VIOLÊNCIAS & JUVENTUDES: ESTUDOS SOBRE PERCURSO RELACIONAL E ESCOLAR

Aline Moerbeck Costa; Isla Gomes Neves; Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti.
(Universidade Católica do Salvador – Núcleo de Estudos em Direitos Humanos)

As abordagens emergentes do ponto de vista humanitário tornaram-se pauta para as questões jurídicas e sociais perante o mundo Ocidental, com o fim da II Guerra Mundial. Em seus primeiros anos, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, exerciam as suas atividades com uma atuação retraída que funcionou como um “reconhecimento territorial” para a elaboração de normas gerais e a promoção de valores através de cursos, seminários e publicações fase denominada como abstencionista. Indicado por Alves (1994) como um processo de evolução da atuação perante os direitos humanos, divididas em fase “abstencionista” e fase “intervencionista” não devem ser vistos como uma superação de um período sobre o outro. Os problemas postos para debate são tão complexos que exigem soluções multissetoriais e interdisciplinares, pois se trata de questões que antes de tudo possuem viés político. Assim, em que pese às iniciativas para a proteção dos direitos humanos tivessem sido concretizadas na fase classificada por como período “intervencionista” com a adoção de medidas capazes de interferir positivamente na realidade destes indivíduos.
Partindo desta análise os estudos que envolvem as questões de gênero, também devem pautar-se em uma estruturação trifásica de atuação, sendo a mais utilizada em campo acadêmico à promoção de valores e a intervenção na realidade fática. Inserindo tais análises ao contexto soteropolitano, mas, especificamente na dinâmica de adolescentes e jovens em idade escolar e em período político de retrocessos, estas discussões mostram-se ainda mais emergentes.
Sobre as questões que envolvem gênero e suas possíveis conceituações trazidas pelo campo acadêmico-científico, têm-se ao longo da sua evolução epistemológica, diversas correntes que tentam analisar e traçar as possíveis formas de superação, deste que é um problema humanitário. Para Saffioti (2004) o gênero designa a construção social daquilo que é definido como masculino e feminino, no entanto, as construções fechadas, restritas e predeterminadas que designam o gênero, fazem com que a própria sociedade funcione como modeladora de personalidades e da autodeterminação, tendo a família e as instituições de ensino papel importante no fomento destas distorções conceituais.

Imagem 1 – Capa do livro de Heleieth Safiotti
Fonte: https://www.geledes.org.br/o-conceito-de-genero-por-heleieth-saffioti-dos-limites-da-categoria-genero/

