Silas Malafaia entre os campos religioso e político brasileiros
Resumo
O presente artigo se propõe a analisar a trajetória do pastor e conferencista Silas Malafaia, e sua circulação entre os campos religioso e político, sua atuação no mundo secular, o alcance de seu discurso e seu comprometimento com uma agenda política conservadora baseada em preceitos bíblicos. Para isso serão usados conceitos-chave de Max Weber e Pierre Bourdieu, como carisma, campo e habitus, além de análises de sociólogos da religião brasileiros, que se debruçam sobre as temáticas neopentecostais e da atuação política evangélica. Este artigo se refere à pesquisa de mestrado para o Programa de Sociologia Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – PPGSP, ainda em andamento.
Palavras-chave: Sociologia da Religião, Religião e Política, Silas Malafaia.
Introdução
O presente artigo é uma tentativa de síntese do projeto de dissertação, que se propõe a analisar sociologicamente a trajetória do pastor e conferencista Silas Malafaia, suas influências e referências pessoais, religiosas, bem como sua atuação nas esferas religiosa e política brasileiras.
O objetivo de tal pesquisa de dissertação é pensar, a partir da trajetória de Malafaia, a atuação militante de atores religiosos no campo político brasileiro, na tentativa de compreender a relação de trânsito e permeabilidades entre as esferas política e religiosa, analisando como esse ator perpassa esses dois campos, de que forma circula entre um e outro com legitimidade em um ativismo conservador, empenhado com agendas políticas de direita, baseadas em justificativas religiosas, usando de elementos morais para justificar sua atuação no campo político.
Este breve artigo será dividido em três pequenas partes, além das considerações finais e desta breve introdução. A primeira parte tratará do referencial teórico, a segunda mais especificamente da trajetória pessoal do pastor Malafaia, sua vida pessoal e familiar, bem como sua atuação religiosa, em ordem cronológica, e a terceira parte, por sua vez, abordará mais especificamente a atuação do pastor no campo político, sua participação ativa em determinadas campanhas e sua militância por determinadas pautas, também seguindo uma ordem cronológica, a fim de facilitar o entendimento do leitor e a organização das ideias.
Referencial teórico
Bourdieu (1989) conceitua campo é um conjunto de forças, que ele chama de capitais, que estão em constante luta e que são determinados pelos habitus dos agentes. Os campos são compostos por capital econômico, social, cultural, simbólico, político, etc. de seus agentes, portanto não é somente a classe social a que um indivíduo pertence, mas também aos campos em que está inserido que interessam à análise. A classe é um elemento importante, pois determina vários desses capitais que compõem os campos, mas dentro da mesma classe encontram-se habitus diferentes, pois os sujeitos daquela classe estão inseridos em campos diferentes.
Em seu trabalho “A ilusão biográfica” Bourdieu (2002) aborda a diferença entre o conceito sociológico de biografia e o conceito de biografia presente no senso comum. Ele também fala sobre como a biografia se tornou parte da prática metodológica na Sociologia. Segundo ele existe no senso comum a ideia de que a vida segue um curso linear, uma ordem lógica e cronológica, e as narrativas biográficas literárias reforçam essa ideia. Mas para ele a vida das pessoas não segue esse curso lógico de acontecimentos. As histórias acontecem e transcorrem de maneiras diversas e cabe ao pesquisador organizar os fatos de modo inteligível no momento da transcrição de uma biografia científica.
A narrativa biográfica, segundo Bourdieu precisa respeitar os limites da História e deve considerar o agente em seu campo social, nas diversas posições que ocupa nesse campo, nas interações com os grupos sociais onde está inserido. Dessa forma o indivíduo deve ser considerado em sua totalidade, como ser biológico, como ser individual, que carrega um nome próprio, e como ser social e histórico. Unindo essa totalidade a trajetória individual e/ou de um grupo social é formada.
