Mitologias, síntese e ação: “Deus, Pátria e Família”

Marcia Regina da Silva Ramos Carneiro é Doutora em História Social e Professora Associada lotada no Departamento de História do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do Laboratório de Estudos das Direitas e dos Autoritarismos e do Laboratório de Estudos da Imanência e da Transcendência da UFF/Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro.

Mitologias, síntese e ação: “Deus, Pátria e Família”

ou

Deus, Pátria e Família”: Mitologias, ação e síntese e a construção de um “Falso absoluto” político nos tempos atuais.

Marcia Regina da Silva Ramos Carneiro

Neste artigo pretende-se trazer ao debate as perspectivas dos ideais e práticas de dois partidos políticos, a Ação Integralista Brasileira e o Aliança pelo Brasil, que, em dois momentos diversos da história do Brasil, evocam um apelo à uma “ordem” cristã, cujo suporte é a família nuclear clássica, a “sociedade conjugal que une os esposos”, assim concebida pela Doutrina Social Católica e pela tradição cristã reformada. E, como apelo à ordem, limitam-se concepções de mundo possíveis, em contextos diversos e com perspectivas diferentes.

Recuperando a crítica de Marx à ideia hegeliana de que fatos e personagens ocorrem duas vezes na História, e concluindo que, se a história se repete, primeiro, esta acontece como tragédia e, depois, como farsa, considera-se, neste texto, a necessidade de se recorrer à análise dos dois partidos brasileiros que, apelando às míticas atuações de seus líderes, tratados como heróis: Plínio Salgado (Chefe integralista morto em 1975) e o atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, estes emergem, na atualidade, como condutores de uma “nova” sociedade brasileira, fundada nos “valores cristãos”. Estes líderes, mesmo o falecido, como novos Teseus, reúnem seguidores que os consideram capazes de enfrentar os labirintos de uma “desordem moral nacional” e de libertarem o Brasil do “Minotauro comunista”. Neste sentido, os heróis vestem, simbolicamente, roupagens diferentes: o mais antigo é o apóstolo; o atual, o soldado. Nas construções ideológicas dos dois partidos, o apelo à moral cristã que suporta uma cultura mística popular brasileira. Este artigo sustenta sua análise por meio da concepção dialética da História, na Filosofia da Praxis.
O desenvolvimento da análise como “expressão consciente das contradições existentes na história e na sociedade” (GRAMSCI, A., Q 10, 1320 (…) in SEMERADO, 2006, p. 10) pressupõe algumas questões a partir da constatação das múltiplas contradições que se expressam em elementos de subjugação e de impedimento à subjetivação (SEMERARO, 2006), enquanto relação vivida/vivenciada pelos sujeitos da e na História.

Em comum, os dois partidos se auto-concebem como conservadores.  Mas o objeto de conservação não se nivela. Enquanto o integralismo deseja a conservação de uma moral cristã que se manteria por um potencial Estado tomista e fiel ao Credo Católico, o novo partido se ergueria sobre o pragmatismo de uma costura mal alinhavada de abstrações anti-iluministas e mesmo anti-filosóficas, na contramão do que certo ideólogo quer fazer acreditar. O novo partido, ou o movimento que o gerou, se encaixa na corrente anti-historicista, atualmente em voga, que considera a necessidade de uma ruptura definitiva com a modernidade. Enquanto alguns movimentos de Extrema-Direita europeus seguem um projeto de construção de uma anti-política considerando o retorno à cultura pagã, ao mesmo tempo nacional e anti-liberal, No caso brasileiro, o “retorno” se concentra num “tempo militar da ordem”, cujo referencial mais próximo é a Ditadura Empresarial Militar (1964-1985) e o mais longínquo, à Batalha dos Guararapes (1648-1649), a definitiva contra os holandeses, em Pernambuco, e  Guerra do Paraguai (1864-1870), que elevou o Duque de Caxias a patrono do Exército brasileiro. No caso do partido que se pretende formar nos dias atuais,  é o capitalismo e o liberalismo  que o sustentam como sistema e ideologia. No entanto, conceitos como liberdade e democracia perdem suas polifonias e se tornam apenas definições conservadoras de “liberdade do mercado” e expressões do sistema estadunidense, que mantêm o american way of life como modelo de exclusão racista e xenófoba. Uma contradição que os não-estadunidenses que se identificam com uma “irrealidade cotidiana” (Eco, 1984),  em que a cultura se adquire em shoppings ou em museus de cópias,  não consideram ou mesmo não compreendem.

