“Todos os dias que depois vieram, eram tempo de doer. Miguilim tinha sido arrancado de uma porção de coisas, e ainda assim, estava no mesmo lugar! Quando chegava o poder de chorar, era até bom – enquanto estava chorando, parecia que a alma toda se sacudia, misturando ao vivo todas as lembranças, as mais novas e as muito antigas, aquelas coisas bonitas que o tempo havia de sempre teimar em tirar.”
Guimarães Rosa conta genialmente, como sempre, a melancolia do menino Miguilim, e nisso descreve uma condição humana, um mal que atinge ricos e pobres. Situado entre o passado e o presente, difícil de classificar entre o somático e o espiritual, dele padecem muitos brasileiros, e, em particular, muitos jovens estudantes em nossas escolas.
Apesar de frequentemente idealizarmos um passado em que não havia poluição ambiental e estávamos mais próximos da natureza, o fato é que, na média, grande parte da humanidade vive hoje em condições materiais melhores das que jamais existiram para tantos, ainda longe da verdadeira justiça social, o acesso a alimentos, a tempo livre e algum nível de informação é uma realidade quase geral. Além das evidentes vantagens para a sobrevivência, isto resulta na fragilidade potencial para a “melancolia”.
Moços demais para serem responsáveis pelo sustento familiar, mas já sofrendo as consequências dos descalabros econômico-financeiros provocados, em grande parte, pelos equívocos políticos de nossos governantes, são os alunos das escolas públicas as principais vítimas deste mal.
Este fenômeno parece ter origem em alguns mecanismos simultâneos, manifestos em um percurso escolar mais longo e cheio de percalços, de desistências do estudo para auxiliar a família ou pelo sentimento de inutilidade dos seus esforços, repleto de avanços e recuos, ao final dos quais o estudante – quando chega a concluir seu curso, já que a evasão é imensa – descobre-se em idade social defasada em relação aos demais, quase sem poder obter alguma recompensa material ou mesmo simbólica pelo esforço de manter-se na escola.
Quando não fracassam totalmente, obterão um diploma relativamente desvalorizado, e o mais cruel é que, aparentemente, terão tido todas as chances; ou seja, seu fracasso será pessoal, e não creditado a um processo perverso que os carimba como preguiçosos ou incapazes.
É preciso considerar que desde os anos 1950 até a década de 1990, o sistema de ensino praticamente no mundo inteiro passou por uma mudança que teoricamente democratizou a instituição escolar. Se antes estudantes eram eliminados, pura e simplesmente, ao início do processo de escolarização, o que quer dizer reprovações em massa ao início do primeiro ciclo do ensino básico, em nome da crença no valor dos títulos e conhecimentos escolares passíveis de verificação pelas avaliações, hoje tal eliminação fica diluída no tempo, de certa forma provocando sua postergação para os níveis superiores da escolaridade.
Um dos exemplos, no caso brasileiro, foi a instituição da continuidade dos estudos pela não reprovação, agenda bem-intencionada porem efetivamente incapaz de sanar as causas do mau aproveitamento escolar. Sem solução para a necessidade de acréscimo de qualidade no ensino, o resultado foi apenas o de “empurrar” os alunos para os níveis seguintes, onde dificultavam ainda mais o trabalho docente, que somado à infraestrutura deficiente e uma contingência social de frequência às aulas muitas vezes exclusivamente pela merenda – quando esta não era desviada – provocou o caos em que nos encontramos hoje.
Quando observamos estes alunos em profunda melancolia, lamentamos pensar que muitos são inteligentes, criativos, poderiam aspirar melhores condições de vida e contribuir no desenvolvimento do país. Mas parecem ter desistido, em grande parte devido ao círculo vicioso infernal que deixamos ser criado na educação que lhes é proporcionada: há pouca qualidade no ensino, então pouco desempenho é cobrado, portanto a qualidade diminui mais ainda, daí a cobrança idem, etc. Até quando?