“Negando as virtudes do mundo de vocês, os criminosos desesperadamente aceitam organizar um universo proibido. Aceitam viver nele. O seu ar é nauseabundo: eles sabem respirá-lo. Mas – os criminosos estão longe de vocês – como no amor eles se afastam e me afastam do mundo e das suas leis” (Jean Genet)
A escolha do tema da minha pesquisa de doutorado não foi imediata e até chegar a ele foi percorrido um longo caminho, mas ao fim e ao cabo, mostrou-se a escolha mais acertada. Havia outros temas prioritariamente escolhidos, mas que em função das circunstâncias, foram sendo modificados, adaptados até chegar ao âmago daquilo que eu pretendia realmente trabalhar. Há um ditado que propugna “que se pode fugir de qualquer coisa, menos de si mesmo.”
Assim na vida acadêmica, jamais consegui me desligar da trajetória percorrida na fotografia, da qual participei desde o “chão de fábrica” nas pautas diárias do Jornal Gazeta do Povo como fotojornalista, registrando todo tipo de evento como invasões de sem terra, protestos de moradores, passeatas e apresentação de traficantes à imprensa nas delegacias, e que me proporcionou um doloroso – devido principalmente às condições insalubres de trabalho – porém importante aprendizado.
Assim como também participei da “redoma de vidro” no período de quase dez anos em que fui fotógrafa exclusiva no suplemento feminino Viver Bem do mesmo jornal, onde as pautas consistiam em desfiles e produções de moda, vernissages artísticas, degustação de vinhos e pratos gourmet, além de inovações na decoração e arquitetura.
Posso dizer que vivi o céu e o inferno no fotojornalismo: a consagração que me rendeu homenagens como Pioneira na Comunicação (como a primeira mulher a ser admitida como fotógrafa no jornal), e uma bolsa para a Polônia em 1994 concedida pelo Consulado da Polônia no Paraná – em convênio com o Ministério da Cultura e das Relações Exteriores daquele país – para artistas e intelectuais descendentes de poloneses que se destacam em áreas da comunicação fora da Polônia.
Essa viagem a cidades polonesas resultou em um ensaio fotográfico e a Exposição “Alma Polaca”, um emocionado encontro com minhas raízes ancestrais e uma fotoetnografia do país dos meus avós. Assim, o tema desta pesquisa não poderia ser outro a não ser algo relacionado às imagens, mas não somente. Eu queria trabalhar com as imagens em um contexto de “fato social”, fazendo uso das imagens para mostrar uma realidade, ou um aspecto da realidade social, mas com um olhar diferenciado.
Durkheim afirmava ser necessário livrar-se de preconceitos, ou de paixões sobre os fenômenos, porque só assim, o sociólogo seria capaz de fazer a verdadeira observação e buscar a exterioridade e a objetividade dos fatos sociais. No entanto, outros cientistas sociais, mesmo reverenciando um dos pais fundadores da Sociologia e seu trabalho basilar, afirmaram a quase impossibilidade de separar-se inteiramente do habitus que desenvolvemos ao longo dos anos.
Fazer-se um trabalho isento, neutro e incontaminado pelos sentimentos, apesar da contínua vigilância epistemológica exige um esforço hercúleo, e eu nem mesmo tentei. Sinto-me na incapacidade de abraçar qualquer trabalho ou tarefa se não estiver apaixonada pelo seu conteúdo. E assim é com esta pesquisa, acreditando como Bernard Lahire de que: “A sociologia, da forma como a vejo e imagino, pode nos ajudar a progredir no conhecimento de nós mesmos e dos outros”.
No desenrolar da pesquisa, e mais especificamente nas entrevistas com as detentas do presídio feminino uma problematização veio à tona fortemente: o que levou, ou melhor, quais os motivos e circunstâncias que levaram essas mulheres ao chamado mundo do crime? Algumas dessas presidiárias, revelaram de maneira explícita ou sutil uma atração por esse mundo, uma estranha excitação pelo perigo, pela adrenalina que andar sobre o fio da navalha provoca.