Ainda, os dois partidos compartilham a ideia de que a construção de sobredeterminações morais, com limites definidos, são referenciais culturais que estão presentes na sociedade brasileira, como ideia de Verdade.  A “Verdade”, tratada como domínio do absoluto, Deus/Partido/heróis-mitos, teria a função de limitar parâmetros ideológicos e comportamentais da vida brasileira, conforme costumes culturais enraizados tratados aprioristicamente como moral inquestionável e divina. Neste sentido, o Absoluto concentra os três elementos: Deus, como égide iluminadora; o Partido, como realização de Sua vontade; os heróis-mitos, como seus artífices e mestres.

  1. Os Partidos, seus tempos, seus heróis:

I.1. Sobre o conceito de Partido:

Em consideração ao método de análise neste artigo, apoia-se em Gramsci ao observar que o papel do historiador, ao se debruçar sobre as formas de constituição dos partidos, deve ser a de dar “a cada coisa a importância que se tem no quadro geral” (GRAMSCI, 1978, p. 25), acentuando, sobretudo, a “eficiência real do partido, a sua força determinante, positiva e negativa, a sua contribuição para criar um acontecimento e também para impedir que outros acontecimentos se verifiquem.”(GRAMSCI, 1978, p. 25). E, tomando da análise histórico-dialética a percepção da síntese da totalidade, sustentada pelas relações econômicas, políticas e sociais que caracterizam o Estado de tipo Ocidental, Gramsci propõe a análise na perspectiva do Estado ampliado. Visto de modo ampliado, segundo a acepção gramsciana, o Estado é entendido como “espaço de disputa no qual se inter-relacionam no confronto dialético, sociedade civil, sociedade política e infraestrutura (CARNEIRO, 2007, p. 13).

Para Gramsci, os partidos se apresentam de duas formas: o que é constituído por uma elite de homens de cultura, que têm a função de dirigir do ponto de vista da cultura, da ideologia em geral, um grande movimento de partidos afins (na realidade, frações de um mesmo partido orgânico); e no período mais recente, o partido de não-elite, mas de massas, que como massas não têm outra função política que de uma fidelidade genérica, de tipo militar, a de um centro político visível ou invisível (frequentemente, o centro visível é o mecanismo de comando de forças que não desejam mostrar-se à plena luz, mas apenas operar indiretamente por interposta pessoa e por ‘interposta ideologia’). A massa é simplesmente de ‘manobra’ e é ‘conquistada’ com pregações morais, estímulos sentimentais, mitos messiânicos de expectativa de idades fabulosas, nas quais todas as contradições e misérias do presente serão sanadas.” (GRAMSCI, 1978, pp. 23-24).

Conforme Gramsci, o Partido Político teria o papel de moderno Príncipe[i], enquanto portador da vontade coletiva.

Em contraposição à “vontade” consultada e coletivamente construída, enfrenta-se uma questão importante no contexto atual brasileiro em que o protagonismo do presidente atual, tomando a frente da fundação de um Partido por um “heroísmo pessoal”, ele mesmo incorpora a figura do Príncipe, o condottiere, sustentado por uma expressão coletiva que não o cria, mas que o segue, como “interposta pessoa” e por “interposta ideologia”.

Outra questão relevante a destacar é que tais expressões características se confundem nos dois partidos analisados que, segundo a perspectiva gramsciana, estariam propensos à abstração da ação política imediata, em que “a história é esvaziada na abstração dos conceitos” (Q1, 151, 134 [CC, 6, 357] in LIGUORI & VOZA, 2017, p. 29).