Os aspectos subjetivos em um contexto social não eram vistos como objetos dignos de serem analisados cientificamente. Como a sociedade passa a exigir explicação para os fenômenos de dominação que tem por vítima, em sua grande maioria, as mulheres, começam a existir teorias que tentam conferir um sentido para tais circunstâncias e a partir desta análise alcançar possíveis soluções em diversos campos científicos. (CONDE; MACHADO, 2006).
Como objetivo geral, a pesquisa visa analisar a ocorrência de eventos violentos nas relações de intimidade de/entre jovens, na perspectiva das principais manifestações, consequências e fatores associados às relações parentais e precedentes. Quanto aos objetivos específicos a pesquisa busca: I. Analisar a ocorrência de eventos violentos na relação de intimidade de jovens na faixa de 16 a 24 anos identificando as principais consequências destas relações e os sentidos e percepções sobre os atos violentos que estes jovens possuem, dentro de uma perspectiva relacional.  II.  Caracterizar os antecedentes de exposição (fatores de risco) a esses eventos na família e nas experiências amorosas. Como retorno para a sociedade dos estudos realizados, faz parte dos objetivos desta pesquisa, III. Desenvolver interlocução com a escola, no sentido de propor estratégias, visando prevenir a ocorrência de eventos violentos e contribuir para a informação desses jovens para que possam perceber quando estão diante de uma situação de violência.
Com forte presença no cotidiano e nas relações entre jovens, as manifestações de afeto, mas também de abusos/violências são temas emergentes e requerem olhares atentos, inclusive do ponto de vista social, comportamental, saúde e promoção de educação e direitos. Deste modo, essa pesquisa propõe aprofundar conhecimentos da violência na intimidade entre jovens, impactos, consequências e fatores associados, apresentando os principais meios sociais e jurídicos que podem se acionados na defesa e combate da violência na intimidade na juventude sob a lente dos Direitos Humanos, na perspectiva de gênero. Como contribuição social, o estudo visa possibilitar a interlocução entre diferentes áreas do conhecimento, estimulando a interdisciplinaridade (ou pelo menos aproximações transversais), fundamental à implementação de medidas de prevenção e em diversos contextos sociais.
Vale salientar que o ambiente educacional formal é reconhecidamente lócus de convívio e formação de jovens, preparando-os para a convivência social pacífica, no exercício pleno da cidadania, com direitos, deveres e respeito à liberdade pessoal do outro (Gomes, 2013). Nesse sentido, e tomando como contextos sociais de formação/aprendizagem, a finalidade de escolas pode estar delimitada pelo fato de refletirem sobre a importância de institucionalizar estratégias e práticas sobre temáticas que afligem as relações humanas, destacando-se a violência entre jovens na intimidade e suas consequências para o desenvolvimento individual e coletivo das novas gerações, promovendo educação para e pelos Direitos Humanos e sendo espaço de difusão de conhecimento e justiça social e não o contrário.
Para investigar o fenômeno da violência entre jovens, com olhares mais acurados no que se refere à intimidade, o ambiente escolar/acadêmico foi escolhido como privilegiado para captação de dados. Vale ressaltar que a escola, reconhecida como importante lócus de convívio e formação de jovens é instituição de preparação/fomento para a convivência social e pacífica no exercício pleno da cidadania, pautada em direitos, deveres e respeito à liberdade pessoal do outro.
Quanto à pesquisa de campo, estruturado em um viés empírico-descritivo, os instrumentos foram selecionados para captação das categorias, sendo realizadas entrevistas com estudantes, nas faixas de 16 aos 21 anos, matriculados na escola pública de médio porte, situada na região metropolitana de Salvador e Feira de Santana. Para realizar a coleta dos dados procedeu com o uso de instrumento transcultural, apoiado no eixo PAJ – Percurso Amoroso de Jovens (Instrumento de Origem do Canadá que através do NNEPA/UEFS, passou pelo processo de validação e adaptação transcultural.

Imagem 2 – Website do PAJ, Canadá.
Fonte: https://paj.uqam.ca/

A fase formativa-acadêmica em que estão os estudantes sobre os quais recaem essa pesquisa são os jovens que cursam o ensino médio, revelando já terem introdução e compreensão das categorias trabalhadas como referencial. Os resultados serão analisados e interpretados tendo como suporte abordagem teórica sobre Educação, Direitos Humanos, Juventudes e questões de violências sobrepostas (CAVALCANTI, 2018).

Imagem 3 – Capa do livro onde está integrado capítulo sobre “Violências sobrepostas”

Fonte: www.pactor.pt/pt/catalogo/ciencias-sociais-ciencias-forenses/ciencias-forenses-criminologia/violencia-domestica-e-de-genero/

