Cecília de Oliveira Prado*
Dentre as pautas recorrentes e atualíssimas na Educação em Direitos Humanos que busca discutir as dificuldades diárias encontradas frente aos mais diferentes setores da sociedade, encontra-se a questão de gênero. Nesse pequeno artigo discorreremos sobre um dos muitos fatores que recaem sobre as mulheres: a suposta inferioridade acadêmica no ramo da ciência. No senso comum quando no referimos ou pensamos em cientistas, invariavelmente associamos tal profissão/atuação a membros do sexo masculino, como se essa fosse uma “ação” associada a este gênero.
Entendemos que o que é próprio a um determinado gênero, masculino ou feminino, são construções sociais que encaminham os rumos acadêmicos de uma pessoa de acordo com seu sexo biológico e que colocam em evidência interpretações dos símbolos que tentam limitar e conter as possibilidades a partir do referencial biológico. Tal situação acarreta para as mulheres uma situação de desigualdade, pois, determinam o que meninas e meninos, homens e mulheres são ou podem vir a ser, academicamente.
Importante ressaltar que discutir questões de gênero não corresponde a discutir “coisa de mulher”, uma vez que, meninas e meninos, homens e mulheres, por vezes, passam por situações em que questões de gêneros são aviltadas. Exemplo clássico é a constante “estranheza” por parte de muitos, diante de faxineiros, manicures, enfermeiros, auxiliares de educação ou até mesmo de professores da Educação Infantil, quando estes são do sexo masculino. O estereótipo de que algumas profissões são destinadas a um determinado gênero, infelizmente, ainda persistem! A tal ponto que, recentemente, uma deputada do Estado de São Paulo apresentou projeto de lei visando impedir homens de atuarem como auxiliares de berçário, imaginando a legisladora que cuidados íntimos de crianças na Educação Infantil, como trocar fralda, dar banho e ajudar a ir ao banheiro, devem ser realizados exclusivamente por mulheres como forma de evitar possíveis abusos sexuais (o projeto ainda está em tramitação).
Desconstruir os preconceitos que encaminham meninas e mulheres com determinismo a apenas algumas profissões, é uma das funções da escola na Educação em Direitos Humanos e muito tem se produzido visando essa desconstrução, tal questão é tão importante que com o intuito de alcançar acesso e participação plena e equitativa na ciência para mulheres e meninas e, também para alcançar a igualdade de gênero e empoderamento destas mulheres e meninas, a Assembleia Geral das Nações Unidas, instituiu o dia 11 de fevereiro, como o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência.
A instituição de um Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência é uma conquista importante por se revelar como mais uma oportunidade em que um tema pode ser retomado na escola, chamando também a atenção da mídia e da opinião pública, demonstrando que temos um problema a resolver.
A seguir descreveremos alguns passos de uma sequência didática interdisciplinar, elaborada para uma turma de espanhol de 1º ano de Ensino Médio. Tal proposta foi escolhida por considerar que a discussão sobre mulheres na ciência tem caráter interdisciplinar, podendo e devendo ser abordada por todas as disciplinas.
Na sequência desenvolvida pedia-se antecipadamente que cada aluna ou aluno pesquisasse em casa, na biblioteca ou on-line e, trouxessem para o grupo, duas ou três pessoas que contribuíram para o avanço da ciência, informando somente o nome, ano em que nasceu e o tipo de contribuição dada para ciência – nesse momento nenhuma solicitação com relação ao gênero foi solicitada. Em sala, os alunos e alunas compartilhariam sua pesquisa, com o professor registrando na lousa os nomes e as datas dos cientistas citados, sendo que, ao final desta etapa foi lançada a seguinte questão: Quantas mulheres cientistas foram apontadas? Neste caso, a resposta foi que a maioria era de homens (resposta esta que tende a ser a mais provável!). Diante de tal identificação, o professor propôs um debate sobre a invisibilidade das mulheres nas ciências, apresentando os seguintes questionamentos: Por que encontramos tão poucos nomes femininos? Costuma-se pensar que as mulheres permaneceram alheias à construção de conhecimento científico ao longo da história? Será que temos consciência deste fato? Nos nossos livros didáticos, qual gênero aparece como protagonista na história da humanidade?