Um outro aspecto que Gramsci considera em relação aos partidos, é que “podem ser escolas da vida estatal” (Q 7, 90, in LIGUORI & VOZA, p. 606) e que todos os seus membros deveriam ser tratados como intelectuais.

Embora ainda recente a possibilidade de análise do partido a ser criado pelo atual presidente, sem que se coloque a crítica às formas de como a adesão (através do incentivo das igrejas neopentecostais e de alguns cartórios eleitorais) está sendo estimulada, não se espera que a participação dos membros do Aliança pelo Brasil se estenda além do ato de assinatura da ficha de filiação. Eis que, como filiados, embora não se dispense a intenção ideológica/política do ato de assinar, a perspectiva de atuação intelectual, enquanto o exercício de organização partidária, muitos não exercerão esta atividade. Esta forma de adesão, segundo Gramsci, representa a concepção, pela classe dominante e seu espírito de grupo, de que as classes subalternas são apolíticas.

A análise em curso põe em debate aspectos que, radicalmente, opõem os dois partidos.

A AIB se utiliza de uma tradição intelectual que trata a questão da identidade brasileira produzida por pensadores nacionalistas na composição do povo, na intenção da construção de uma identidade única, miscigenada, cuja referência, ou essência, estaria numa “união racial” do branco colonizador com o índio e a integração do negro, em que o amálgama racial se consolidaria pela identificação mútua (entre as raças) com o espírito cristão da catequese jesuítica. O integralismo também dialogava com a Filosofia do Espírito de Farias Brito[iii], em que se considera três momentos da natureza divina: “a luz é Deus na sua essência; a natureza é Deus representado e a consciência é Deus percebido” (NOGUEIRA, 1962, p. 79), numa concepção em que está presente tanto em Spinoza quanto na dialética hegeliana[iv]: “a luz representando-se é a natureza; a natureza sendo percebida, é a consciência, ou mais precisamente, o conhecimento.” (NOGUEIRA, 1962, p. 79).

Por outro lado, o partido recém-criado surge, justamente, do aprofundamento das lutas identitárias e classistas, ressignificando velhos conceitos e produzindo outros, como neolinguaii. Quanto à história, desfalcada do status de ciência, assume papeis ora de redentora, ora de mercadoria versátil numa prateleira empoeirada.

A História, assumindo o papel de guardiã da tradição, polemiza com o status de ciência que Paul Veyne, em 1971, questionou: Como se escreve a História? François Hartog aponta que a história contada desde Homero reproduz os acontecimentos memoráveis, mas também esquecimentos. Considerando a História uma “genealogia de discursos” de historiadores, classificados segundo as referências que lhes são atribuídas nos textos, a História também é refém da sua tarefa: o que lembrar?
As pesquisas de Rogério Lustosa Victor têm levantado a questão do esquecimento sobre o movimento integralista.  Este esquecimento, por isto mesmo, tem trazido à atualidade uma interpretação mitológica de sua Doutrina e de sua ação.

A Ação Integralista Brasileira foi ativa politicamente entre 1932 e 1937 e tornou-se o maior movimento de massas brasileiro neste período. Seu mais importante líder e Chefe Nacional propunha um projeto organizador nacional, cujo objetivo era o de formação de uma identidade popular capaz de produzir uma Revolução Espiritual, por adesão a um conjunto de ideias, a Doutrina do Sigma. A AIB manteve-se como movimento de massa durante o período de sua legalidade política, de outubro de 1932 à instalação do Estado Novo varguista, em 10 de novembro de 1937. Enquanto partido de massa, a AIB também se organizaria como partido de elite, com “função de dirigir do ponto de vista da cultura” (GRAMSCI, 1978). Considerando o aspecto compulsório da militância e sua adesão à Doutrina do Sigma, pondera-se, com Gramsci, que os integrantes da AIB eram intelectuais orgânicos, organizadores de projeto de uma classe, a classe média brasileira em formação. Esta condição se mantém até a atualidade.