Os estudos biográficos enriquecem o conhecimento sobre a sociedade, mas a ilusão do real deve ser combatida com a compreensão da dialética entre indivíduo e sociedade/ individual e coletivo. O indivíduo lança mão de mecanismos de internalização e memória que são fornecidos pela própria sociedade, dessa maneira não é possível encontrar o que é único e pessoal ignorando o que é coletivo, o que foi objetivado através das interações sociais. Para ele a biografia sociológica está para além da vontade de agente e está ligada à dialética entre sujeito e o campo de forças onde está inserido. Para que essa trajetória seja narrada de maneira científica todo o processo histórico e social naquele espaço e tempo onde o indivíduo está inserido, precisa ser considerado.
Esta pesquisa, ainda em andamento, revisita também, como fundamentos teóricos essenciais, a concepção de carisma de Weber (2009), algo pessoal e visto pelos demais como mágico, divino, acima da normalidade; e de Bourdieu (2011), pra quem o carisma é definido pelo capital social e pelo lugar que se ocupa dentro do campo, onde a relação entre profeta e fiel é de conflito, de força e dominação.
Segundo Campos e Junior (2013), que analisaram os dois conceitos e os utilizaram de maneira conjunta, a circulação do carisma nos meios pentecostais se dá através de ensinamentos, de cursos e escolas de líderes, mas também se dá na interação ritual, na troca de energia emocional que acontece nos cultos. Dessa forma, o líder, como um profeta transmitiria carisma para os demais fiéis, tornando cada um deles um reprodutor de carisma. Sendo assim, em muitos casos nos meios neopentecostais, o profeta se torna maior que a própria denominação, extrapolando os limites da sua igreja e se tornando muitas vezes uma celebridade.
As trajetórias individuais dos líderes pentecostais são muito valorizadas, algumas se tornam publicações editoriais para consumo do público evangélico, e tais trajetórias são parte do carisma pessoal construído pelos líderes, materializando a força da religião como sistema (Durkheim – 1996) através da pessoa do líder e não dos símbolos sagrados.
Joanildo Burity (2008) discute as relações entre religião e política como campos de relações de forças, e ressalta a midiatização da linguagem religiosa, relacionando com isso o advento de uma bancada evangélica, que torna a presença dos neopentecostais impossível de ser ignorada.
Os atores religiosos no mundo contemporâneo têm visibilidade nas mais diversas esferas da vida social, lançando mão de um discurso que se pretende “verdadeiro”, independente do campo onde o discurso é feito, portanto a política feita por religiosos neopentecostais lança mão desse artifício discursivo de detenção de uma suposta verdade.
Burity ressalta que as religiões chegam onde o Estado não chega, ou onde o Estado falha; atua em espaços de extrema desigualdade, consegue atingir os “perdedores” da sociedade, pessoas que de algum modo sentem que falharam diante da sociedade capitalista de consumo, e oferece recursos simbólicos de mudança de vida.
Os evangélicos atuam não somente na política eleitoral, mas no que o autor chama de “sociedade civil eclesial”, entre o Estado, a sociedade civil e o mercado, exercendo muitas vezes um papel mediador.
Já segundo Cecília Loreto Mariz (2016) tanto os pentecostais quanto os católicos carismáticos praticam o que ela chama de religiosidade do “eu”, e se aproximam mais do que Weber e Durkheim definiriam como magia, pois valorizam a experiência encantada, que é individualista, subjetivista e emocional, se enquadrando no tipo ideal weberiano de “místico” ou “contemplativo”, gerando muitas críticas a essas vertentes dentro do campo religioso, na sociedade e também na academia.
Segundo a autora, a prática assistencialista pentecostal começa nos anos de 1990 e se dá por uma busca de legitimidade da esfera pública. Essa prática se dava ao mesmo tempo em que as igrejas lançavam seus primeiros candidatos a cargos políticos eleitorais. Mariz afirma que as igrejas pentecostais perceberam a necessidade de incluir em seu discurso argumentos racionais, não encantados, para obter legitimidade social e no campo religioso. Desenvolvem assim uma linguagem secular, e falar das obras sociais tem papel fundamental para a imagem desejada, de responsabilidade social.
