e folclóricos. Surge então uma grande procura pelo código até os dias atuais. Porém é função de nós historiadores quebrar essa visão mistificada deste ser, o próprio código samurai ainda é muito discutido, muitos estudiosos entraram num consenso que sua ação é variável de acordo com os séculos. Entre os XIII, XIV e XV alguns estudiosos acreditam que os samurais teriam seguido o caminho do arco e não da espada. Mas se observarmos os representativos dos samurais nas mídias sempre acabam saindo no contexto[ix] . Até as obras mais belas como as de Akira Kurosawa retratam tais indivíduos desta forma. Essas raízes florescem até os dias atuais e ganham cada vez mais força. Se observamos com cuidado no interior do ego nacional, esse imaginário ainda vive no interior japonês, desde a segunda guerra com a evocação dos samurais através dos kamikazes como atualmente convenções, escolas de kendô ou até mesmo várias figuras se apresentando como “samurais modernos”. Essa observação se mostra na citação a seguir: “Por fim, o que é de maior necessidade aqui é entendermos de fato que o imaginário é um meio o qual possibilita a constituição do meio social e política e que utilizou da supervalorização da figura desta classe guerreira para ampliar o ego da imagem e de sua sociedade o que por fim não torna tais homens como seres fora do comum e sim que os qualifica como diferentes são suas ações como agentes históricos em plena sua sociedade[x]Estudando o Japão e ampliando os horizontes. Mas o que isso tem a ver com o ensino de história e porque o ensinar? Como dito acima a história tem se ampliado cada vez mais. E se pensarmos bem o Brasil tem o prazer de ser o país considerado o berço multicultural do mundo. O que quero dizer é que o Brasil é um país formado por: Portugueses, africanos, indígenas, japoneses, alemães, italianos e árabes, porém nessa perspectiva a visão em foco acaba recaindo sobre os povos de centro de constituição primária da nação[xi], sendo os outros que os ajudaram na estrutura posteriormente recaem no esquecimento. Unindo essa questão com as de quebra do paradigma do eurocentrismo. Há sim necessidade não só de se rever e ampliar o estudo sobre a Ásia em nossas escolas como das outras nações que formam e constituem a nossa, e não o deixar somente a breves questões. O estudo acadêmico tem progredido, então por que não os levar à escola? Se pensarmos na perspectiva, será que muitos dos descendentes de japoneses vivem em nosso país sabem de fato sobre sua cultura? Tem seu interesse sobre o assunto? Como se mantém viva essa questão cultural? Essas são perguntas que como professor penso toda vez que amplio o conhecimento sobre Ásia. Sabemos que graças à embaixada e as associações a cultura japonesa em nosso interior se mantém viva. Porém, ampliar todo o recorte de estudo é mais que necessário em sala de aula, como relatei acima se o acervo sobre imigração é vasto porque anão o ampliar em sala de aula de maneira correta? Levando em consideração a imigração não só como um trecho, sobre as questões de origem, identidade e cultura que existem em seu interior e que nos engloba. Geralmente imigração é tratada como um catálogo relatando que há imigração no país, de um grupo de indivíduos, mas resumidamente abordada. Questões como as de “raça branca forte” proposta pela elite brasileira xenofóbica, a própria questão da xenofobia sofrida pelos imigrantes japoneses, o perigo amarelo, leis de restrição, proibição no processo de imigração, frentes eugenistas anti Japão, desenvolvimento das colônias. Isso se prova pela citação a seguir: “O discurso dos parlamentares abordava basicamente os riscos políticos e raciais, representados pela imigração japonesa. Miguel Couto, como médico eugenista, declara tanto em suas obras como nas tribunas do Palácio Tiradentes, que a introdução de japoneses fazia parte de um plano expansionista, que destruiria a nação brasileira. Apresentou a emenda n. 21-E, que proibia a imigração negra e restringia a entrada de japoneses no país a uma cota de 5% sobre a totalidade de indivíduos desta origem já instalados no Brasil.[xii]

Conclusão.