As vantagens, recompensas materiais advindas do crime, a hierarquia que se adivinha nas relações entre elas, com origem no lugar que ocuparam ou ainda ocupam nas atividades criminosas e um certo glamour em levar ‘a vida louca’, estão presentes nos depoimentos, mas não explicavam satisfatoriamente a pergunta.
Esta constatação me acompanhou por vários meses, suscitando algumas questões de outra natureza, pois razões para estar em um presídio potencialmente não faltam à maioria das pessoas, e o que separa a vida intramuros da chamada „vida em sociedade‟, é uma linha muito tênue. Pensando sobre isso, comecei a lembrar que quando tinha quatorze ou quinze anos, após ter lido tudo que encontrei de Monteiro Lobato e de Érico Veríssimo na biblioteca do Colégio Estadual do Paraná, onde fiz minha formação básica, descobri lá mesmo a obra do escritor Jean Genet¹ (1910-1986) que comecei a ler vorazmente.
O primeiro livro foi O Diário de um Ladrão, misto de memórias e de ficção, seguindo-se de Pompas Fúnebres. Algum tempo depois, em 1981, assisti a uma montagem teatral da peça As Criadas, realizada pelo diretor paranaense Oraci Gemba (1934-1994), no pequeno auditório do teatro Guaira. Ainda nos anos 80, assisti ao filme Querelle, adaptação do romance de Genet para o cinema, do diretor Werner Fassbinder, mas então, já era curiosidade intelectual, diferente do período da descoberta dos livros daquele autor, na fase da adolescência.
Qual a relação entre esses fatos? Ocorre que naquele momento em que lia Genet, no auge da adolescência e, portanto, na idade em que se convencionou a chamar de “fase da rebeldia” (na verdade, quando se está em busca de modelos alternativos de comportamento), me identifiquei de maneira imediata com o autor. Se ele odiava todos os valores burgueses, desprezava o status quo, e escolhera livremente ir contra eles e todos os princípios que regiam a sociedade ‘de bem’, era alguém a se admirar, me pareceu à época.
Ele era um outsider autêntico, pois optara conscientemente por uma ética ao avesso. Então eu também procuraria, à minha maneira, ir ‘contra a corrente’, e durante algum tempo cultivei esse mito, esse fascínio pela transgressão, pela marginalidade, admirando como na letra de Chico Buarque, os “bandidos e desvalidos”, com Genet no alto do meu panteão de anti-heróis da juventude. Ainda que, a bem da verdade, tal fascínio nunca passou de uma adesão platônica a qualquer projeto de vida tão radicalmente alternativo.
Essa sedução pela vida marginal e no seu limite, a fascinação pelo grande criminoso perpassa alguns estudos psicanalíticos, a ponto de se dizer que somos todos delinquentes ou pelo menos suspeitos de o sermos, já que em nossa subjetividade mais profunda e em nossos sonhos em particular, somos todos imorais. Analiticamente, o imoral é uma parte de nosso ser. Não existe em nós somente a “honra”, mas também o “horror” é o que a psicanálise agregou à ideia do ser humano.
A interpretação dos sonhos proposta por Freud (1925) modificou a concepção que tínhamos sobre nós mesmos, e ele escreve todo um capítulo de sua obra a respeito da responsabilidade moral pelo conteúdo dos sonhos, “a psicanálise mostrou inclusive que essa parte desconhecida, o inconsciente recalcado, que está dentro de mim, que me move e atua habitualmente através de mim – ainda que Freud a chame de ‘isso’ – está em continuidade com o meu ‘eu’.”