No Brasil, as epistemologias sociais que fundamentam os estudos sobre as violências sofridas por mulheres, em um primeiro momento, mais especificamente na década de 80, estavam voltadas para a concepção de que a violência feminina possuía bases na dominação masculina. Esta teoria engendrada por Marilena Chauí, para quem a violência contra a mulher seria perpetrada não só por homens, mas também por mulheres, foi responsável por convencionar atribuição do papel de cúmplice nos atos de violência a mulher. No entanto, a contribuição feminina não seria autônoma, mas, funcionaria apenas como mero instrumento destituído de subjetividade autônoma. (IZUMINO; SANTOS, 2005).
A segunda corrente identificada diz respeito à dominação patriarcal, que analisa a perpetração do que é denominado de patriarcado para alguns estudiosos ou violência de gênero para outros. Esta teoria defendida por Saffioti (2004) concebe que a designação correta a ser utilizada para conceituar a subjugação feminina pela masculina seria a definição de patriarcado, pois, gênero é um conceito amplo que serve tanto para tratar sobre violência contra mulheres quanto às violências sofridas por homens. O patriarcado define de forma mais adequada o contexto feminino atual tanto na vida pública quanto nas relações privadas.
Deste modo,  a violência imposta à mulher possui caráter histórico no patriarcado e na exploração econômica demonstrando um viés marxista, tendo em vista que o homem na estrutura de poder a qual criou e se criou, estabelecem as regras do jogo do qual, posteriormente, são beneficiados fazendo com que a mulher esteja subjugada em diversas formas psicológica, física e patrimonial. A mulher não configuraria como cúmplice nos atos de violência devido à ausência de poder no âmbito social.
A terceira corrente inaugurada por Maria Filomena Gregori tende a relativizar dois polos que estão fixos quando o assunto é violência contra mulher, e que funcionam como facilitadores no mundo jurídico, mas, são empecilhos para entender o contexto da violência em sua realidade. Esses polos dizem respeito aos fatores que permeiam a dominação (associada ao homem) e a vitimização (associada à mulher). A violência para esta teoria funcionaria como uma negociação de interesses pelas partes envolvidas, negando a existência de uma relação de poder. (IZUMINO; SANTOS, 2005).
Reformulando, de certa forma, a teoria relacional de violência Cecília Macdowell Santos e Wânia Pasinato Izumino (2005) entendem que a dominação patriarcal não consegue conceituar com a devida precisão a permanência de situações de violência, ainda que fatores antes tidos como determinantes tenham sido superados, a exemplos de mulheres financeiramente independentes que permanecem em situações violentas. Sendo assim, adotam a teoria relacional, mas com algumas ressalvas.
A primeira delas é a afirmação de que as situações de violência não estão destituídas de poder. No entanto, o poder não está apenas em mãos masculinas, mas desigualmente também são experimentadas por mulheres. Outro fator negado, é quanto à incapacidade e ausência de poderio da mulher, atribuído por algumas teorias, que reforçam o estigma de passividade da mulher para a modificação da sua realidade e como pessoas com a devida competência para redefinir os papéis sociais que lhes foram impostos historicamente.
Enveredando pela vertente da justiça e da promoção social, a condição de agente das mulheres tem ganhado cada vez mais notoriedade, deixando de serem percebidas como receptoras passivas de medidas de bem-estar para aturem na condição de agente. As questões como respeito e o bem-estar das mulheres estão condicionados a questões, tais como, a independência financeira, a escolaridade, os direitos patrimoniais o que em certa medida interferem nas decisões tomadas no lar ou fora dele, ganhando o direito de serem ouvidas nestes espaços, ainda que mediante a concessão de escuta.
No que se refere às violências na intimidade pode ser caracterizada pela propagação de atos violadores tanto do corpo quanto do estado psicológico das suas vítimas. Tais violências, segundo Caridade e Machado (2006), podem tanto ser perpetradas por homens como por mulheres, estas últimas passam a ter maior representatividade na atuação de atos violentos em relacionamentos como o namoro, fora dos casos de coabitação, quando ausentes fatores que comumente as tornam vulneráveis como filhos e dependência financeira do parceiro.
Dos variados indicadores sociais e epistemologias contemporâneas, a violência de gênero nas relações íntimas configura-se como um fator que afeta as mais variadas classes sociais enquadradas nos diferentes padrões socioeconômicos. A violência ocorre no âmbito das relações íntimas de jovens (Neves, 2008). Nas últimas décadas a nível nacional tem se dado um enfoque grande nos estudos e pesquisas sobre a violência na juventude e se percebeu que esses dois fatores (violência e juventude) se cruzam nas mais diversas formas de casais nas relações íntimas.
O número de casos de violência na intimidade (em relações que não estão restritos ao ambiente doméstico/ familiar), culminando em morte, tem aumentado nos últimos anos, pelo menos o que revela a percepção inicial de relatos nas mais diversas mídias (televisão, redes sociais). Tal fato não pode ser pormenorizado em análises estatísticas específicas, pois os levantamentos de dados estão debruçados sobre as violências domésticas e familiares ou mesmo na análise da incidência dos casos que se subsomem a qualificadora de feminicídio, não relatando os casos de violência em relações de namoro e nas relações transitórias especificamente.
Em tempos de crise política e democrática temáticas como gênero e as relações político-sociais que emanam destas relações, estão cada vez mais cerceadas e silenciadas. Caso sejam aprovadas as proibições aventadas pelo projeto “escola sem partido” os professores ficarão impedidos de tratar em sala de aula sobre temáticas que envolvam o gênero e questões denominadas pelos relatores do projeto de lei como: “ideologia de gênero” dentre outras temáticas, sob pena de responsabilização por doutrinação, no exercício de suas atividades de formar cidadãos.
Os necessários debates que existem na atualidade sobre tais questões serão total e imediatamente impedidos de ser realizados em salas de aulas. Mas, nada impedirá que estas crianças/ adolescentes possam ter contato, erroneamente, em outras instituições e espaços culturais. Por isso, os movimentos que seguem na contramão e que conferem espaço para estas discussões deverão continuar a dar voz aos discursos de uma minoria invisibilizada, aprofundando os debates em torno destas temáticas.
Neste contexto de retrocessos os debates devem ficar cada vez mais intensos contra as temáticas que assolam a sociedade, mas, que não possuem um tratamento social ou mesmo jurídico compatível. Neste rol de temáticas político-sociais que, estão sob ameaças, também, se encontram neste rol os direitos humanos que passaram a ser inferiorizados quando, por exemplo, são confrontados com o princípio s fundamental da liberdade de expressão.
Para validar a supremacia da liberdade de expressão busca-se consagrar o “direito” a ser politicamente incorreto. Desta forma, defendem que nas redações do Exame Nacional do Ensino Médio- ENEM aqueles que posicionarem-se contra os direitos humanos e disseminarem ódio não poderão ser atingidos pela penalidade de ter as suas notas zeradas.Tais bandeiras impedem a discussão sobre a violência de gênero em cenários políticos áridos em que a família não consegue dialogar com as escolas e o Estado. Este que deveria assumir uma postura imparcial, conferindo apenas meios materiais e subsídios para que a sociedade civil possa organizar-se e estruturar-se de forma autônoma, afirmando um estado laico é que, ou deveria ser. Logo, as intervenções realizadas nas escolas com palestra e rodas de conversas devem ser o principal foco destas instituições, quando possível devem ser realizadas e os jovens alcançados de forma positiva para que não reproduzam mais discursos de ódio e pensamentos enrijecidos sobre a estrutura social e familiar, além de que questões como gênero que implicam questões como: a própria violência de gênero devem ser pauta.
É fundamental e urgente realizar nas escolas – espaço de socialização e aprendizados múltiplos e socializadores – projetos e debates de conscientização e prevenção acerca do fenômeno da violência e de riscos e perigos, perpassando por uma educação crítica e de acesso à cidadania, condição fundamental para o equilíbrio pessoal e social, onde a cultura da paz e do respeito recíproco, interpessoal e coletivo, representa a base fundamental para estabelecer elos de convivência pacíficos, saudáveis e que possam também impactar em ambiente doméstico-familiar e social estendido (grifos nossos). Ou seja, entre as experiências vividas de maneira individual e relacional (familiar e escolar), podem potencializar uma abordagem que promova dimensões de direitos, acesso à cidadania e à dignidade, considerando aspectos éticos e não violentos da vida em partilha.