Muitos dos líderes pentecostais também são políticos eleitos e/ou líderes de grandes projetos sociais, portanto são interlocutores no mundo secular, precisam dominar a linguagem de outros campos, além do religioso. Mariz define discurso como prática social que se produz no processo de troca e relações sociais, desse modo cada sujeito social possui múltiplos discursos, que se adequam aos campos onde circula. Os líderes pentecostais dominam esses discursos dos diferentes campos onde estão inseridos.
Para a autora o discurso religioso é facilmente adaptável ao discurso político, por isso é tão facilmente absorvido quando os campos se perpassam. Promove-se nas igrejas pentecostais uma relação entre evangelização e promoção de mudança social, pois a vida das pessoas está indo mal por estarem longe da “verdade” da igreja, por estarem dominados por espíritos obsessores, portanto, promover a evangelização é libertar as pessoas de tais obsessões e promover assim mudança e justiça social.
A mudança da linguagem mágica para uma linguagem com mais validade no mundo secular, onde o discurso religioso possa ser compreendido por interlocutores não religiosos se dá a partir da entrada dos neopentecostais no campo político e da ascensão social de seus líderes, sempre vinculando a ética religiosa à ética do trabalho (Weber – 2013).
A trajetória pessoal de Silas Malafaia é marcada pelo carisma, pela circulação entre os campos religioso e político, além da ampla atuação nos meios de comunicação. Segundo autores como Roberta Bivar Carneiro Campos, Eduardo Henrique Araújo de Gusmão e Cleonardo Gil de Barros Mauricio Junior (2015) e Jonas Christmann Koren (2016), as eleições presidenciais de 2010 marcaram a vida pública de Silas Malafaia, que atuou de forma incisiva contra a campanha da candidata pelo Partido dos Trabalhadores, Dilma Roussef, com a justificativa de que a candidata e o partido seriam a favor da PLC 122/2006, conhecida como a PL da criminalização da homofobia, que segundo Malafaia, feriria o direito constitucional de criticar o que ele chama de “conduta homossexual”. Outras questões como o casamento ou união estável igualitários e o descriminalização do aborto também se tornaram temas recorrentes no discurso do pastor e conferencista internacional Silas Malafaia.
Mateus de Fátima Brandão (2018) sinaliza a mudança teológica e discursiva do pastor, que coincide com seu alcance fora do campo religioso. Malafaia adere à Teologia da Prosperidade, condenada por ele no início de sua carreira (ministério), e passa a abordar temas seculares como centrais em seu proselitismo, tornando-se o que Cleonardo Gil de Barros Mauricio Junior (2016) denomina de ativista conservador evangélico, formador do “crente-cidadão”, onde o sujeito religioso e o sujeito secular se encontram e se perpassam, transpondo a teologia da guerra espiritual para a vida civil, com o objetivo de criar “protagonismo triunfalista evangélico na esfera pública”.
Escolhido de Deus
O conhecido pastor e conferencista Silas Lima Malafaia nasceu no Rio de Janeiro há 61 anos, filho de um membro da Igreja Assembleia de Deus que se tornou pastor. Afirma ter recebido de Deus um chamado, ainda na juventude, para seguir o ministério pastoral. É casado com Elizete Malafaia, também filha de um pastor assembleiano, com quem tem três filhos. Estudou Teologia e Psicologia, algo incomum em sua denominação, que, em seus primórdios no país, demonstrava desprezo pela educação teológica formal.
Outro fator importante da influência sueca na formação da AD brasileira foi a rejeição dos missionários ao aprendizado formal. Por serem culturalmente marginalizados, os missionários suecos, resistiam à pretensão à ilustração e assumiam que estavam formando uma comunidade de gente socialmente excluída (seja na Suécia luterana ou no Brasil católico) que não necessitava de m clero especializado. (KOREN, 2016, p. 35).
