Ruas são espaços públicos, portanto de todos e todas. Ruas são paisagens que mostram os lugares sociais de seus circulantes, tanto dos que nela estão incluídos como os que, embora presentes, dela são excluídos. Pessoas passam apressadas, outras nem tanto. Entreolham-se. Ao verem uma pessoa morando na rua, algumas o fazem sentindo sabe-se lá o que, talvez compaixão, talvez injustiça? Outras desviam o olhar ou mesmo atravessam para o outro lado da calçada, sabe-se lá porque, não querendo ver a condição de existência do outro ou culpando-o por essa condição?
Sim, temos um “portal” que abrimos e fechamos para nos relacionar com os outros, com quem nos deparamos no cotidiano, que direta ou indiretamente, nos afeta e afetamos. Esse portal depende, em parte, de nossa capacidade empática e é sobre empatia e sua condição para que os direitos humanos e a não violência persista em tempos de crise que trataremos aqui. Tempos em que vemos o estímulo à cultura do ódio, tempos da anti-empatia com os excluídos do acesso aos bens materiais e simbólicos, tempos da anti-empatia mediante direitos sociais anteriormente conquistados.
Sem negar os fatores macrossociais políticos e econômicos que levam à compreensão da realidade e sua relação com os direitos humanos, de uma perspectiva micro, tratar da empatia poderá ser oportuno para nosso ajuizamento no momento atual. Assim é que se imaginarmos um espiral em linha decrescente, há uma sociedade ampla que se afina em grupos sociais, chegando ao indivíduo, ao indivíduo capaz de ser empático e em direção contrária, do indivíduo à sociedade, em linha crescente, ambas dialeticamente atuando e transformando-se, por isso a possibilidade de análise a partir de diferentes perspectivas.
O que a empatia tem a dizer sobre nós, os humanos?
A palavra empatia tem sua origem na língua dos gregos, emphateia, com o significado de paixão, estado de emoção, formada por “em”, que quer dizer em, dentro de, e por “phatos”, que quer dizer sentimento, emoção, sofrimento.
Passada do grego para o alemão e chegando à nossa língua materna, uma definição já encontrada é que empatia é a capacidade de se colocar e simular a perspectiva subjetiva do outro para compreender seus sentimentos e emoções; é uma resposta afetiva deflagrada pelo estado emocional do outro e uma compreensão dos estados mentais do outro. Que empatia é colocar-se no lugar do outro pensando e sentindo como tal, gerando ações de consolo e ajuda ao seu igual assim como o sentimento de cooperação derivado dessa condição. Reconhecidamente presente no desenvolvimento humano há décadas, perpassa concepções filosóficas, sociológicas, psicológicas e da neurociência a respeito das relações sociais, que por sua vez, não nos esqueçamos, ocorrem em condições históricas e concretas de nossa existência.
Explicada assim, parece simples, mas nem por isso frequente, haja vista, por exemplo, a pouca sensibilidade das políticas atuais para com a infância e com as pessoas idosas, faixas etárias vulneráveis, objeto da atual interrupção para a completude dos direitos à assistência e educação de crianças e jovens e à aposentadoria digna na velhice.
Identifica-se que as crianças são empáticas quando pequenas. Basta fazer um teste para comprovar a afirmação: se um casal de adultos com quem a criança tem ligação, simular uma discussão e um deles fingir estar chorando, a criança se dirige a este, como se ensaiasse algum tipo de consolo com quem esta sofrendo, neste caso, supostamente. A criança, desde pequena, mostra-se sensível ao sofrimento alheio! Importante para a escola, para possibilitar situações de relações empáticas para que no futuro, o individualismo que rege a indiferença de adultos frente ao sofrimento alheio seja substituído e estruturado pelo sentimento do bem e do bom para todos, pelo sentimento de equidade para que a igualdade social de fato aconteça. Lembrando a teoria do espelho neural, também para que seja um ambiente em que a cooperação entre adultos possa ser um modelo a ser seguido pelas novas gerações. Conclusões como estas são importantes para todos nós, pois nos possibilita reafirmar que trilhar outros caminhos que não o da competição extrema ao longo do nosso desenvolvimento social e pessoal é possível. Como não ser empático com crianças que ainda trabalharão às vistas da recente política pública? Como não ser empático com pessoas idosas que morrerão trabalhando em condições pesadas e desumanas sem que se aposentem? É nesse âmbito da vida e da convivência em sociedade que é possível estabelecer uma relação entre os sentimentos empáticos que gerem ações cooperativas, por um lado e os direitos humanos, por outro, estes perpetuadores e recriadores da empatia enquanto componente civilizatório.