REFERÊNCIAS
ALVES, J. A. Os direitos humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 1994.
CARIDADE, Sônia; MACHADO, Carla. Violência na intimidade juvenil: Da vitimização à perpetração. Análise Psicológica, v. 24, n. 4, p. 485-493, 2006.
CAVALCANTI, Vanessa Ribeiro Simon. Violência(s) sobreposta(s): Contextos, tendências e abordagens num cenário de mudanças. In: DIAS, Isabel (Org.). Violência doméstica e de gênero: Uma abordagem multidisciplinar. Lisboa: Pactor, 2018, pp. 97-122.
CONDE, Ana Rita Dias; MACHADO, Carla. Amor e violência na intimidade: da essência à construção social. Psicologia & Sociedade, vol. 23, núm. 3, 2011, p. 496-505
GOMES, C. B. Violência nas Escolas: Uma realidade a ser Transformada. Curitiba: Juruá, 2013.
IZUMINO, Wânia Pasinato; SANTOS, Cecília MacDowell. Violências contra as mulheres e Violência de gênero: Notas sobre estudos feministas no Brasil. E.I.A.L., vol. 16- nº1, 2005.
NEVES, A. S. A. Amor, poder e violências na intimidade: os caminhos entrecruzados do pessoal e do político. Coimbra: Quarteto, 2008.
SAFFIOTI, H.I.B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.

VASCULHAR O PASSADO E PENSAR NO FUTURO: Estamos em um “ponto de mutação”?

Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti – Programa de Pós-graduação em Família na Sociedade Contemporânea (UCSAL). vanessa.cavalcanti@ucsal.br

Integram meu cotidiano – especialmente acadêmico universitário há mais de duas décadas – os estudos, as produções e as análises que cruzam as relações e as violências de gênero. Nunca, ao sair pela manhã, ao ministrar aulas, iniciar projetos de investigação, ao ler noticiários e ver informes de organizações governamentais e não-governamentais ouviu-se tanto sobre feminicídio, violência de gênero, violências contra mulheres (idosas e jovens), violência doméstica e familiar, conjugal, sexual, etc. Talvez tenhamos chegado ao “ponto de mutação”. Somos capazes de enfrentar e criar situações de escutar, proteger, acolher, assistir integralmente. Temos marcos legais, instituições, gente especializada, anos de educação formal e não formal. Parece mais que estamos perdid@s em letras mortas, em experiências exitosas e de boas práticas educativas, esquecendo de conceitos, de verificar e descrever o básico, o cotidiano, abrir ouvidos e olhos.
Essas experiências foram e são compartilhadas com outr@s investigadores(as) das Ciências Sociais e Humanidades, com recortes de estudos sobre violências e gênero que procuram, não e tão somente, descrever o processo contemporâneo de relações, tensões e discursos, mas, sobremaneira, versam sobre inquietudes e “lugares de ação” (SANI, 2018; DIAS, 2015; HASANBEGOVIC, 2016; TELES & LEITE, 2013).

Figura 1: Capa do livro Crianças Vítimas de Violência: Representações e Impacto do Fenómeno, de Ana Isabel Sani (2011)

A palavra cria, informa, traz ação. Lá se vão cinco décadas de movimentos sociais feministas e de grandes avanços, com destaque ao marco legal, institucional (no caso brasileiro até a implementação de políticas especificas sobre direitos humanos das mulheres). Com o ano internacional e a década da mulher, a sociedade internacional – a partir de 1975 – foram criados mecanismos, discursos e planos para educar, transformar, erradicar. Nesse panorama, cada Estado signatário da Organização das Nações Unidas e dos que ratificaram planos, conferências e objetivos criou estratégias e marco legais-institucionais para tratar da temática. O Brasil foi um dos membros que não fugiu às convocatórias, mas foram décadas de intensificação e observância de agendas e de construção de políticas como marcadores e referências de escuta de movimentos sociais e reivindicações.

Realmente há que se destacar que a invisibilidade total – ou opacidade quando não temos instrumentos e captação do narrado e do vivido em sua potencialidade – e o silenciamento de uma cultura patriarcal abriu brechas, frestas, pequenos espaços e, como na história na pedra atirada no lago, abriu-se em círculos e movimentos mais assertivos e consistentes. A década foi relevante do ponto de vista de marcos legais (Lei Maria da Penha e Feminicídio, organização de coordenações, promotorias, projetos especializados, eventos de caráter acadêmico-científico e expressões de lutas, expressões artísticas e culturais com múltiplas linguagens – inclusive traduzida em cordel – ver figura abaixo – ou em canções manifesto, na batida do Slam das Minas, Manifesta 2018 – ver em https://www.youtube.com/watch?v=xLJWFiGYNwo).

Da educação formal à não formal, de espaços governamentais, de ocupação do “território” jurídico-institucional e das instâncias locais e internacionais, a temática da violência contra mulheres e meninas tomou assento e ganhou novas abordagens através de outros recortes como juventudes, questões étnico-raciais, territoriais, comunitárias e coletivas.

Há urgências em resgatar memórias e Histórias (vide aumento de editoras especializadas e excursões artísticas-culturais em grande escala por todo território nacional e estrangeiro), de conhecer mais sobre a mundivisão e sobre as diferenças e semelhanças dentro dos próprios feminismos, para além da (re)invenção de movimentos sociais e de estratégias para acessibilidade e para circulação de conhecimento, objetivando visibilizar pautas, causas e lutas.

Ranços e avanços enormes e um fato relevante: as mulheres conhecem o texto jurídico, sabem onde podem se apoiar e buscar proteção, integram redes, organizaram instrumentos, observatórios e não se distanciam das audiências e de cargos decisivos. Incentivam formas de saber e de ocupar assentos, apostam em tempos que pendulam entre passado, presente e futuro, (re)inventando Histórias, lugares e não-lugares. De letras jurídicas aos diálogos, de novas abordagens às expressões estéticas.

 

Marcham mulheres, levantam bandeiras por um mundo mais igual, justo e sustentável, no sentido pleno da palavra. Fazem suas próprias histórias, fortalecem epistemologias críticas e não calam.

Em voz acompanhada de uma cuíca e da poesia de viola (do Paulinho), Marisa Monte encantou: “Hoje eu quero apenas/Uma pausa de mil compassos/Para ver as meninas/Porque hoje vou fazer/Um samba sobre o infinito”.