A carreira, ou ministério, de Malafaia tem início na Igreja Assembleia de Deus da Penha, no Rio de Janeiro, presidida por seu sogro, pastor José Santos, onde pregava contra a Teologia da Prosperidade. Porém, ainda nos anos de 1980, Malafaia estreia como televangelista, com seu primeiro programa televisivo, e os pedidos de oferta para a manutenção do programa no ar tornam-se frequentes, assim como a abordagem de temas pertinentes à vida secular, e não somente às coisas espirituais, outra mudança marcante em relação à doutrina inicial da Assembleia de Deus, que pregava o ascetismo do cristão e o afastamento das coisas e assuntos mundanos. (SOUZA, 2016; FERRAZ, 2014; KOREN, 2016).
A década de 1990 foi bastante produtiva para o pastor Malafaia, além do sucesso do programa, do lançamento da editora e da gravadora, em 1993 ele funda a Associação Beneficente Evangélica Renascer, que atualmente se chama Associação Vitória em Cristo, e em 1997 cria o Congresso Pentecostal Fogo para o Brasil, tornando-se assim um dos maiores conferencistas do país. Foi também no ano de 1999 que Malafaia e sua esposa Elizete se formam juntos no curso de Psicologia pela Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro. (idem)
Na primeira década dos anos 2000, Malafaia se consolida como um pastor e conferencista bem sucedido, com projeção nacional, impulsionada pela presença televisiva, e no ano de 2009 adquire um avião particular (BRANDÂO, 2018). Anos mais tarde, em 2013, seria citado pela revista Forbes como o terceiro pastor mais rico do país. No mesmo ano concede polêmica entrevista ao programa De Frente com Gabi, no SBT, para a apresentadora Marília Gabriela, demonstrando sua relevância no mundo secular.
Em 2010 o pastor José Santos, seu sogro e pastor presidente da Assembleia de Deus da Penha falece, e Malafaia assume a presidência da igreja e muda seu nome para Assembleia de Deus Vitória em Cristo, ao mesmo tempo que pede demissão do cargo de tesoureiro das Assembleias de Deus, afirmando que as finanças da AD são caso de polícia. (idem). Porém, seis anos após sua renúncia como tesoureiro das ADs, ele mesmo se encontra envolvido em um caso de polícia, quando foi alvo de condução coercitiva pela Polícia Federal na Operação Timóteo, por conta de um cheque de cem mil reais, supostamente recebido como uma doação pessoal pelo pastor, de um advogado que estava envolvido em um esquema de fraude. Sobre esse episódio, Malafaia dedica um capítulo inteiro de um de seus livros, onde narra sua versão dos fatos:
Uma condução coercitiva é um negócio terrivelmente constrangedor, e foi, diga-se de passagem, ilegal, pois os dois artigos da lei dizem que, para que seja feita uma condução coercitiva, são necessárias duas coisas: a primeira é quando uma testemunha não quer se apresentar, e a segunda é quando um acusado não quer se apresentar. Eu não me enquadrava em nenhum desses casos.
(…)
“Convoquem a imprensa para a porta da Polícia Federal em São Paulo. Vou prestar depoimento. Digam que vou falar com a imprensa. Não vou me esconder atrás de advogado nem de “militontos”, como fazem os esquerdopatas que, quando estão devendo, escondem-se atrás de “militontos” para ocultarem os seus atos de bandidagem. Também não vou usar a igreja para me esconder atrás dela, porque não devo nada a ninguém. Vou botar a cara lá, porque não tenho medo, não sou réu de nada.”
(…)
Deus me levantou como uma voz profética. Sei que o diabo tem uma sede imensa de me desmoralizar, de me levar a perder minha força diante da opinião pública, evangélica e secular.
Para o nosso querido Brasil, nesses tempos que estamos vivendo, queremos corruptos na cadeia, justiça forte e independente, mas não absoluta, ditatorial. (MALAFAIA, 2018, p. 30 – 38)
A narrativa desse episódio demonstra algumas coisas sobre a atuação do pastor Malafaia na vida secular, na esfera política. Essas questões serão tratadas na próxima parte deste artigo.