Empatia sim, porém com alguma cautela…
Há que se defender e desenvolver sentimentos empáticos plenos. Contudo, algumas sombras do portal da empatia precisam ser dissipadas. Uma delas diz respeito à capacidade de se colocar no lugar do outro apenas pensando como tal, contudo, com baixo nível da emoção empática, que como dito, é fundamental para gerar o sentimento e ação de ajuda e cooperação com o próximo.
Sob essa condição, o componente mais racional surge isolado do afeto contagioso que leva à cooperação, à solidariedade junto ao outro. Não havendo reciprocidade plena, não há sentir como o outro e nesse caso, tal condição pode levar ao prejuízo, humilhação ou destruição do outro, como no caso extremo da tortura.
Um torturador é capaz de racionalmente não só se colocar no lugar do outro como até saber até onde pode ir, tornando-se cruel. Sabe que existe o sofrimento do outro, mas não o ampara nem coopera; pelo contrário, atua para que esse sofrimento vá até o máximo do que o outro possa suportar, seja pelo abuso corporal, seja pela humilhação ou ambos, sem se importar, sem ser tocado pelo sofrimento alheio. E lembremo-nos, embora a tortura seja referida ao menos desde os tempos medievais, passada a nossa sociedade escravocrata, ainda que condenada, não está extinta no presente enquanto método confessionário em algumas instituições, entre as quais aquelas que agem em nome da segurança da sociedade. Na condição de uma empatia manipuladora do outro, a relação da empatia com os direitos humanos deixa de existir, tornando-se absolutamente condenável porque os desconsidera, porque os viola. Ainda no presente, é também o caso de se questionar que condição empática se revela naqueles que orientam políticas públicas para a educação das crianças e jovens brasileiros. Serão políticas prescritas por representantes públicos plenamente tocados e sensíveis às condições de vida da maioria da população jovem do país?
Outra sombra para a qual alertam aqueles que se dedicam ao estudo da empatia para as relações humanas é a da possibilidade de que sentimentos empáticos se manifestem reciprocamente com mais força entre integrantes de um mesmo grupo. Graças ao processo de identificação entre os que a ele pertencem, aqueles que deles diferem são percebidos como estranhos, no extremo, como inimigos, lembrando, por exemplo, o não tão distante genocídio de Ruanda e entre nós, mais recente e no presente, a morte de Chico Mendes e a perseguição aos sem-terra na região norte do país.
Finalizando, tal observação em relação à empatia leva a pensar também a questão do preconceito e discriminação de grupos hegemônicos ainda presentes frente a outros grupos, frente às diversas crenças e religiões, aos diferentes grupos étnicos, às diversas orientações afetivas e de gênero e mesmo em relação aos grupos das diferentes idades.
Nesse sentido, além da atenção às relações cotidianas, a preservação da legislação que orienta e criminaliza a violação dos direitos humanos – leis e estatutos diversos em vigor – deve continuar a combater a tendência a que grupos sociais hegemônicos se fechem “empaticamente” e desconsiderem que os direitos à liberdade, educação, saúde, moradia, aposentadoria digna, citando alguns, são direitos fundamentais de todos e todas.
Gostei do assunto de sua publicação, gostaria de ver se é pertinente de divulgar em meu site: link acima.
Sds.
Hermes