Assim, há lacunas já citadas acima dos fatores históricos o qual não se preocupam em responder sobre o Japão em sala de aula. E é nosso dever como historiadores superá-las. O mundo e a historiografia precisam entender que a história não é só feita de Europa. Mesmo que os estudos estejam se tornando cada vez mais estruturados e fortes abrindo caminho a cada dia, ainda há muito a se percorrer. E como professores também precisamos rever isso. 12. Existe muito na Ásia a se desbravar num todo. Levar aos jovens a entender o eu de formação cultural do Japão e realizar a desconstrução do imaginário social sobre o samurai. Chamar sua atenção ao que de fato era essa classe guerreira no seu contexto social e sua importância para o Japão como outras questões a serem respondidas. O professor é aquele que faz o ato de construir e reconstruir levando ao pensamento crítico. Esse é o melhor presente que podemos dar à futura geração. Conhecimento não como uma massa unida e compacta de informações a serem inseridas na mente dos alunos como se abrisse uma caixinha e depositasse, mas sim a reflexão que norteia aquilo que é estudado. Japão não pode ser definido somente como animações, jogos, doramas[xiii] entre os demais pontos que são apresentados constantemente pelas representações midiáticas. O Japão é um acervo cultural muito maior e vasto do que se imagina. Todas estas questões por vezes caem mais uma vez abaixo do tapete. Muitas pelo currículo, outras pelo desgaste emocional do trabalho tão belo da educação no ato de ensinar, porém desvalorizada e desgastada. No qual o dia a dia exaustivo do trabalho acaba levando o profissional da educação a mesmice. Sendo assim a história ainda tem um longo caminho com a Ásia a ampliar, mas creio que logo e com muito esforço nós futuros historiadores conseguiremos vencer essa batalha tão árdua. No fim a história é a força motriz para mudar o mundo, basta a nós professores ter a força para levá-la aos mais jovens.

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[i] 1 RIBEIRO, JONATAS ROQUE. História e ensino de História: perspectivas e abordagens. Educação em Foco (Amparo) , v. 20, p. 3, 2013. 3.

[ii] COSTA, A. S. A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE HISTÓRIA NAS ESCOLAS E SUAS IMPLICAÇÕES NA VIDA SOCIAL. Revista Anagrama (USP), v. 05, p.2, 2011. 4

[iii] Conferir: NORA, Pierre. Les lieux de mémoire. I La Rébublique, Paris: Gallimard, 1984, pp. XVIII –XLII. No Brasil publicado como: Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In Projeto História: revista do Programa de estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP, no. 10. São Paulo: PUC, 1993, pp. 7-28.

[iv] Define-se Pax Tokugawa devido a paz que prevaleceu durante o Xogunato Tokugawa (1600- 1868), deve-se lembrar que no período (1853-1868) o Japão se encontrava num estado de convulsões sociais e militares.

[v] Tratado que abriria os portos Japoneses para o comércio com os EUA.

[vi] Rebelião ocorrida de janeiro a setembro de 1877. Essa ação foi causada pelo clã de Satsuma, mostrando seu descontentamento com governo Meiji, sendo liderada por Saigo Takamori. Também conhecido como última rebelião contra o governo e ato dos samurais no Japão.

[vii] Estudos complexos sobre a arte da espada e treinamento do seu corpo e mente, são as características mais atribuídas aos samurais. As fontes midiáticas são as que mais se aproveitam da construção desse imaginário. Então isso amplia a visão folclórica ao redor daquele ser. Porém a construção da mentalidade vem de um período não muito longínquo.

[viii] Escritor da obra Bushido: The soul of Japan (1900), entre outras.

[ix] ESPIG citado por SILVA, Lucas Lopes. UM NOVO MUNDO: OS SAMURAIS EM DECADÊNCIA E A PERSISTÊNCIA DO SEU CÓDIGO INFLUENCIANDO OS ÍNDICES DE SUICÍDIO NO JAPÃO ATÉ OS DIAS ATUAIS., p.22, 2021.

[x] Tom Colan. Scroll of the Mongol invasions of Japan. 1274-1281. Rolo. Disponível em:  http://digital.princeton.edu/mongol-invasions/index.php?a=scrolls. Acessado em: 07/04/2023.

[xi] SILVA, Lucas Lopes. UM NOVO MUNDO: OS SAMURAIS EM DECADÊNCIA E A PERSISTÊNCIA DO SEU CÓDIGO INFLUENCIANDO OS ÍNDICES DE SUICÍDIO NO JAPÃO ATÉ OS DIAS ATUAIS, 2021, p. 52.