O pastor mais polêmico do Brasil
A Assembleia de Deus Vitória em Cristo, conforme o próprio Malafaia explica, é uma das muitas vertentes da Assembleia de Deus no Brasil. “Temos mais de 100 templos, e somos mais de 50 mil membros; mas, para os nossos padrões brasileiros, somos considerados uma igreja pequena ainda.” (Malafaia, 2018, p. 67). Ele também afirma ter filiais fora do país o que demonstra que, apesar de ele mesmo se considerar o líder de uma igreja pequena, para os padrões brasileiros, dentro da esfera religiosa pentecostal, está em ascensão dentro e fora do país. Sua atuação porém, não se restringe a essa esfera.
Enquanto pastor, e até mesmo como psicólogo de formação, Malafaia tem sido atuante no cenário político brasileiro, de maneira mais proeminente a partir do ano de 2008, quando se envolve no debate público sobre a votação da PL 122, que versava sobre a criminalização da homofobia. O pastor se posiciona radicalmente contra a PL, e lidera uma manifestação em frente ao Congresso Nacional, alegando que a criminalização da homofobia fere a liberdade de culto e a liberdade religiosa. Alinhado ao pensamento da bancada evangélica, Malafaia é convidado em algumas ocasiões a participar de audiências públicas sobre o tema.
De acordo com o site oficial do Senado, a PL 122/2006, é um projeto de lei de autoria da deputada Iara Bernardi (PT), com a seguinte proposta:
Ementa:
Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, dá nova redação ao § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e ao art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e dá outras providências.
Explicação da Ementa:
Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) e o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho – CLT) para definir os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Estabelece as tipificações e delimita as responsabilidades do ato e dos agentes. (SENADO FEDERAL, 2018)
O projeto consta como arquivado desde 2014, porém, a partir de 2008, o pastor passa a antagonizar com o Partido dos Trabalhadores, por conta do que ele afirma ser a “defesa da família tradicional” (Malafaia, p. 79) que, segundo ele está respaldada pela Constituição: “Se família, como está escrito, não for composta por homem e mulher, então, rasguemos a constituição.” (p. 81). O pastor também milita por outras pautas, como descriminalização do aborto e das drogas, por exemplo, sempre associando tais pautas ao PT, ainda que não tenham sido diretamente defendidas pelo partido. Em 2010 ele participa ativamente da campanha presidencial de José Serra (PSDB), contra a candidatura de Dilma Roussef (PT), ainda usando o argumento da PL 122 e dos impactos que, se aprovada, traria aos cristãos protestantes no país.
No ano de 2011, seu discurso na “Marcha para Jesus” foi de crítica à união igualitária e ao que ele denomina por “ideologia de gênero” (Koren, 2016). Nas palavras do próprio pastor, tais manifestações visam preservar a civilização humana:
Nosso objetivo, como cristãos, é fortalecer a família, que tem sustentado a civilização humana e que foi instituída por Deus. É por esse motivo, que fazemos manifestações e eventos, como a Marcha para Jesus, por exemplo. Também fazemos atividades, cultos, encontros voltados para o ensinamento da Palavra aos casais, às crianças, aos adolescentes. Nosso intuito é sempre propagar o valor da família aos olhos de Deus e o importante papel que ela exerce na sociedade.
(…)
… possuímos muitas armas para combater os ataques à família tradicional, uma delas é a informação. (p. 82)
A defesa de tais pautas, por um viés religioso e moralizante, não significa, com base nas teorias manejadas nesta pesquisa, o reencantamento do mundo, ou alguma forma de dessecularização da vida, pelo contrário, representa o aprofundamento da secularização e da racionalização da vida, pensadas por Weber (2009; 2013). Enquanto teórico da modernidade, Weber analisou diversas religiões, entre elas o protestantismo, para compreender os processos sociais que ocorreram, especialmente no Ocidente, para que o modo de vida capitalista se assentasse de forma tão profunda, demonstrando rompimento com valores da antiguidade quase que em sua totalidade.
