Que tal dividir os biscoitos?

No último domingo aconteceu a eleição do Parlamento Alemão.

No último domingo aconteceu a eleição do Parlamento Alemão.

Esta eleição foi histórica e está causando polvorosa no país. Isto porque o partido de direita populista o Alternativa para a Alemanha,  AfD, entrou para o Parlamento com 94 senadores.  Fundado em 2013, de uma dissidência do partido conservador CDU, o AfD vem se mostrando cada vez mais “com tendências radicais”. Agora ele é o terceiro partido mais votado no país, e levou 12,6% das intenções de votos. Um partido novo com um crescimento acelerado…

Voltaram os fantasmas da década de 30! Se confirma a tendência internacional de uma radicalização nacionalista na política e na forma de pensar dos cidadãos. O ovo da serpente, quem botou e chocou foi a política neoliberal dos últimos 40 anos, que vem fazendo (mais) estragos pelo mundo, tirando da pauta política consequentemente os direitos humanos, diminuindo as conquistas sociais e deixando o cidadão a mercê do interesse do mercado privado. Isso também por aqui, a  Alemanha – “Back to the reality!” – agora unificada, entra na lógica neoliberal: “I’m so sorry, but alguém tem de se f… pro capitalismo dar certo, e esse alguém é você, pobre!” Me perdoem o palavrão, sem eufemismo!

 

Os grandes partidos SPD e CDU perderam eleitores, cansados das falsas promessas…

 

E assim, depois de décadas, vemos pessoas levantando bandeiras nacionalistas, uns pela primeira vez, sem culpa, outros se sentido confortáveis para tanto… São levadas a crer, e querem crer, que o problema é vem daquele que “não pertence”. A Alemanha treme, a europa se escandaliza. É de observar que nos debates promovidos pela TV estadual levou-se muito tempo discutindo o “problema dos refugiados”. Seria uma instrumentalização como desvio de atenção  para as reais “mazelas” do cidadão comum? (falta de empregos, desmanche de direitos trabalhistas, arroxo de salários, perda de aposentadoria digna, carestia do aluguel, etc… )

 

Na década de 30: “O Judeus têm muitas crianças, a cultura alemã está em perigo!”. Hoje são os muçulmanos…

Após os resultados finais, houve em Berlim e em outras cidades vários protestos na frente das sedes do AfD. Todos estão chocados, os outros partidos prometem unanimemente agir contra e bloquear o AfD no Parlamento. Este, por sua ver, parece que está confortável, está em ascensão. Segundo as estatísticas, os simpatizantes (em diferentes graus de simpatia) podem chegar até a 30% da população. O potencial de crescimento é imensos, e está também no “cidadão comum, mediano”.

“Tenha coragem (de votar no AfD)”, este foi o slogan da campanha. No dia após as eleições, o partido postou na sua página do facebook uma foto com esta frase: “Se você votou no AfD compartilhe. Tenha coragem”.

 

Na guerra de cartazes, a ações críticas e bem humoradas d’O Partido (Die Partei) se destacaram.

Agora escrevendo me lembrei desta:

“Sentados numa mesa estão um banqueiro, um trabalhador e um estrangeiro, sobre a mesa 20 biscoitos. O banqueiro pega para si 19 e, se levantando, diz ao trabalhador: “Cuidado, o estrangeiro vai pegar o seu biscoito!”.”

Aqui “trabalhador” num sentido mais amplo, um assalariado. Ser de direita nacionalista na Alemanha é uma outra toada, a História recente já nos conta.  “Alemanha para os alemães”, está escrito na fachada do parlamento, onde eles agora sentarão. Em Berlim, o bairro onde o AfD foi mais votado é um bairro do lado oriental de classe média. O problema maior ali é o estrangeiro… uma ameaça, o outro desconhecido. A herança é pesada, o significado imensos diverso. Posso imaginar que muitos sonhem com a volta de algo parecido com os tempos do Adolfo, tempos de abundância, de ordem, de um maravilhoso sentimento de pertença e de orgulho. “Já foi realidade um dia e pode ser outra vez, porque não?! Claro, guerra e extermínio de etnias, e alemães doentes mentais e “deficientes físicos” é coisa do passado… Talvez até podemos tolerar estrangeiros “do bem”, mas nada de pobres miseráveis, que vão roubar o meu biscoito!”

 

“Com a Renda Básica de Cidadania, o Hitler não teria deixado de ser pintor”

Na visão da imprensa, estas eleições foram mornas e sem graça pela falta do real debate político entre os grandes partidos. O seu resultado, claro, nem tanto! Mas para os mais atentos e ligados,  houve um outro partido com uma grande ascensão. O Die Partei (O Partido), que se destacou com ações espetaculares (como a invasão e controle de grupos organizados pelo AfD no facebook), com críticas ferozes e incisivas e com cartazes de rua bem humorados e certeiros, levando alguns à reflexão ou ao voto de protesto.

O Die Partei foi fundado em 2004 por membros da revista humorística Titanic e passou desapercebido umas 5 eleições. Este ano com uma campanha agressiva, bem humorada e, às vezes,  politicamente incorreta – principalmente em seus cartazes –  cresceu e recebeu cerca de 500 mil votos, ficando com 1% das intenções. Ganhou 5 vezes mais eleitores e alcançando a cifra de 1% mudou seu status entre os partidos. Ele receberá mais ajuda financeira para a próxima campanha. Promete!

É uma presença exótica na cena política, que cumpre seu papel de denunciador do absurdo, da injustiça e da hipocrisia dos partidos e da sociedade alemã, definida por um de seus candidatos, o humorista Nico Semsrott como “Humanista-capitalista: a que explora os outros, mas se sente mal por isso.” Mas “só que não” como se diz agora, são poucos os que sentem realmente mal, porque não existe o discurso de uma “responsabilidade global”, existe a realidade da globalização, mas as conseqüências catastróficas dela são vistas como  “responsabilidades regionais”. Lembram do discurso da meritocracia? Pois é…

 

 

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Caiçara, fui pra cidade grande estudar História. Mais tarde aventurei-me em outro mundo, Berlim. Há muitos anos observando a transformação da cidade, a transformação de mim mesma, e os "grandes e pequenos" do dia a dia. Aqui procuro traduzi-los em crônicas.

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