Partindo da premissa de que Partidos se referem, a princípio, a um meio de organização coletiva para construção de um projeto em vistas alcançar hegemonia, também, percebe-se a fragilidade do novo partido que se organiza neste fim de ano, o Aliança pelo Brasil, pautado mais pelos humores do seu mentor, o presidente da República, do que por um projeto coletivo e democrático, como requer o modelo de representação liberal. Deste modo, o próprio presidente, enquanto o condottiere, concentra em si a função política, atraindo, “messianicamente”, uma fidelidade genérica, de tipo militar, sendo o centro visível o mecanismo de comando de forças e o centro de comando visível operado por “interposta ideologia” religiosa relativizada.
Gramsci considera, como Marx, “formas ideológicas” na relação dialética entre infra e superestrutura em que o absoluto (totalidade) é confrontado com as contradições e, distante de subjugar ou mesmo relativizar expressões sociais ou concepções de mundo, devem expressar, no “bloco histórico”, as interrelações entre o mundo da produção, da materialidade, e das ideias.
Para o entendimento do processo de tentativa de conquista da hegemonia, Gramsci atenta pela necessidade de incorporação da dimensão cultural, como parte do “bloco histórico”, “o conjunto complexo, contraditório e discordante das superestruturas” que é o “reflexo do conjunto das relações sociais de produção”. No caso dos projetos partidários analisados, estes se remetem à negação da relação infraestrutural, atuando apenas ao nível da abstração. No caso atual, usando as “fakes news” numa elaboração idealística de uma “cultura política” descolada da “experiência vivida”.
A partir da análise histórico dialética leva-se à dedução de que “só um sistema de ideologias totalizador reflete racionalmente a contradição da estrutura e representa a existência das condições objetivas para inversão da praxis” (GRAMSCI,1978, p. 71).

Pode-se inferir que se vive hoje no Brasil uma crise de hegemonia, que corresponde ao momento em que se percebe a incapacidade de uma classe, ou fração em impor sua hegemonia, ou seja, de organizar a direção de um grupo social sobre os demais no bloco de poder, o que significa também, a “incapacidade da aliança no poder de ultrapassar ‘por si mesma’ as suas próprias contradições exacerbadas, que caracteriza a conjuntura dos fascismos.” (POULANTZAS, 1978, p. 78).

Considerando a organização da sociedade política no Congresso Nacional, com sua atual representação da sociedade civil organizada, e confrontando-a com composição destas representações no âmbito do Poder Executivo, pode-se constatar que, embora o Parlamento federal participe do projeto do atual governo na reestruturação do sistema, promovendo, segundo presidente da Associação dos Servidores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e do Sindicato Nacional dos Servidores do IPEA, José Celso Cardoso, “perda de qualidade da política e em um colapso da prestação de serviços a médio e longo prazos.”[v] (Redação Agência Senado, 26/08/2019, 14h25), as frações de classe hegemônicas, ao submeterem-se ao pragmatismo econômico e político governamental, sob a agenda neoliberal, e diante de uma “instabilidade constitucional” mediada por Decretos sem consultas prévias ou decisões características do personalismo político, em que a valorização da figura do candidato ou do governante se constrói em detrimento do partido político ou do governo (FIGUEIRA LEAL, 2012), sustentam a crise, relativizando-a.

Como demonstra Adriano Tilgher, o relativismo, o improviso, é uma característica do processo fascizante (TILGHER, A.,  1921, apud FELTRINELLI, 1979).

E, mesmo que frações de classe hegemônicas estejam representadas no Parlamento, como a burguesia industrial, o agronegócio e grupos religiosos conservadores e reacionários, o Poder Executivo não encontra total respaldo entre os tradicionais grupos democratas dos Poderes Legislativo e Judiciário, mais por suas estruturas limitadas aos interesses dos grupos hegemônicos “tradicionais” do que por interesses nacionais e democratas (de uma democracia viciada numa relação de troca de votos por meio de benefícios pessoais).