Nas aulas subsequentes, o professor apresentou pequenos vídeos (em espanhol) cujas protagonistas eram cientistas do gênero feminino, a saber: a microbiologista Alice Catherine Evans (1881-1975), a enfermeira e estatística Florence Nightingale (1820-1910), a bióloga e disseminadora Rachel Louise Carson (1907-1964) e a astrônoma Cecilia Payne-Gaposchkin (1900-1979). Após a apresentação de cada vídeo (um por aula), colocou-se em discussão a compreensão da língua espanhola e a redação, também em espanhol, sobre quais foram às contribuições dadas por cada das cientistas à comunidade científica. Por fim, retomou-se o procedimento de pesquisa, solicitando aos alunos e alunas que elaborassem um pequeno texto sob o objetivo de apresentar para toda turma uma cientista do gênero feminino.
O fato de crescemos, vivermos e nos desenvolvermos em uma sociedade machista, onde homens ainda podem tudo e mulheres ainda precisam superar muitas barreiras para exercerem a profissão que desejam é o ponto mais alto do debate proposto. Historicamente, ocorreram importantes conquistas, no entanto, ainda há muito a ser conquistado.
Acreditamos que a sequência didática, aqui apresentada, pode ser facilmente adaptada para outros componentes curriculares e até de maneira interdisciplinar, pois este é o grande propósito da Educação em Direitos Humanos: que as mais diversas temáticas possam ser desenvolvidas nas escolas em qualquer disciplina, caracterizando-se como temas transversais que visam desvelar o desconhecimento e questionar, como no exemplo apresentado aqui, a situação das mulheres em outras profissões, em outras áreas da sociedade. Quantas compositoras são conhecidas e citadas pelo grande público? E as matemáticas? E engenheiras? E programadoras? E prêmios Nobel?
Indicações dos vídeos (acessados em de novembro de 2019):
Os vídeos citados fazem parte da série “La mujer en la ciencia”, e estão disponíveis em:
Alice Catherine Evans: https://www.youtube.com/watch?time_continue=3&v=Et4j9Y_v8OQ&feature=emb_logo
Florence Nightingale: https://www.youtube.com/watch?time_continue=230&v=aluTORun4r4&feature=emb_logo
Rachel Carson
https://www.youtube.com/watch?time_continue=231&v=ULV018cz8pI&feature=emb_logo
Cecilia Payne
https://www.youtube.com/watch?v=MaEDuRqeQ54&feature=emb_logo
Referências
NACIONES UNIDAS. Resolución aprobada por la Asamblea General el 22 de diciembre de 2015. 70/212. Día Internacional de la Mujer y la Niña en la Ciencia. Disponível em: https://undocs.org/es/A/RES/70/212 acesso em 24/11/2019
CORREA, Maria Aparecida. Democracia e Direitos Humanos na escola: discutindo gênero e diversidade sexual. In: DIETRICH, A. M. & HASHIZUME, C. M. (Orgs). Direitos humanos no chão da escola. Santo André, SP: Universidade Federal do ABC (Coleção Transversalidades EDH), 2017.
Projeto quer impedir que homens deem banho em crianças em escolas. Artigo disponível em : https://noticias.r7.com/politica/projeto-quer-impedir-que-homens-deem-banho-em-criancas-em-escolas-29102019 acesso em 24/11/2019
Serie de animación “La mujer en la ciencia”, disponível em: https://mujeresconciencia.com/2019/11/19/serie-de-animacion-la-mujer-en-la-ciencia/?fbclid=IwAR3_H3zRf19QIhWr_KPGVjgGWwRRjLs2qrcaOeKYHB2j4Tf3csPrq2L7OMM acesso em 24/11/2019