[xii] CARNEIRO, Maria Luiza Tucci; TAKEUCHI, Marcia Yumi. Imigrantes Japoneses no Brasil – Trajetória, Imaginário e Memória. Edusp- São Paulo, 2010.p. 52.

[xiii] Site de entretenimento asiático que divulga séries e filmes dramáticos produzidos por países asiáticos, como Coréia do Sul, Japão e China.

Maquiavel: nova concepção política, analisando os tipos de principado e como manter sua governabilidade

 

                                                                                                    Arthur Pereira Chagas 

Arthur Pereira Chagas, graduando em História pela Universidade Federal Fluminense, possui estudos voltados para o Brasil República, com foco maior no Golpe de 1964 e a Ditadura Empresarial Militar.

 

Maquiavel: nova concepção política, analisando os tipos de principado e como manter sua governabilidade

Resumo: O presente artigo busca fazer uma análise dos três primeiros capítulos da clássica interpretação de Maquiavel sobre o Estado, os tipos de principado e como haveria possibilidade de governabilidade em torno da própria natureza humana e das ações do príncipe que para conseguir se manter no poder durante um bom tempo deveria possuir duas características básicas segundo o autor, a virtú e a fortuna. 

Palavras-chave: Maquiavel; principados; governabilidade; virtú; fortuna. 

Antes de começar a breve análise aqui proposta sobre “O Príncipe” de Maquiavel é interessante pensar nas condições que foi escrito, faz-se necessário uma breve contextualização do período histórico em que Maquiavel constrói sua obra mais famosa e que aqui será analisada  fora escrita no século XVI, num momento em que se via o republicanismo em algumas cidades da Itália. Aqui não existe nenhuma pretensão em encerrar as discussões sobre esse importante pensador, até por que para tal seria necessário várias coletâneas de livros e mesmo assim poderia ficar incompleto, no caso se trata de uma primeira leitura, uma forma de começar a ter contato com um clássico do pensamento político.  Segundo Maria Tereza Sadek (2011)Seu uso extrapola o mundo da política e habita sem nenhuma cerimônia o universo das relações privadas.”                                                      

   Nicolau Maquiavel, durantes vários anos de sua vida, exerceu a profissão de funcionário público e por esta razão possuía contato próximo com vários governantes ou como o próprio chamava “príncipes”, um desses fora o famoso César Bórgia, filho do então papa Alexandre VI, este possui extrema relevância para Maquiavel, tanto que o inspirou a escrever esta obra que posteriormente se torna primordial para todos pesquisadores da ciência política.  

“Desejando eu, portanto, oferecer-me a Vossa Magnificência com um testemunho qualquer da minha submissão, não encontrei entre os meus cabedais coisa mim mais cara ou que tanto estime, quanto o conhecimento das ações dos grandes homens apreendido através de uma longa experiência das coisas modernas e uma continua lição das antigas as quais tendo, com grande diligência, longamente perscrutado e examinado e, agora, reduzido a um pequeno volume, envio a vossa Magnificência.” (MAQUIAVEL, 1515, p. 7-8)

Através desse trecho que estava na dedicatória, é possível perceber que para ele a utilização da história como mestra é base para que um Príncipe seja bem sucedido, logo não existiria presente melhor para este filho da família Médici, o autor escreve “O Príncipe” com destinatário a Lourenço II, no ano de 1505, Florença já estava sendo controlada pela família Médici, mesmo em condição de exílio político escreve esta brilhante espécie de manual de instruções políticas, para que o príncipe soubesse como ele chegaria ao poder e de que maneira conseguiria lá se manter durante determinado tempo, inclusive poderia fazer uso até da força de armas se o caso fosse, acreditava também na história como mestra de vida,sobre isso Maria Tereza Sadek (2011) ” A história é cíclica, repete-se indefinidamente, já que não há meios absolutos para “domesticar” a natureza humana.” Para o bom príncipe se destacar e dentro do possível conseguir sucesso em governabilidade ele precisaria olhar o passado e não repetir os erros já cometidos pelos príncipes ruins, em contramão, seguir o exemplo dos grandes príncipes, como se estabelece no poder e como lá se manteve. A análise aqui proposta pretende listar e exemplificar quais são os tipos de principados presentes na obra de Maquiavel, sobre isto o cientista político Luís Falcão diz: 