A crise de hegemonia, neste sentido, resulta, como escrito acima, na incapacidade de uma classe, ou fração, em impor sua hegemonia e construir o consenso em condições realmente republicanas e democráticas.

Embora, nem sempre as frações dos grupos hegemônicos estejam em conformidade, numa democracia liberal, seriam, justamente, as relações democráticas, com debates republicanos, que dariam sentido (e consenso) ao jogo liberal. No caso brasileiro atual, a tendência autoritária e personalista do atual presidente pode incorrer em rupturas constitucionais.

A crise de hegemonia, ao mesmo tempo, é produzida e produtora do ressurgimento, ou manifestação, de antigos projetos, “tradições coloniais”, reacionarismos e um conservadorismo deturpado por um “retorno à uma moral cristã incorruptível” que surge como “força legitimadora” de um passado “que não passou”, parafraseando o título da coletânea organizada por Antonio Costa Pinto e Francisco Carlos Palomanes Martinho, em 2013, O passado que não passa: a sombra das ditaduras na Europa do Sul e na América Latina.

Por este caminho, o integralismo da década de 1930 reaparece como símbolo e “ideal” legitimador de um “retorno ao tempo de antes” ( GIRARDET, 1987).

Ainda que permaneça “como ideia” até a atualidade, impulsionado pela fidelidade à Doutrina do Sigma, a simples utilização de uniformes, a demonstração pública de seus símbolos ritualísticos: a bandeira, o retrato do Chefe Nacional e a saudação “Anauê! não é capaz de concentrar, ou realizar, o projeto mais caro à Ação Integralista Brasileira, a “Revolução Espiritual”, promotora do Estado Integral e da Democracia Orgânica.

Pergunta-se: como hoje tratam, os que se dizem integralistas, “a inspiração simbólica da Estrela Polar anunciadora de uma nova civilização no hemisfério austral” (SALGADO, 1937, apud VASCONCELLOS, 2018, p. 108), como escreveu Salgado ao se referir à estrela, pertencente à constelação Sigma na bandeira nacional?

Tratando a Doutrina do Sigma como a parte imutável do integralismo, mas reconhecendo a existência de uma parte possível de ser modificada, pois conjuntural, Sérgio de Vasconcellos (2018), um dos mais ativos intelectuais integralistas atuais e um dos guardiões da memória do movimento, chama a atenção para esta parte imutável, essencial, a Doutrina.

“Essencial” é uma palavra muito repetida pela militância integralista da década de 1930 [vii]. Sendo “essência” a mais importante característica do ser ou da coisa, a essência integralista encontra-se no Manifesto de Outubro de 1932, dirigido “À Nação Brasileira – ao operariado do país e aos sindicatos de classe – Aos homens de cultura e Pensamento – À mocidade das escolas e das trincheiras – Às classes armadas!”.

Imprescindível que se retenha, na análise do imutável, a diretriz que define toda a submissão da Doutrina à égide divina: “Deus dirige o destino dos povos”, a frase que abre o Manifesto.

A estrutura semântica do Manifesto de Outubro e seu propósito é similar ao da Encíclica papal Rerum Novarum. O projeto Tomista do Bem Comum que, no mundo capitalista, encontra obstáculos, é tratado pela Igreja Católica deste modo: desafio. A Igreja buscava o controle da Questão Social, de um novo ambiente político, econômico e social, diante da emergência do proletariado, o Quarto Estado. O Manifesto de 1932 era dirigido, também, ao operariado e aos sindicatos, setores da classe trabalhadora e sua organização que, segundo a ordem tomista, era a parte frágil, a ponta na qual estaria o núcleo familiar, enquanto “grupo natural”, sob o domínio do pai-trabalhador, que precisava ser incorporado à ordem econômica liberal através das suas representações de classe, mas sob controle do Estado.