Visto de outra forma, também o sentimento de culpa, seja ele expurgado conscientemente pela realização do crime ou pela confissão, identifica o quão criminosos somos inconscientemente, de certa forma isso explica que: […] em parte, o „fascínio‟ que temos pelo crime e pelo criminoso: de certa forma, o criminoso realiza nossos desejos reprimidos. […] Mas o espetáculo da condenação, e principalmente da execução, faz eclodir o paradoxo desse fascínio: o ato legal de matar. O Estado que mata, no caso do cumprimento de pena de morte, também é aplaudido na praça pública da história, da mesma maneira que as penitenciárias fétidas e os sanguinolentos jornais e programas de TV com máxima audiência.
O imaginário social e as Artes também foram inundados a partir da modernidade, pelas representações de “mocinhos e bandidos”, e aqui não seria o espaço para entrar nessa seara, apenas ressaltar as mudanças ocorridas na literatura, notadas por Foucault a partir do desaparecimento dos folhetins e o surgimento de uma nova literatura no século XX, retratando uma certa elitização do crime:
[…] à medida que se desenvolveu uma literatura do crime totalmente diferente: uma literatura em que o crime é glorificado, mas porque é uma das belas-artes, porque só pode ser obra de seres de exceção, porque revela a monstruosidade dos fortes e dos poderosos, porque a perversidade ainda uma maneira de ser privilegiado (…) há toda uma reescrita estética do crime, que é também a apropriação da criminalidade sob formas aceitáveis. É aparentemente a descoberta da beleza e da grandeza do crime; na realidade é a afirmação de que a grandeza também tem direito ao crime e se torna mesmo privilégio dos que são realmente grandes. Os belos assassinatos não são para os pobres coitados da ilegalidade.
A escolha do tema de pesquisa surgiu a partir de vários questionamentos de natureza sociológica, e também subjetiva. Mesmo não sabendo ao certo se conseguiria responder a todas as questões, partí do pressuposto da ciência social de que o “importante é perguntar”, muitas vezes em detrimento das respostas que se possa obter. Assim, durante seis meses ao longo da tomada de contato com o “campo”, nas idas semanais à Penitenciária de Piraquara, estive ouvindo e gravando, mas principalmente observando e escrevendo aquilo que as detentas expressavam a cada momento, instigadas pelas propostas que eram apresentadas a elas pelos professores³.
Muito se tem escrito atualmente sobre a mulher presidiária: livros, artigos e teses….Contudo, não encontrei trabalhos que vinculassem o tema com a questão das representações imagéticas realizadas pelas próprias presidiárias. Há trabalhos de fotógrafos que registraram mulheres na prisão, como o excepcional ensaio de Adriana Lestido (2007), Mujeres Presas, onde a fotógrafa argentina traça uma narrativa imagética enfocando, sobretudo a problemática de classe entre presidiárias em Buenos Aires. São imagens dramáticas em preto e branco, mostrando rostos sombrios de mulheres ante a realidade dos presídios que é a mesma em quase toda a parte: um ambiente hostil, decadente, sujo e miserável sob todos os aspectos.
Após uma longa pesquisa sobre o estado da arte me veio a consciência de que não queria repetir a ideia do pesquisador tendo ascendência sobre seu ‘objeto’ de pesquisa mas sim transformá-lo realmente em sujeito da pesquisa, promovendo seu protagonismo visual, invertendo o sentido habitual do fotógrafo – “dono do olhar”, dos bens materiais e simbólicos – e de seus fotografados, passivos ante a câmera, se prestando a ser objeto de representação, apenas. Sem direito a voz, e principalmente sem direito a dizer do seu olhar, surgindo daí também o nome para a exposição resultante da oficina, “Olhares e Vozes do Cárcere”.
Procurou-se então, no desenvolvimento do trabalho dar voz e visibilidade às detentas – às suas formas de expressão e representação – nossas interlocutoras e protagonistas principais. Porém, o corpus fotográfico resultante da oficina realizado na unidade feminina do complexo penal de Piraquara, passou por uma censura muito severa. O acervo de mais de 2.500 fotos precisou aguardar um bom tempo e foi crivado de restrições a fim de que pudesse vir a público, mesmo para uso restrito. Os critérios de interdição das imagens foram: não mostrar a estrutura física dos prédios como medida de segurança e não mostrar os rostos das presidiárias, a fim de preservar suas identidades. Além disso não foi permitido mostrar as condições físicas deterioradas do presídio.