Figura 2: Para ver as meninas (Marisa Monte e Paulinho da Viola, 2007).

Para Ver As Meninas (2004) · Marisa Monte, Paulinho Da Viola e Raphael Rabello.          Ouvir em https://www.youtube.com/watch?v=haAppvK_DlI

Fazer “pausa de mil compassos” ecoa na linda composição. Pensar indica possibilidade de intervenção, seja sobre assédios (falatórios e físicos) ou estupros e ameaças de morte (menção específica à incitação pública corriqueira no tempo presente); seja sobre violências no namoro às ambiências públicas – e proclamadas sem restrições em meios digitais e bem reais – não causando nenhum constrangimento por parte de autores/as.

Todas são explicitas manifestações abusivas, obstáculos para liberdade, dignidade e vida. Por isso, reforços: proteção às vítimas; incremento de redes e campanhas (mapas, observatórios, dissertações, teses etc.); formação e educação avançadas. Essas duas semanas são instrumentos baseados em itens relevantes ao bem-viver, em planos pactuados internacionalmente e compõem “ideia de justiça” (Sen, 2011), sem esquecer da sua realização. Quando a vida é “virtualmente” ameaçada, tomemos a urgência de proteger, salvaguardar e não “banalizar” conversas e brincadeiras. As palavras – escritas e ditas – tem força. Que as armas sejam outras. As metafóricas: livros, canetas, rodas de conversa, “sambas sobre infinita” possibilidade de paz e expressões sociais de convívio.

Somos criativ@s e já existem elementos que transformam silêncios em conscientização. Contamos com artes, ciências e tecnologias, pautas sociais e políticas, além de medidas educativas em prol de um mundo possível (no qual as instituições servem ao coletivo e não legitimam a violência como recurso para manutenção das estruturas do poder). Muito trabalho pela frente e tomar a educação como caminho alargado e potencialmente denominado de paideia continua a ser realizável: difundir conhecimentos e saberes; ampliar e não restringir, seja formal, não formal ou informal; aprender a conviver. Que sejam pontos de encontro, de mutação para igualdade, sustentabilidade, paz, dignididade.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei Maria da Penha. Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 23 jun. 2019.

DIAS, M.I.C. Sociologia da família e do gênero. Porto: Pactor, 2015.

HASANBEGOVIC, Claudia. Violencia basada en el género y el rol del Poder Judicial. Revista de la Facultad de Derecho, n. 40, p. 119-158, ago. 2016. Disponível em doi:10.22187/rdf201616.

SANI, Ana & CARIDADE, Sônia. Violência, agressão e vitimação: Práticas para a intervenção. Coimbra: Almedina, 2018.

SEM, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo, Cia das Letras, 2011.

TELES, M.A.A. & LEITE, R.S.C. Da guerrilha à imprensa feminista: a construção do feminismo pós-luta armada no Brasil (1975-1980). São Paulo: Intermeios, 2013. 312p.

EDUCAÇÃO E ECONOMIA: UMA ESTREITA RELAÇÃO

Não só nas escolas particulares, mas também nas públicas, a área educacional e a maior parte de outras têm sentido com bastante intensidade os problemas econômicos enfrentados pelo país. Estudar exige investimento, não apenas nas mensalidades das instituições privadas, mas também em livros, materiais didáticos, tempo disponível, acomodações para estudantes de fora de uma determinada localidade onde o curso desejado é oferecido, alimentação e diversos outros gastos.

Tudo o que afeta empregos certamente afetará o sistema educativo, já que, além da formação para a cidadania, um dos principais objetivos de toda escola, em qualquer nível, é a preparação para o exercício profissional, permitindo que o país desenvolva adequadamente… sua economia!

O mundo do trabalho exige boa formação, e boa formação exige investimento, mas atualmente assistimos com surpresa um fato novo, que é economias que crescem sem o equivalente aumento no número de empregos, o que desafia todo o mercado, os investidores, trabalhadores e empresas que precisam se adaptar a esta inédita ordem econômica, e tais mudanças estruturais trazem oportunidades para alguns, normalmente aqueles melhor preparados e com maior acesso à tecnologia de ponta, porém dificuldades extremas para muitos outros.

Nas situações de “pleno emprego” e nas crises de empregabilidade são aqueles melhor preparados que conseguem os melhores postos de trabalho, e quando a situação econômica é estável, a quase totalidade da população consegue sustentar adequadamente suas famílias, já que, mesmo aqueles trabalhos sem grande exigência tecnológica continuam sendo necessários.