Segundo José María Díez-Alegria, a ideia de direito à propriedade, orientada para a comunidade de bens, é afirmada em relação à justa remuneração do trabalhador e para a correção do mercado. Quanto à “Necessidade da colaboração de todos”, a Rerum Novarum proclamava primordial estabelecer esta relação econômica/estatal por meio de corporações operárias, disciplinadas por leis, sob o encargo de “homens prudentes e íntegros” (Rerum Novarum, 1891), devendo ser “religiosamente respeitados” e asseguradas pelo Estado.

Anor Butler Maciel, um dos intelectuais integralistas preocupados com a forma corporativa do Estado Integral, escreveu, em 1936: “Para que possa haver harmonia social, o Estado deve encampar as reivindicações de uma classe, ou de um grupo, mas os seus fundamentos de disciplina e os princípios de sua conduta devem atender ao interesse da totalidade do corpo social, de todos os homens, considerados individualmente e em seu conjunto.” (MACIEL, 1936, p. 87). Identificando, pelo aspecto laico, Estado com a Nação, Maciel ainda constrói referências com o espírito cristão da Rerum Novarum: à salvação comum e particular dos homens, que se demonstra no conceito de personalismo de Mounier[vii] e que se encontra em outros intelectuais integralistas, como em Salgado e Miguel Reale, que defendem a “centralidade da pessoa” em relação ao Estado, como forma de demonstração de distinção em relação ao fascismo italiano.
Para Mounier: “O amor é luta; a vida é luta contra a morte; a vida espiritual é luta contra a inércia material e o sono vital. A pessoa toma consciência de si própria, não no êxtase, mas numa luta de força.”. Esta força motriz, a coragem moral, concepção à qual os intelectuais humanistas, em tempos de descrença no liberalismo, mas também no socialismo, estava presente na convicção integralista, assim como na de muitos católicos. Para estes, seria preciso criar uma “Idade Nova”[viii].

No artigo de Plínio Salgado “Honestidade e Coragem” divulgado amplamente como panfleto integralista pelas três gerações do movimento, a crítica que se fazia do Estado fascista, como totalitário, era da ausência deste “espírito moral” de bases cristãs.

Ao construir a especificidade brasileira diante do fascismo italiano, cujo corporativismo exaltara no retorno da viagem à Itália, em 1930, Salgado o distingue quanto à finalidade em relação à “pessoa humana”. Para Salgado, o Estado fascista tenderia a ser finalidade em si próprio, absorvendo todas as expressões nacionais e sociais, econômicas, culturais e religiosas. Desta forma subordinaria a “pessoa humana” e os grupos naturais ao seu domínio. Diz o artigo, que o Estado Integral, ao contrário, não teria uma finalidade em si próprio; não absorvendo as expressões nacionais e sociais, econômicas, culturais religiosas; não subordinaria a “pessoa humana” e os grupos naturais, objetivando “a harmonia entre todas essas expressões, a intangibilidade da ‘pessoa humana’”. Ainda de acordo com o artigo, os integralistas adotariam uma filosofia totalista, o que significa uma concepção totalitária do mundo, incorporando o Estado nesta concepção e não o colocando como aquele que absorve o todo[ix].

Pio XI, quarenta anos depois da Rerum Novarum, ao lançar a Encíclica Quadragesimo Anno, daria relevo à “função social” da propriedade, de modo ratificar a Rerum Novarum. Díez-Alegria chama a atenção para pretensão de Pio XI de afastar-se do modelo corporativo, que parecia se assimilar ao modelo fascista. O Papa, neste sentido, exigiria “liberdade e autonomia das associações” (DÍEZ-ALEGRIA, 1991, p. 30).

O Manifesto integralista é caudatário da Doutrina Social da Igreja e, ao dialogar com o catolicismo contemporâneo e com seus intelectuais convertidos e apóstolos atuantes, torna-se interlocutor de parcela destes. Enquanto movimento que buscava apoio e divulgação, o integralismo brasileiro dialogava com o catolicismo de sua época. Muitos intelectuais católicos, inclusive padres, aderiram ao movimento como meio de atuarem politicamente. Outros apenas o indicavam aos jovens ávidos da participação militante católica nos “rumos do Brasil”, como foi o caso de Gerardo Mello Mourão, que recebeu de Alceu Amoroso Lima, ligado ao humanismo de Jacques Maritain, o conselho para torna-se integralista. E Mourão, jovem cearense, recém-chegado ao Rio de Janeiro, por volta de 1932, passou a frequentar a Livraria de Augusto Frederico Schmidt.