“No correr do texto, Maquiavel distingue os principados em dois grandes grupos: hereditários (ereditari) e novos (nuovi). O modo de se chegar ao governo emerge como um critério de classificação e, nesse ponto, o secretário florentino apresenta uma peculiaridade diante da tradição aristotélica.” (FALCÃO, 2013, p.53)

Partindo dessa observação e do próprio Príncipe, as duas primeiras formas de principado, primeiro o hereditário, o príncipe seria alçado ao poder por questão de sangue e linha sucessória do trono, o segundo seria o novo, poderia se chegar ao poder pelo meio da força e assim lá se estabelecer, porém na concepção de Maquiavel estes seriam mais complexos e por isso o príncipe deveria tomar cuidado e conseguir o respeito de seus súditos, se preciso fosse poderia recorrer à força. Segundo Luís Falcão (2013) “Essas duas maneiras iniciais de se obter o governo, pela hereditariedade ou pela conquista, se fazem pelo sangue, baseado na tradição, ou pelo assalto ao poder.” Logo no inicio do capitulo I Maquiavel diz que:

“Todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados, os principados são: ou hereditários, quando o sangue senhoril é nobre há já longo tempo, ou novos” (MAQUIAVEL, 1515, p. 10)

No capítulo II “Dos principados hereditários”, Maquiavel discorre sobre os principados hereditários, aqueles que seriam passados justamente por questões familiares de sucessão. Luís Falcão:

“A identificação de como se governa se verifica mais por uma alternativa posta ao príncipe do que propriamente uma definição da forma de governo, esta continua sendo pelo modo de obtenção de um principado, pelo sangue ou herança.” (FALCÃO, 2013, P.55)

Partindo dessa argumentação é possível chegar  a conclusão que os principados hereditários por já existir uma ordem vigente, relações sociais e acordos entre os súditos e seu príncipe seria muito mais simples de se governar, como por exemplo um principado que foste de fato novo por completo. Já no início do capítulo III, Maquiavel após explicar sobre os principados novos e hereditários, dedica este capítulo a um terceiro modelo de principado: o misto.

Em primeiro lugar, se não é totalmente novo mas sim como um membro anexado a um Estado hereditário (que, em seu conjunto, pode se chamar de quase misto) (…)” (MAQUIAVEL, 1515, P. 13)

Ainda sobre os principados mistos, Luís Falcão (2013) acredita que “Assim, o principado misto deve ser entendido como uma categoria à altura dos hereditários e novos, e não como uma especificidade de um principado novo ou hereditário.” Possuindo tal argumentação como pressuposto chega-se à conclusão que o principado misto não uma parte ou condição de um principado novo ou hereditário, mas sim acaba se tornando uma terceira forma de principado, este pode ser fruto de batalhas que seriam anexados pós perca governamental de determinado príncipe para outro.

O Príncipe se trata de uma obra que quebra paradigmas questões tanto sociais quanto políticas, segundo Maria Tereza Sadek “Maquiavel rejeita a tradição idealista de Platão, Aristóteles e Santo Tomás de Aquino e segue a trilha inaugurada pelos historiadores antigos, como Tácito, Políbio, Tucídides e Tito Lívio.” Contrapondo com os antigos  que estavam preocupados com um governante benevolente, moralmente bom e que governaria partindo de sua moralidade, ainda segundo esta vertente que acredita na honestidade e que o príncipe de sucesso teria um conjunto quatro virtudes: justiça, coragem, temperança e sabedoria. A bondade e virtude intrínsecas na política, acreditava no “dever ser” ou seja numa cidade ideal e harmônica que era pensada dando grande ênfase na questão do “bem comum”. No entanto, na visão de Maquiavel o governante não precisaria ser este santo moralmente falando, segundo Maria Tereza Sadek “Esta é sua regra metodológica: ver e examinar a realidade tal como ela é e não como se gostaria que ela fosse. A substituição do reino do dever ser, que marcará a filosofia anterior, pelo reino do ser, da realidade (..)” e por isso para entender este pensador se faz necessário compreender os conceitos de “Virtú e Fortuna”, a primeira se trata da forma com que o príncipe irá se manter no poder, enquanto a segunda era vista como uma deusa, oportunidades ou herança, o príncipe precisaria dessas duas características para alcançar o sucesso dos grandes homens. Trecho que chama atenção sobre a “fortuna” deve ser contextualizado para a concepção do período que foi escrito para não cair em uma crítica anacrônica:

“Considero que seja melhor impetuoso do que dotado de cautela, porque a fortuna é mulher e consequentemente se torna necessário, querendo dominá-lá; e bater-lhe e contraiá-lá; e ela mais se deixa vencer por estes do que por aqueles friamente.” (MAQUIAVEL,1515, p.150)                             

Apesar de hoje isto  ser uma frase condenável naquele, período é possível reparar que prática de violência contra a mulher lamentavelmente eram recorrentes e ainda mais naturalizadas tendo em vista a fala de um importante intelectual como fora Maquiavel, mas a questão central é que ele queria demonstrar que o príncipe deveria trabalhar com mão de ferro, não dando brecha para que a Fortuna escape ou fuja de seus interesses para assim manter a governabilidade intacta. Maria Tereza Sadek (2011) “A Fortuna não tem mais como símbolo a cornucópia, mas a roda do tempo, que gira indefinidamente sem que se possa descobrir o seu movimento.”                                            

Maquiavel aparece contrapondo criticando justamente esse idealismo do que a cidade deveria ser, para este pensador o que deveria ser feito era tratar do real, da cidade que existe de fato, a chamada verdade efetiva, Maria Tereza Sadek (2011) “A crença na predestinação dominava há longo tempo. Este era um dogma que Maquiavel teria que enfrentar, por mais fortes que fossem os rancores que atraísse contra si.” Não acreditava no “bem comum” para ele o que ocorria ela uma simples disputa de poder, não se importava com a moral e a bondade do príncipe, para ele se tratava de uma irrealidade sem tamanho acreditar que um príncipe possuiria esse conjunto de virtudes, seria uma questão muito mais teórica do que prática, por essa razão observa o real para dar concretude a sua argumentação recorre a fatos históricos, essencial seria como conseguiria manter república com certa estabilidade, apegando se a questões reais  fugindo de subjeções, mostra que os homens são seres egoístas e que através do medo respeitam a lei, discorre sobre “Fortuna e Virtú” que para ele são características que um bom príncipe precisa possuir para poder chegar ao poder e lá se estabelecer, após listar os tipos de principado agora o objetivo mostrar como o príncipe se manteria no poder. Sobre a “Virtú” Maria Tereza Sadek escreve:

“O governante não é, pois, simplesmente o mais forte — já que este tem condições de conquistar mas não de se manter no poder —, mas sobretudo o que demonstra possuir virtù, sendo assim capaz de manter o domínio adquirido e se não o amor, pelo menos o respeito dos governados.” (SADEK, 2011, P. 20)

Uma das maneiras que o autor lista de manter a “Virtú” é através do respeito ou até medo com relação às armas. Na concepção de  Luís Falcão (2013) “contudo, vale destacar, o comando das tropas é um elemento que está submetido à virtù do comandante.” Mesmo possuindo a força de armas e exército bem preparado seria necessário o príncipe possuir Virtú para que desta maneira conseguisse êxito em manter a governabilidade.

“O príncipe que tiver mais temor do seu povo do que dos estrangeiros, deve construir as fortalezas; mas aquele que sentir mais medo dos estrangeiros que de seu povo, deve abandoná-las. O castelo de Milão, edificado por Francisco Sforza, fez e fará mais guerra á casa dos Sforza do que qualquer outra desordem naquele Estado. Por isso, a melhor fortaleza que possa existir é não ser odiado pelo povo (…)” (MAQUIAVEL, 1515, p. 127-128)   

Maquiavel esclarece neste ponto que o príncipe teria que ser respeitado pelo seu povo, aqui as armas fariam papel importante pois serviriam tanto na esfera punitiva, na qual por coação conseguiria respeito do seu povo, ou como recém chegado em hipótese alguma poderia retirar as armas do povo pois poderia gerar uma futura rebelião que talvez resultaria em sua morte, em caso de não possuírem armas cabe ao príncipe doar, para que desta forma mantenham fidelidade ao soberano.   