Ilustração de Tomek Setowski

No entanto, sem o suficiente crescimento econômico, aqueles com menores habilidades serão os primeiros a ser impactados negativamente, dado que um número relativamente grande de pessoas perde seus empregos, e normalmente quando acontece a recuperação, esta é insuficiente para absorver os desempregados, subempregados e os que entram pela primeira vez no mercado de trabalho.

Economias experimentam mudanças cíclicas e estruturais à medida que se recuperam de uma recessão, com consequente crescimento ou declínio dos empregos, mas mudanças profundas podem deslocar trabalhadores, já que algumas empresas não conseguem se recuperar totalmente.

Acontece então que o PIB do país decresce à medida que as empresas demitem trabalhadores para que os custos correspondam às receitas, e quando volta a expandir-se e recontratam, nem sempre será para as mesmas funções, exigindo requalificação, o que já aconteceu numa série de setores, como a produção de chapéus – que já teve fábricas florescentes -, de carroças, de produção de lampiões a gás, máquinas de escrever e muitas outras.

Ao longo do tempo, trabalhadores com diferentes habilidades e treinamento, geralmente com qualificação superior, necessitam mais educação e treinamento, com habilidades novas para continuarem empregáveis, pois a inovação é constante. Adquirir novas capacitações não é tão rápido, e o desemprego pode aumentar mesmo quando sinais de estabilidade ou crescimento se mostram visíveis.

Melhorias tecnológicas e de produtividade mudam a natureza do emprego, enquanto aumenta o tempo necessário para treinar novamente os funcionários. Um grande número de pessoas desempregadas ou subempregadas sustenta o crescimento da economia, já que leva vários anos até que esses indivíduos obtenham as habilidades necessárias para serem empregados em um nível semelhante.

Dentro das instituições educacionais é importante a perspectiva futura, o mundo do trabalho relevante é também aquele futuro, e não somente o atual; e em função das instabilidades brasileiras, isso se torna quase um exercício de futurologia divinatória, dificultando um adequado processo educativo.

RELAÇÃO ENTRE AS CONDIÇÕES DE TRABALHO NAS ESCOLAS E A SAÚDE DO PROFESSOR

ELZA LEÃO OLSEN ALVES

VANISSE SIMONE ALVES CORRÊA

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ – UNESPAR

 

Introdução

Em decorrência de muitas horas de trabalho e do aumento da violência dentro da escola, os professores e agentes educacionais têm sua saúde física e mental ameaçada.  A causa maior da fadiga que está classificada na “má condição de trabalho” se dá pela intensificação e excesso de trabalho, pela necessidade e exigência de trabalhar mais, em menos tempo e sem recursos. A falta de instrumentos pedagógicos, o baixo rendimento e indisciplina dos alunos, o baixo salário, somado com o trabalho que leva para casa, põe a profissão de educador em situação delicada. É indispensável repensar o trabalho docente.

Metodologia

A pesquisa está no início, trata-se de um Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia. Está embasada em  autores que pesquisam a temática. Além disso, serão realizadas entrevistas com profissionais da educação de das escolas municipais da cidade de Paranaguá. Também serão buscados os dados sobre afastamento dos docentes junto ao RH do município.

https://antonioroque.blogs.sapo.pt/277170.html

 

Resultados

A pesquisa ainda se encontra no início, porém, é possível afirmar, pelas leituras realizadas, que a cada dia aumentam o número de casos de afastamento dos docentes por motivos de saúde e estresse. Entre os motivos de afastamento está o aumento da violência, da carga horária e as condições de trabalho 

Considerações Finais

Somente colocando em prática uma nova reforma educacional que vise uma nova gestão, formas de avaliação, mecanismos contra a violência, e distribuição de trabalho com instrumentos para a sua execução, e principalmente a valorização do professor é que poderíamos recuperar a ideia teórica de escola que consiste em buscar excelência na aplicação do ensino, formar cidadãos conscientes e capazes de conviver em sociedade. Valorizando assim a transmissão do conhecimento que é feito pelo professor.