A estruturação do trabalho foi baseada no tripé, Interações, Identidades e Sensibilidades, onde além da tomada de fotos, edição e leitura de imagens, fase que é denominada de Alfabetização Visual – (termo ainda polêmico no ensino de artes visuais) – utilizamos a estratégia de entrevistas para um melhor conhecimento das trajetórias de vida que forjaram a identidade de cada uma das detentas. Além disso, foram desenvolvidas dinâmicas de grupo e rodas de conversa, no sentido de desenvolver as inter-relações no modo de ver e falar do mundo de cada uma delas e promover diálogos entre o grupo a fim de traçar um primeiro retrato sócio-foto-biográfico.
Uma das questões investigadas era a de que fatores e circunstâncias levaram essas mulheres a cometerem delitos pelos quais foram penalizadas, e de que maneira se constroem suas identidades no espaço prisional. Rupturas, se é que houve, em suas trajetórias de vida que as levaram ao “mundo do crime”. Ao tratar das sensibilidades expressas pelas detentas através da fotografia em suas auto-representações, nas representações do espaço prisional ou na manifestação de suas intersubjetividades. Assim, a oficina de fotografia que se disponibilizou às presas para o aprendizado e tomada de imagens, foi também uma forma de coletar material empírico para a pesquisa.
Ocorreu-me em certo momento, a ideia de ir até a biblioteca do Colégio Estadual do Paraná procurar o livro O Diário de um Ladrão de Genet, a que fiz referência no início. Retornei ao local onde passei vários anos da minha vida, a maior parte deles, felizes. Mas encontrei um colégio diferente daquele que havia conhecido, agora cheio de grades, portões, trancas e cadeados, lembrando em muito um presídio. Tive de apresentar documento de identidade e assinar uma ficha na portaria, além de explicar detalhadamente o que fui fazer lá para a recepcionista que me observava com um olhar austero e desconfiado. Como alerta Foucault, “devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas, com as escolas, com os quartéis, com os hospitais, e todos se pareçam com as prisões?”
O que aconteceu de fato, foi extremamente prosaico: o bibliotecário checou o acervo do colégio no computador, encontrou somente uma obra do autor, e não era a que eu procurava. Gostaria de falar da emoção de encontrar o mesmo livro, aquele que havia lido na adolescência, folhear, ler, cheirar esse livro, mas creio que esta cena é apenas a lembrança de um filme que assisti. Ao ver minha decepção estampada, o bibliotecário disse que muitas obras haviam sido doadas a outras instituições do estado. Sair do colégio foi ainda mais difícil, pois, me perdi através de labirintos, portas e muitas grades.
Fui encontrar o diário na Biblioteca Pública do Paraná, em uma edição de 2005, com apresentação de Ruth Escobar, que hospedou Jean Genet em sua casa em 1970, em São Paulo, por ocasião da produção de uma peça de sua autoria, com introdução de Jean-Paul Sartre, e o conteúdo era o mesmo, lírico e contundente. Escobar fala dessa intensa vivência com o escritor quando esteve no Brasil, e a influência profunda que teve em seu trabalho teatral, e em sua vida:
“Jean me inoculou a angústia eterna dos que vivem nas trevas e no limite da vida, a angústia dos delinquentes por falta de amor. Ele me ensinou a ternura pagã pelos criminosos, pelos marginais, pelos anatematizados. Durante anos tentei entender esse outro mundo levando meus espetáculos para trás das barras, até enfiar-me num projeto de ressocialização e humanismo dentro da Penitenciária do Estado. Quando me faltavam forças pensava em Genet, em sua história de amor e maldição”.