A instituição de um sistema de leis, o desaparecimento gradual da escravidão e a burocratização das questões políticas estatais, são alguns dos cernes de tal rompimento, além do que ele chama de desencantamento do mundo, que se dá a partir da desmagificação, e o processo de legitimação das ciências. Weber dá especial atenção às religiões praticadas no Ocidente moderno, para exemplificar de que forma a antiguidade era permeada de uma magificação da vida, com superstições, espiritualidade ligada à magia, muitas vezes com código moral definido e, como a partir da ascensão de formas religiosas com códigos morais duros a cultura ocidental também muda.
Desse modo, esta pesquisa busca refletir sobre o que Maurício Júnior (2016) chama de “crente-cidadão”, no sentido do crente não ser apenas espiritual e preocupado com a salvação eterna, mas também ser agente ativo na vida secular, inteirado da política, participativo na vida pública. O trabalho de Maurício Júnior analisa especificamente os fieis da Assembleia de Deus Vitoria em Cristo, e como se dá a formação desse “crente-cidadão”, a partir da perspectiva dos fieis comuns, não dos líderes.
Estava implícita uma tentativa de explicar a formação do self conservador pentecostal e não da categoria êmica do crente-cidadão. Ao invés de focar na internalização de pautas consideradas conservadoras, passei a me preocupar com as instâncias nas quais os crentes pentecostais aprendiam a assumir uma postura mais ativa na esfera pública, a partir de sua filiação religiosa, sem me preocupar com os conteúdos.
Trata-se, também, não de seccionar o que é religioso e o que é secular na formação desse sujeito. Mas de mapear as instâncias e modos de subjetivação política no grupo em que ele participa e, ao invés de categorizar tais instâncias (como religiosas ou seculares), colocar em questão essas mesmas categorias entendendo os sentidos que os próprios sujeitos de pesquisa dão a elas. (MAURÍCIO JÚNIOR, 2016, p. 06).
Esse autor faz uma vasta análise da influência que Malafaia, enquanto líder, exerce sobre os fieis comuns, em busca de adesão a essa suposta ação cidadã.
Um dos exemplos foi o chamado Ato Profético em favor do Brasil. Em vídeo postado em seu canal oficial no youtube em 29 de março, Malafaia afirma (quando o Ato estava marcado para 11 de maio, sendo depois transferido para 01 de Junho) que não estava fazendo o Ato para ser a favor ou contra o impeachment, apesar de, em suas próprias palavras, todos estarem cansados de saber que ele era a favor do impeachment. (O prosseguimento do processo de impeachment seria votado na câmara já em 17 de Abril e alguns internautas estavam deixando comentários na página do pastor pedindo para que o evento fosse marcado para antes da votação na câmara). A resposta de Malafaia para a solicitação de mudança na data foi que “Independente de haver ou não impeachment, nós temos que interceder pela nação.” “Eu não estou fazendo um ato político e o ato não é meu”, continua Malafaia. “É um ato da liderança evangélica do Brasil”. “É um ato no qual diferentes lideranças de diferentes igrejas estarão clamando em favor da nossa nação, governo caindo ou não”. “Nossa situação é uma situação tão grave que nós precisamos clamar pelo Brasil. E é profético. Estamos chamando para Brasília porque é o centro do poder. Temos que colocar o nosso pé lá”.
E encerra: “vamos transformar o país com o poder da oração e do clamor do povo de Deus”. (idem, p. 6 – 9).
A partir do posicionamento de suas lideranças, o crente comum, o fiel que não exerce nenhum tipo de papel de líder dentro da instituição religiosa, também é convocado a se posicionar diante da vida secular, e isto está diretamente ligado ao carisma das lideranças pentecostais, outro importante conceito revisado nesta pesquisa. Além do conceito clássico weberiano, também é feita a releitura da revisão do conceito feita por Bourdieu, além da leitura dos trabalhos feitos por Maurício Júnior e Bivar Campos, (2013), que utilizam os conceitos dos dois clássicos, em conjunto, além de uma análise própria, que versa sobre a circulação e apreensão do carisma, que passa do líder ao fiel comum.