“(…) vê-se que, quando os príncipes pensam mais nas delicadezas do que nas armas, perdem seu Estado. A primeira causa que te faz perder o governo é negligenciar dessa arte, enquanto que a razão que te permite conquistá-lo é o ser professor da mesma.” (MAQUIAVEL, 1515, p. 86)

Seguindo a mesma linha, o autor, contextualizando, inverte outra concepção que era existente nos espelhos de príncipe anteriores, tendo em vista o conceito de conflito, na Idade Média ele não fazia parte da sociedade, já em pleno feudalismo as relações de vassalagem e dos chamados grandes no poder era vista como algo natural,  o surgimento do republicanismo trouxe consigo o conflito entre grandes e pequenos, aristocracia e povo, segundo Maria Tereza Sadek (2011) ” Note-se que uma das forças quer dominar, enquanto a outra não quer ser dominada.”  Disso que resulta a política ou vida ativa, Maquiavel acreditava que este conflito vem da natureza humana que é má, um constante jogo de interesses no qual sempre tentávamos sair beneficiados de todas as situações independente do outro.  

“Os Estados bem organizados e os príncipes hábeis têm com toda a diligência procurando não desesperar os grandes e satisfazer o povo conservando-o contente, mesmo porque este é um dos assuntos mais importantes que um príncipe tenha de tratar.” (MAQUIAVEL, 1515. P. 111)  

Partindo disso, concluo que Maquiavel vai muito para além quando o assunto é a Virtú, o governante precisaria ser respeitado e por vezes temido, mas deveria possuir certa dosagem para não provocar sentimento de ódio em sua população, ainda mais em Florença que era reconhecidamente uma cidade “tiranocída”, quando os súditos fossem desagradados não pensariam duas vezes antes de matar o príncipe, precisaria ser um bom gestante governamental no tocante aos conflitos sociais, manter tanto o povo quanto os nobres em seu poder ou ao menos coagi-los, entre ser amado e temido era melhor ser amado, mas entre temido e odiado, seria muito mais vantajoso ser temido pela população.

Como o titulo desta análise já diz por si só, “O Príncipe” foi uma obra que quebrou paradigmas e rompeu com a ordem vista antes disso, os espelhos de príncipe e os pensamentos antes vigentes como de Cícero e São Tomás de Aquino com uma cidade idealizada, porém  irreal, príncipe totalmente virtuoso com postura quase que santificada e governando em nome do bem comum passam a serem vistos como mera abstração, para Maria Tereza Sadek (2011) “Trata-se de uma indagação radical e de uma nova articulação sobre o pensar e fazer política, que põe fim à idéia de uma ordem natural e eterna.” Maquiavel parte primeiro da premissa que todos os homens possuem uma natureza má, seríamos egoístas e respeitarmos o soberano graças ao sentimento de medo, acredito que seu ponto alto de análise na questão do Estado é deixar de lado idealizações e apontar caminhos através do real, utilização da história com exemplo, repetir a fórmula de sucesso de grandes príncipes e da mesma maneira evitar fracassos já cometidos outrora, centralizando seus conceitos base de Virtú e Fortuna. Por esses motivos aqui listados e entre vários outros “O Príncipe” ficará eternizado como uma das maiores obras de todos os tempos.

 Referência bibliográfica:

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Ridendo Castigat Mores.

  1. WEFFORT, Francisco, organizador. – 14.ed. Os clássicos da política, 1 /. São Paulo : Ática, 2011: 0 Federalista” 1. Ciência política. I. 1ª Edição – Arquivo criado em 08/08/2011 e-ISBN 9788508149797

Falcão, Luís. As formas do principado maquiaveliano. Revista Estudos Hum(e)anos. 2013.