Ao escrever esse texto mergulhando em minhas próprias memórias, penso que a razão foi tão-somente para elaborar uma linha de coerência, um fio condutor, ou talvez para entender o motivo de perseguir tenazmente o objetivo em desenvolver este tema, já que foram enormes as dificuldades e obstáculos que se apresentaram no processo todo de sua elaboração.
Pode-se mesmo dizer, que esta pesquisa foi permeada de paixão e compaixão em todas as suas fases: paixão pelo tema e pelo trabalho que estava realizando no presídio e compaixão para com as pessoas que encontrava nas idas ao Complexo Penal, mas não somente as presidiárias, como também as famílias dos presos, aquelas visitas que vinham de longe com sacolas e crianças e não conseguiam permissão para entrar naquele dia. E pelos próprios funcionários, a maioria deles, atenciosos e solícitos para conosco.
Houve dias, até meses mais difíceis, em que muitas vezes precisávamos esperar os trâmites burocráticos para ir adiante, e suportar todos os impedimentos institucionais e humanos. Um dos problemas que tivemos de enfrentar foi a falta de equipamentos fotográficos para o uso das detentas, uma questão fundamental, mas o projeto não possuía fomentos que pudessem contemplar esses recursos. Tivemos que fazer uso de material emprestado e dos nossos próprios equipamentos profissionais. Mas também houve aqueles momentos prazerosos no diálogo com as presas, em perceber sua evolução na arte fotográfica, os resultados gratificantes, momentos em que tudo parecia perfeito, e nossas metas alcançadas.
Encontrar aquele livro da adolescência, foi como encontrar-me, voltar ao passado e perceber alguns aspectos da minha trajetória de vida. Com isso, acertei as contas com o passado. Porque ao fim e ao cabo, superando tudo, todos e principalmente a mim mesma, o tema da pesquisa foi aquele que acabou vigorando e chegando ao desafio final. Creio que tudo valeu a pena e esta introdução talvez não explique muita coisa, talvez tenha sido escrita simplesmente para exorcizar meus fantasmas da juventude, e assim sendo, eu os liberto para que vão em paz….
Notas:
¹ Jean Genet foi o autor maldito por excelência da primeira metade do século XX. Nascido de pai desconhecido, abandonado pela mãe aos sete meses, criado no orfanato, homossexual declarado numa época em que opções sexuais eram ocultas. Fez todo tipo de biscates, passou pelo reformatório e acabou preso, por roubos e crimes. Chegou ao sucesso graças ao seu gênio literário, que chamou a atenção de Jean Cocteau e muitos outros intelectuais franceses, despertando intensa admiração por sua poesia, peças de teatro e romances. Jean-Paul Sartre ficou tão impressionado com as circunstâncias e o talento avassalador de Genet, que escreveu um ensaio de 500 páginas a seu respeito, intitulado “São Genet, ator e mártir”, publicado em 1952.
Disponível em: (http://revistapiaui.estadao.com.br/questoes-manuscritas/o-testamento-de-jean-genet/).
² Todas as imagens que constam nesta matéria foram realizadas pelas detentas da Oficina de Fotografia no extinto PCEF (Presídio Central Estadual Feminino) em Piraquara/PR, e constam da Exposição Fotográfica “Olhares e Vozes do Cárcere”. Esta exposição foi premiada como a melhor Curadoria no 43º encontro anual da ANPOCS (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais).
³ Além da autora, participaram da Oficina vários professores: a Coordenadora do Curso de Extensão e Co-Orientadora da Tese, Sonia Haracemiv – UFPR (Dinâmicas de Grupo e Rodas de Conversa); Cadu Silvério (Fotografia), Julio César Ponciano – Grupo Marista (Vivência Antropológica), Vanisse Simone Corrêa- Unespar (Vivência para Portraits), Paulo Ross – UFPR (Palestra de Abertura). Contamos ainda com a colaboração preciosa de vários profissionais do DEPEN (Departamento de Execuções Penais) como a Diretora da Unidade Feminina, Suely Vieira Santos, da Profa. Joselene Althaus Manosso e da Assistente Social Juvanira Mendes. Expresso aqui novamente, meus agradecimentos mais sinceros a todos eles e elas.