Os movimentos neotomistas do início do século XX, impulsionados pela Doutrina Social da Igreja, desde a Encíclica Aeterni Patris, reconheciam-se fraternalmente e mutuamente colaboravam em seus projetos. Esta proximidade rompeu-se durante a Guerra Civil Espanhola, em que a defesa do republicanismo dividiu os católicos entre as opções democratas e fascistas quanto ao desenlace do conflito que levou à ascensão do General Franco ao poder na Espanha.

A Ação Integralista Brasileira foi organicamente construída por seus intelectuais que se organizaram, enquanto elite, conforme a definição de Gramsci, como movimento composto por “frações de um mesmo partido orgânico”. A elite intelectual deste movimento político que apenas aderiu ao simbolismo democrata-liberal, o Partido, em períodos da história brasileira em que se dispôs a participar das eleições republicanas, era composta, nos períodos iniciais (1932-1937) e mesmo posteriores (1946-1960), por importantes pensadores brasileiros, cujas produções apresentavam alto grau de conhecimento da produção intelectual ocidental.

Considera-se a produção doutrinária integralista em duas fases: a da época inicial, em que intelectuais como Plínio Salgado, Gustavo Barroso e Miguel Reale organizavam, instruíam, delimitavam os fundamentos do ideário integralista brasileiro e abrigavam nas páginas dos seus periódicos outros intelectuais, ora como produtores de reflexões absorvidas pela síntese doutrinária, ou aqueles que consideravam “mentores da nacionalidade”, como Alberto Torres, Euclides da Cunha. Outra fase é a de publicação da Enciclopédia Integralista, dirigida por Gumercindo Rocha Dória, na década de 1950, na qual o editor reuniu toda a produção doutrinária, os regulamentos e outros documentos da AIB. O trabalho de análise prosopopeica de Rodrigo Christofoletti (2010) sobre os volumes da Enciclopédia Integralista é reconhecido como referência importante nos estudos da composição doutrinária da AIB.

Com forte influência doutrinária do catecismo católico, a AIB distingue-se do projeto de construção da adesão pela assimilação do Partido do atual presidente quanto ao apelo cristão.

Ressalta-se, nesta análise, o conceito de Partido, conforme a contribuição de Gramsci sobre partido como “organização prática (ou tendência prática)”, “como instrumento para a solução de um problema ou de um grupo de problemas da vida nacional ou internacional.” (GRAMSCI, Q.10 in GRAMSCI, 2001, p. 420).

A Ação Integralista Brasileira pode ser compreendida neste conceito acima, enquanto movimento que, por intenção de permanecer como “organização prática” é guiada por uma ideia (o próprio Plínio Salgado), num “corpo cômodo e portátil” (Em A Nação, início de 1933, apud Edição da Revista Panorama (sobre) Plínio Salgado, 1936), contrapunha-se ao modelo democrático liberal burguês, defendendo o antipartidarismo e a atuação do homem público como o “lugar de um homem de responsabilidade intelectual e moral”, não como aqueles que ditam “interesses particulares nem os que lhe indica o arbítrio de uma multidão na qual, cada dia mais se acentuam os característicos da incapacidade política.” (Edição da Revista Panorama (sobre) Plínio Salgado, 1936, p. 15). Defendendo o Partido único, enquanto união nacional, Salgado manteve, até o fim da vida, seu entendimento de que um governo autoritário era o ideal para o Brasil.