As trajetórias individuais dos líderes pentecostais são muito valorizadas nas pregações, algumas se tornam, como no caso de Silas Malafaia, publicações editoriais, DVDs, para consumo do público, evangélico ou não, tendo em conta que o pastor não se prende apenas a assuntos religiosos; e tais trajetórias são parte do carisma pessoal construído por um líder pentecostal, materializando a força da religião como sistema (Durkheim, 1996), através da pessoa do líder e não dos símbolos sagrados.
Soma-se a isso as relações entre religião e política como campos de forças, como analisa Burity (2008), ressaltando a midiatização da linguagem religiosa, relacionando com isso o advento da bancada evangélica, a qual Silas Malafaia é bastante alinhado, que torna a presença dos pentecostais impossível de ser ignorada, torna-se mais clara a ideia de “crente-cidadão”.
Os atores religiosos no mundo contemporâneo têm visibilidade nas mais diversas esferas da vida social, lançando mão de um discurso que se pretende “verdadeiro”, independente do campo onde o discurso é feito, já que são detentores da verdade última, recebida diretamente de Deus. Portanto, a política feita por religiosos pentecostais lança mão desse artifício discursivo de detenção de uma suposta verdade, pois a política feita por “homens seculares”, sem compromisso com os propósitos de Deus, é corrupta e mundana, por isso os “homens de Deus” devem adentrar nesse meio, para que os propósitos divinos sejam cumpridos. (Burity 2008; Oro 2003).
A autora Cecília Loreto Mariz (2016) compreende que o discurso religioso é facilmente adaptável ao discurso político, por isso é tão facilmente absorvido quando os campos se perpassam, ou quando existem atores que estão engajados nos dois. Promove-se nas igrejas pentecostais uma relação entre evangelização e promoção de mudança social, portanto, promover a evangelização é promover mudança e justiça social, porém, sob a ótica da Teologia da Prosperidade, que valoriza as conquistas individuais, as trajetórias de sucesso de pessoas que venceram as dificuldades.
É parte do ethos pentecostal a ideia de conexão direta com o Espírito Santo e de constante batalha espiritual, neste campo o profeta se coloca como um interlocutor privilegiado de Deus, ele recebe a “mensagem da verdade” direto de Deus e a repassa para seus seguidores, que quando mais próximos desse profeta, aspirando uma vida espiritual atuante, se tornam seus “filhos da fé”, criando redes de filiação denominacional hierarquizadas, por onde o carisma é transmitido e circula.
Deste modo, cada fiel se torna uma pequena extensão do próprio profeta, por onde o fiel estiver ele exerce a função de ser a voz da denominação, de fazer novos discípulos, de também transmitir o carisma que acessou através das performances discursivas vivenciadas nos cultos, seguindo assim a trilha do carisma, adquirindo o habitus carismático, para se legitimar no campo religioso.
Considerações finais
Na Sociologia da Religião, bem como nas Ciências da Religião, as influências entre os campos político e religioso e as formas como tais campos se perpassam, vêm sendo analisadas por muitos autores, em uma gama de enfoques e recortes. Porém, percebe-se necessária a análise sociológica da trajetória do líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, o pastor e conferencista internacional Silas Malafaia na tentativa de compreender como se deu sua transposição de um campo a outro com significativo êxito, influenciando milhares de pessoas dentro e fora de sua denominação, além de sua marcante atuação e militância política por uma agenda conservadora, alinhada a conceitos bíblicos, com uso de suposta linguagem acadêmica e científica.
A trajetória específica desse ator político e religioso não parece esgotada e demonstra potencial de análise dentro do contexto de crescimento expressivo de uma bancada evangélica no legislativo nacional, com pautas comuns como: aborto, educação sexual nas escolas públicas, direitos civis da população LGBT, baseados em imperativos morais religiosos.
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