Referências: (pela ordem em que aparecem no texto)
GENET, Jean– Diário de um ladrão, Editora Nova Fronteira, R. Janeiro:2005
FOUCAULT, Michel – História da Sexualidade: o cuidado de si. V.3- Editora Graal. R. Janeiro: 2009
_______________ – Vigiar e Punir: o nascimento da prisão – Editora Vozes; Petrópolis, RJ: 2014
DURKHEIM, É. – As Regras do Método Sociológico, São Paulo, Martins Fontes, 2007.
BOURDIEU, Pierre – Pierre Bourdieu avec Löic Wacquant; Réponses. Pour une anthropologie réflexive. E.Seuil, Paris:1992.
_________________ – Un art moyen, essai sur les usages sociaux de la photographie. Paris: Minuit, 1965
LAHIRE, Bernard – Retratos Sociológicos: Disposição e Variações Individuais
Artmed; 1ª edição, P. Alegre: 2004
ALAIN-MILLER, Jacques – Nada mais humano que o crime. Disponível em: http://almanaquepsicanalise.com.br/wp-content/uploads/2015/09/Nada-mais-humano-que-o-crime.pdf
LESTIDO, Adriana – Mujeres Presas, Dilan Editores, B.Aires: 2007
OLIVEIRA, Maria Márcia Costa- Alfabetização visual: uma abordagem arte-educativa para a contemporaneidade. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/esse/article/view/49226
FREUD, Sigmund. Algumas notas adicionais sobre a interpretação de sonhos como um todo (1925). Rio de Janeiro Imago: 1990,p.163-167. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v.19). Disponível em:
http://www.institutopsicanalisemg.com.br/psicanalise/almanaque/04/textos/Nada%20%20mais%20humano%20que%20o%20crime.pdf
Que texto forte e potente. Parabéns
Muito bom o seu texto… li com prazer:)
bjs
Best regards,
Renata Siuda-Ambroziak, PhD
(Recebido por email)
Bel, em primeiro lugar te parabenizo pelo belo trabalho, instigante pesquisa de campo. Em segundo lugar me pego aqui pensando em como arriscar alguns comentários diante de um trabalho tão lindo como o que você desenvolveu naquele lugar, um lugar marcado por tantas histórias de dor, sofrimento e injustiças e, ao mesmo tempo, você se ver desperta para as oportunidades de vislumbres de esperança e de crença nos nossos semelhantes. Realmente é uma oportunidade de renascimento em nós mesmos para aquelas realidades que a muitos são desconhecidas, principalmente para os teóricos e críticos de gabinete. Quando me refiro ao lugar da tua pesquisa de campo como um lugar marcado pelas emotividades negativas, especialmente às injustiças, me refiro a uma questão específica do Direito Penal em sua característica seletiva que o marca pela dinâmica de sua atuação (dinâmica, pois, do ponto de vista dogmático é estático), ou seja, ao fato de que mais de 50% por cento das mulheres encarceradas naquele lugar, lá estarem em razão de terem sido condenadas pelo crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei 11.343/2006). E nesse ponto, eis a complexidade que envolve todas as discussões que envolvem a própria ofensividade de um bem jurídico que, segundo a lei referida, atingiria a saúde pública, como se cada cidadão fosse atingido em sua individualidade pela prática consentida de alguém que, em tese, ofenderia bem jurídico próprio. Protejam nossas crianças desses traficantes! Os hereges da pós-modernidade!