 

REFORMAS URBANAS NO RIO DE JANEIRO

MORRO DA FAVELLA

Millena  Manhães da Silva

 

Millena Manhães da Silva, graduanda de licenciatura em História. E-mail: millenamanhaes@id.uff.br / Lattes: http://lattes.cnpq.br/9138094545660190

Licencianda em História pela Universidade Federal Fluminense pelo DEpartament de História do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional,.  Atuou como bolsista de extensão na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro no projeto “Políticas Públicas e Espera: Ações para a garantia e preservação de direitos.”   Atua como colaboradora no projeto Museu Volante na Universidade Federal Fluminense e é membro do Laboratório de Estudos da Imanência e da Transcendencia (LEIT/UFF/CNPq) coordenado pela professora Márcia Regina da Silva Ramos Carneiro. Possui certificação avançada, curso Saber Museu, oferecido pelo Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM. Tem interesse nos estudos sobre história do Brasil República.

 

REFORMAS URBANAS NO RIO DE JANEIRO

MORRO DA FAVELLA

 

Introdução

 

A efervescência de movimentos como a belle époque, um movimento estético urbanístico e cultural que se instalou na Europa, especialmente na França e que perdurou desde a expansão imperialista europeia de século XIX até o início da Primeira Guerra Mundial, contexto em que se instaurou da República brasileira, em 1889. Este movimento motivou modificações profundas na cidade do Rio de Janeiro, tanto no campo das instituições políticas, como também, transformações significativas que estavam relacionadas   à estética e saneamento da cidade. 

O pensamento de modernização da área urbana envolvia além do embelezamento arquitetônico da urbe, a cidade do Rio como capital da república consistia em reconfigurar os modos de vida dos habitantes da cidade. Dessa forma, muitos projetos que buscavam organizar o espaço físico da cidade, tinham o ideal de construir uma metrópole moderna e civilizada.

 

Demolição dos Cortiços e Surgimento das favelas

Após a Proclamação da República (1889), a execução do projeto de “limpeza” da cidade, realizada pelo prefeito Barata Ribeiro (1892-1893) e posteriormente, a operação “bota – abaixo” executada pelo engenheiro e prefeito Pereira Passos (1902- 1906) inspirada nas reformas parisien- ses ocorridas nos finais do século XIX, tinham por finalidade demolir os cortiços do centro Rio. Já que no contexto da época essas habitações populares eram mal vistas socialmente, como lugar de promiscuidade e de condições insalubres, propício à proliferação de doenças e que ameaçavam a ordem e a civilização almejada pelos médicos, engenheiros e urbanistas da época.

Dessa forma, a solução para estes problemas seria de fato “por abaixo” essas construções, o que contribuiu para a intensificação do surgimento das favelas. Além disso, as reformas buscavam redefinir o espaço público de acordo com as novas aspirações das elites republicanas, associando a capital federal à imagem de um espaço moderno,  organizado e civilizado.

MORRO DA FAVELLA

Após o arrasamento dos cortiços, seus antigos moradores veem como solução abrigar- se nos morros da cidade, além disso, no nordeste do país estava chegando ao fim a guerra de Canudos, embate que ocorreu, entre os anos de 1896 – 1897, em um conflito armado que envolvia militares defensores da república e sertanejos resistentes ao novo regime. O morro que foi ocupado por volta de 1897 por ex – escravos, imigrantes e moradores que foram expulsos do centro, abrigaria ainda os ex – combatentes de Canudos. Sua nomenclatura

“Morro da Favella” foi atribuída pelos ex- soldados, já que “favella” seria uma vegetação típica do sertão nordestino, encontrada nesta área do Rio de Janeiro. A definição também foi utilizada de modo simbólico, já que o Arraial de Canudos era uma região montanhosa e tinha na Serra Baiana um morro com o mesmo nome, “Favella”.É importante destacar, que após a ocupação dos morros, seja pelos moradores despejados do centro, seja por ex – escravos e ex – combatentes, ou pelas classes mais pobres da cidade, houve uma transferência da imagem que antes era associada aos cortiços, para a favela. Que a partir disso passa também a ser vista pelo poder municipal, como um lugar de estalagens desordenadas e improvisadas e que mantinham o mesmo perfil de moradores dos cortiços. Portanto, apesar de se deslocarem para os morros, esses moradores acabavam sofrendo as mesmas opressões de quando residiam nos cortiços.