 

Referências

Jornal Brasileiro de Psiquiatria. Vol 58. Qualidade de vida dos professores: uma perspectiva para a promoção da saúde do trabalhador. 2008

LIMA, Erike Joely, Docência e a depressão: fatores predominantes no processo. 2009

Revista educação em questão. As condições de trabalho docente na educação infantil. 2013

https://antonioroque.blogs.sapo.pt/277170.html

 

 

 

TAUÁ – ARTE INDÍGENA NAS ESCOLAS

“A habilidade das mãos e a ocupação com o artesanato preparam no homem a vontade de se dedicar ao seu intelecto. Aquele que desenvolve habilidades nas mãos também
desenvolve ideias e pensamentos flexíveis.” (Rudolf Steiner)

 

No mês em que se comemora o Dia do Índio, alunos do Ensino Fundamental (1ª a 4ª série), de cerca de 10 escolas municipais de Curitiba, serão beneficiados com uma atividade pouco convencional: oficinas de cerâmica indígena. O projeto chama-se Tauá – A Arte Indígena da Cerâmica e irá atingir com 60 oficinas mais de 2 mil crianças até julho deste ano. Tauá significa argila em Tupi Guarani e a iniciativa, além de promover o exercício e a valorização do trabalho artesanal, visa também à preservação da cultura ancestral indígena.

O entusiasta desta ideia e criador do projeto é o artesão, arte educador e músico Fabio Mazzon, que desde 2004 produz peças de cerâmica a partir de pesquisas de técnicas ancestrais de modelagem e decoração utilizadas por povos originais e indígenas brasileiros. “O objetivo é oferecer uma vivência criativa, educativa e produtiva. O contato com a argila, com os trabalhos manuais, artesanais, trazem inúmeros benefícios ao desenvolvimento humano e em especial às crianças”, explica.

Fabio também ressalta que o projeto cria oportunidade para que as crianças tornem-se criadores de seus próprios meios de expressão. “Estamos em uma época em que o fazer está distante da realidade das crianças, hoje elas encontram tudo pronto, basta consumir. A possibilidade de confeccionar algo com as próprias mãos é extremamente saudável e fundamental para seu desenvolvimento humano”, pontua.

Além de Mazzon, outro ministrante da oficina é o artesão e pedagogo Pietro Rosa que há anos desenvolve trabalhos com crianças, inclusive com necessidades especiais. Na opinião de Rosa: “Esse tipo de atividade não só estimula a valorização das artes manuais, mas também a criatividade, a socialização, além do desenvolvimento do conhecimento cognitivo e da psicomotricidade”, declara.  As oficinas acontecerão nas escolas, a técnica utilizada será o acordelado e a peça produzida será levada para casa pelo próprio aluno.

O formato da oficina será sempre o mesmo em todas as escolas: primeiro os alunos serão recepcionados ao som de tambores de cerâmica e de outros instrumentos artesanais de referências ancestrais, feitos de madeira, semente e de fibra natural. Após, serão introduzidos ao tema a partir de histórias e mitos sobre o barro e a argila. Na sequência está programado um bate papo sobre a utilização da cerâmica em nossas vidas desde tempos remotos até hoje. A ação inclui também uma exposição de peças de cerâmica indígenas. Cada oficina terá a duração de 1 hora e 40 minutos.

Os educadores também serão beneficiados com duas oficinas onde terão atividades práticas de manipulação da argila a fim de desenvolver sensibilidade, concentração, paciência, imaginação, criatividade e psicomotricidade e atividades teóricas focadas no conhecimento histórico e cultural do trabalho artesanal, bem como a utilização e importância da argila.

A Cerâmica no Brasil

No Brasil, a cerâmica tem seus primórdios registrados na Ilha de Marajó, no Pará. A cerâmica marajoara tem sua origem na avançada cultura indígena que floresceu na Ilha. Estudos arqueológicos, contudo, indicam a presença de uma cerâmica mais simples, que ocorreu ainda na região amazônica por volta de 5.000 anos atrás.

A confecção de artefatos em argila é um aspecto presente na maioria das comunidades indígenas brasileiras. Em algumas comunidades a cerâmica é lisa, exclusivamente utilitária, em outras, além de utilitárias, encontram-se peças decorativas nas quais sobressaltam a beleza e variedade das formas, grafismos e pinturas, como é o caso das cerâmicas Marajoara, Tapajônica, Kadiwéu e Asurini. Onde for, a cerâmica mostra-se imbuída de cultura e extremo valor, acompanhando a história e o desenvolvimento da raça humana.

Este projeto foi viabilizado por meio da LEI MUNICIPAL DE INCENTIVO À CULTURA e FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA e conta com o incentivo do Shopping Muller.

FOTOS: Guilherme Pupo e Vinícius Mazzon.

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