Em terceiro lugar, e naquilo que somente a arte é capaz de proporcionar transformações, percebo o teu talento artístico direcionado pela percepção do sensível. O comum da imagem do cárcere é a imagem da miséria, daquela desgraça transmitida imageticamente pela sujeira, pelo feio, representando, assim, aquilo que no discurso crítico da teoria criminológica da pena (em sua crítica à mesma função segundo o discurso oficial da pena criminal) fundamenta a função retributiva da pena criminal em seu sentido expiatório de culpabilidade, ou seja, as permanências inquisitivas que atualizam a vingança punitiva dos seres humanos. Assim, da imagem de dor e sofrimento, para a arte da beleza do ser encarcerado. Realmente, primoroso! Mas, e aí percebo o desafio, como transmitir o sentido imagético diferenciado numa sociedade cada vez mais marcada pela brutalidade dos sentimentos, de modo que o significado e o sentido proposto transpassem os umbrais daquele lugar e tocar, para além das próprias mulheres e seus familiares, funcionários, mas uma parcela significativa daqueles sujeitos de poder que realmente poderiam promover mudanças institucionais para que trabalhos como o teu e o da Mariáh Marques Cardoso (Dança tribal e sentimentos expressos pelo corpo silenciado no cárcere feminino – dei uma fuçado nos textos de tua coluna na revista) sejam realizados sem as dificuldades que a burocracia penitenciária (sob o pretexto de manter a ordem, a disciplina e não arriscar qualquer dano à segurança do estabelecimento penitenciário) coloca como obstáculo às pesquisas de campo dentro das prisões? É a própria função oculta ou latente encoberta pelo discurso de retribuição e prevenção atribuído a pena criminal que fundamenta teoricamente todo o entrave burocrático promovido pelos funcionários do sistema carcerário. Função essa de disciplina da classe trabalhadora e manutenção do status quo da escala vertical da hierarquia de classes da sociedade. Assim, se o cárcere deveria ser um ambiente aberto à sociedade, em especial às instituições acadêmicas, imprensa etc., o estado o fecha às intromissões indevidas, principalmente dos pesquisadores, a fim de manter a eficácia da real função da pena criminal: para além da retribuição de culpabilidade, mas, sim, a destruição física e psíquica das pessoas condenadas. Para se pensar sobre os agradecimentos finais aos funcionários do sistema, pois, não passam de ortopedistas da moral (gosto designação de Foucault) a serviço do estado a fim de cumprirem as reais funções da pena. Claro, há as exceções, mas para mim, regra e não exceção. Você assistiu o filme Bicho de Sete Cabeças, estrelado pelo Rodrigo Santoro? Se sim ou se não, presta a atenção no personagem diretor do hospital psiquiátrico!! É como aqueles reguladores de comentários: só posta os positivos! Assim são os funcionários daquele lugar!
E daí você “num projeto de ressocialização e humanismo dentro da Penitenciária do Estado”, projeto esse, segundo Foucault e Baratta, técnico-corretivo (Juarez Cirino) de cumprimento de suas funções às avessas! As famosas ideologias res teoricamente expostas magistralmente por Raul Zaffaroni! Funciona? Depende!! Mas ao mesmo tempo reproduz suas reais funções em outras instituições. E aí de Goffman, Foucault, mas principalmente em Baratta em seu famoso capítulo XIII de sua Criminologia Crítica e Critíca do Direito Penal (foi esse o texto que te enviei certa feita?). Muito pertinente a tua citação ao Foucault: “devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas, com as escolas, com os quartéis, com os hospitais, e todos se pareçam com as prisões?” Enquanto persistir o modelo capitalista de economia, essa similaridade será sempre atual.