 

A Favella no tempo dos cortiços

O código de obras é um documento que tem por objetivo permitir que o poder municipal controle o uso do espaço urbano, a fim de fiscalizar as condições de higiene e estética das construções. O código de obras do Rio de Janeiro (1937) em seu capítulo XV, previa a “extinção das habitações anti-higiênicas” isto é, o impedimento legal da formação de novos cortiços, de novas favelas ou de qualquer estalagem semelhante que pudesse atentar contra a ordem moral da urbe. O diagnostico dessas áreas era feito por engenheiros, urbanistas, médicos e sanitaristas, essas figuras tinham importante papel na elaboração e realização dos projetos reformadores de modernização da cidade.

 

CURIOSIDADES

A canção “Morro da Favella” do Grupo do Pixinguinha – 1917. Disponí- vel em: https:// playback.fm/charts/brasil/ video/1917/Grupo-do- Pixinguinha-Morro-da- Favela

 

MORRO DA FAVELLA

A Copa do mundo (2014) e as Olimpíadas (2016). Que tiveram como pano de fundo, o interesse em embelezar-se para o entretenimento dos turistas e atrair o capital estrangeiro.

Atualmente novos embates estão sendo enfrentados pela população periférica em toda a cidade do Rio de Janeiro, principalmente em relação aos moradores da zona portuária da cidade, que enfrentam diversos conflitos, com as obras de revitalização que ainda hoje acometem essas áreas. Devido à nova onda de modernização e desenvolvimento do espaço público, como, às remoções que ocorreram na última década, seja por conta do mercado imobiliário, seja pelos megaeventos sediados na cidade. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

“A administração do prefeito Pereira Passos: O Bota – abaixo” – MultiRio. Disponível em: http://multirio.rio.rj.gov.br/index.php/estude/historia-do-brasil/rio-de-janeiro/66-o-rio-de-janeiro- como-distrito-federal-vitrine-cartao-postal-e-palco-da-politica-nacional/2911-administracao- pereira-passos-o-bota-abaixo

“A lua no alto da Providência” https://www.anf.org.br/a-lua-no-alto-da-providencia/

Arquivo Geral da cidade do Rio de Janeiro. “Código de Obras do Distrito Federal” 1937. Disponí- vel em: http://www.rio.rj.gov.br/web/arquivogeral/codigo-de-obras-de-1937

Atlas Histórico do Brasil. Disponível em: https://atlas.fgv.br/verbetes/o-bota-abaixo

“A voz do morro” – Folha de S. Paulo. Disponível em: https://arte.folha.uol.com.br/tudo-sobre/rio- em-transformacao/a-voz-do-morro/

BENCHIMOL, Jaime. Reforma urbana e Revolta da Vacina na cidade do Rio de Janeiro. In: O Brasil republicano: o tempo do liberalismo excludente-da proclamaçäo da república à revo- luçäo de 1930. 2003. p. 231-286.

Biblioteca nacional digital. Disponível em: https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

Filme – “Guerra de canudos” Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=P4OYhj7Io0E Acesso em: 10/03/2021

CARVALHO, Bruno. Cidade porosa: dois séculos de história cultural do Rio de Janeiro. Ob- jetiva, 2019.

GALIZA, Helena R. dos S.; VAZ, Lilian F.; SILVA, Maria L. P. da. Grandes eventos, obras e re- moções na cidade do Rio de Janeiro, do século XIX ao XXI. Anais da II Conferência Internacional Megaeventos e a Cidade, 2014, Rio de Janeiro.

“Memórias da destruição. Rio – Uma História que se perdeu.” Arquivo da cidade, 2002. Disponí- vel em: http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4204430/4101439/memoria_da_destruicao.pdf

MultiRio “Dos cortiços à favela.” Disponível em: https://www.youtube.com/watch? v=0h2Hd16Qg5A Acesso em: 04/03/2021

SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: História da vida privada no Brasil 3 : República: da belle époque à era do rádio[S.l: s.n.], 1998.

VALLADARES, Licia. A gênese da favela carioca. A produção anterior às ciências soci- ais. Revista brasileira de ciências sociais, v. 15, n. 44, p. 05-34, 2000.

“Obra de teleférico causa polêmica no Morro da providência” Disponível em: https:// noticias.r7.com/rio-de-janeiro/rj-no-ar/videos/obra-de-teleferico-causa-polemica-no-morro-da- providencia-rj-20102015