Para além dos nossos próprios preconceitos em relação ao comportamento desviante, fruto do desconhecido, a revelação que você menciona sobre os motivos e circunstâncias que as levaram a delinquir, mascara um grande equívoco na fala delas, uma vez que a grande maioria, principalmente as condenadas pelo tráfico de substancias ilicitamente proibidas (Maria Lúcia Karam), mascaram a atração pelo perigo para ocultar suas reais necessidades materiais movidas pelo desejo pelos bens inacessíveis, pois, dados de pesquisas empíricas demonstram que a maioria sequer têm recursos financeiros para pagar advogados particulares para promoverem suas defesas criminais, bem como que, após realmente perceberam a destruição que o cárcere promove em suas vidas físicas e psíquicas, se dão conta de sua miserabilidade. Participei de duas pesquisas sob esse tema. A primeira pelo PPGD da UFPR (Katie Arguello e Mariel Muraro) no mesmo lugar que você fez o campo da tua tese, e a segunda pela UNB (Evandro Charles Piza). Então, a fala delas mascara as ilusões dos desejos de consumo da classe trabalhadora, pois, é dessa classe que elas são provenientes, quando não, provenientes da própria ralé, aquele nível abaixo da classe trabalhadora (Jessé Souza). Nenhuma vantagem advinda do crime, pelo contrário. Daí não responderem satisfatoriamente a essa questão, pois, sequer têm consciência de classe, incapazes de participarem de uma resistência que somente elas podem ser protagonistas. Em que pese, de vez em quando um motim, uma rebelião… sem jamais causar rupturas nas instituições que promovam a realização de direitos humanos. Veja, as mulheres não possuem a mesma força violenta que os homens encarcerados promovem em suas rebeliões, principalmente no fator derramamento de sangue. Mas aí já envolve outra questão: a natureza feminina, biológica principalmente, maternidade… Outro ponto diz respeito a determinação de comando imposto pelas facções criminosas no interior das prisões paranaenses. Outra questão complexa que não cabe aqui, nessa minha despretensiosa percepção da introdução do teu trabalho.
Quanto a tua principal base teórica, sob inspiração de Genet, eu comparo aos três grandes nomes da base fundacional da Criminologia Crítica sob a vertente marxista: William Bonger (Holandês, 1876-1940), Evgeny Pasukanis (Soviético, 1891-1938) e Georg Rusche (Alemão, 1900-1950). Todos experienciaram a violência estatal, pagaram o preço da resistência com a própria vida, porém, produziram os maiores referenciais teóricos da estrutura de base da Criminologia Crítica! Genet sobreviveu! Que vitória! Vejo Deus nesse propósito! Admito aqui que nunca li Jean Genet, mas, vou ler esse grande!
E eu me pego aqui pensando sobre até que ponto você considerará essas minhas linhas. Não sei! Mas é a minha percepção despretensiosa. E, como você, porém, sob outra perspectiva, de igual modo encarando meu passado e trajetória de vida, tão marcada pelas agruras do cárcere e realidade das violências institucional e estrutural do estado e da sociedade. Sobrevivência! E nessa pegada, Viktor Frankl como inspiração! Exorcizemos nossos demônios! Abraço fraterno!
Washington Pereira da Silva dos Reis.
Texto maravilhoso, Izabel, doutora. Dele, destaco a ideia que me fica: uma mulher encarcerada nos muros de um presídio; outra, encarcerada nos muros da riqueza. Qual a diferença? Marx fez a pergunta fundamental sobre quem era verdadeiramente escravo: o escravizado que tem consciência disso ou o escravizador que não a tem?
Teu texto me fez viajar junto contigo ao teu passado, refletir sobre o delicado problema da estigmatização social e ainda entrar junto com você nesses lugares cheios de significação histórica e afetiva… Parabéns!
Minha amiga,
Seu texto tem a densidade que só alguém que se tenha de fato entranhado no labirinto psicológico e físico que é o sistema em uso para ressocialização de quem transgrida as normas da “exemplar” sociedade…
E amparada por quem já havia percorrido, real e metaforicamente, os tais caminhos tortuosos aos quais costumamos chamar de “margem”. Esse exercício de transmissão da mensagem, da maneira que imprimes, faz muito bem a ti (e a nós também).
Recebido de: Salim Rosa (pelo Facebook)
A busca do livro perdido, como a busca por um Graal que qualificasse a narradora para vir a interagir como personagem no universo que se propunha a abordar em sua escrita! Belo e complexo texto!