Fabio Bertonha, em seu livro Biografia política de Plínio Salgado, aponta as análises políticas do período do Regime militar em que se discutia possíveis influências de Salgado sobre os generais dirigentes. Considerando infundadas estas afirmações, Bertonha reproduz depoimentos de Salgado em que o ex-Chefe integralista e deputado pela Aliança Renovadora Nacional, a ARENA, um dos dois partidos políticos autorizados pela Ditadura para atuarem na farsa da representação democrática, desde a implantação do Ato Institucional número 2, o AI2[ix] dizia considerar estar satisfeito em colaborar com o ideal integralista para os ideais da “Revolução”, como Salgado tratava o regime implantado pelos generais que depuseram João Goulart, em 1964. Considerando não necessário criar um partido que representasse o ideal integralista, Salgado discursou na Câmara dos Deputados, em 1972: “Não pretendo fazer ressurgir, como partido, o Movimento Integralista.” (Perfis Parlamentares – Plínio Salgado, 1982, p. 518 apud BERTONHA, 2018, p. 349).

Cabe refletir sobre a atuação de Salgado, como Deputado da ARENA, no “jogo” democrático, durante o período de ditadura militar em que, no impedimento para a diversificação de representações políticas, o ex-Chefe se considera representado pelo regime que se instituiu como Poder Constituinte que se auto legitimara, destituindo o governo anterior e estabelecendo um novo governo conforme o preâmbulo do Ato Institucional número 1, de 9 de abril de 1964 (CONSTITUIÇÕES DO BRASIL, 1986, p.314).
Sobre o ideal da “união nacional” sob um Partido único, as pesquisas de Helgio Trindade, ao longo da década de 1970, e suas análises continuadas, com suas entrevistas, nos permitem retornar à própria “ideia” como concepção teórico-prática incorporada por Salgado. Como demonstra Trindade (2016), numa análise da atuação de Salgado pelo próprio Salgado, este não separa o pensamento da ação, demonstrando que a totalidade doutrinária, comum aos fascismos, não dispensa a participação violenta da ritualística. O ritual, justamente, forja a identidade bélica e “sagrada” do “soldado de Deus”, na sua formação paramilitar, como militante da ideia e da milícia. As marchas integralistas pelo Brasil tinham significados. O significado nacionalista tinha como referencial o bandeirante (as marchas eram consideradas as novas bandeiras), concebendo qualquer militante (intelectual) como o desbravador do interior brasileiro. Outro definidor da origem nacional era a saudação uníssona dos “Anauês!”. Através de um vocábulo que Câmara Cascudo tratou como um neologismo da catequização, ou seja, do encontro original entre o indígena e o colonizador português. Cascudo, folclorista de grande importância e militante integralista, escrevera: “Não posso provar, mas sonho que, inicialmente, anauê seja um grito, um sinal, uma ordem de reunião, de coesão, de agrupamento. De Integralismo, evidentemente. Mas, que quer dizer “anauê”? A viagem pelo tupi não aclarou a significação negaceante.” (CASCUDO, Revista Anauê de agosto de 1935).
Uma análise das múltiplas relações contextuais que acompanham o surgimento atuação da Ação Integralista Brasileira e da Aliança pelo Brasil demonstram que, com suas especificidades ideológicas e organizativas, os dois partidos se distinguem mais amplamente que se aproximam, embora os tempos atuais aparentem coincidências, que são evocadas por alguns grupos atuais, apoiadores do atual presidentes, em nome de uma “tradição” reconhecida e uma “legitimidade” moral que o integralismo representaria para setores religiosos conservadores. No entanto, entende-se que a formação da militância e o projeto integralista é radicalmente antagônico ao do projeto do Partido Aliança pelo Brasil. Embora ambos contenham o apelo escatológico em que se anuncia um fim dos tempos e o apelo à ação da juventude, os discursos contra o inimigo comum: o comunismo, este também é ressignificado nos tempos atuais. Atualmente, qualquer referência às políticas públicas que beneficiam o trabalhador, é atacada como “de esquerda” e “comunista”. O inimigo torna-se não apenas os que reivindicam direitos, mas também seus beneficiados.

Outra diferença essencial entre os dois partidos é quanto a crítica do integralismo ao liberalismo e à democracia liberal burguesa, enquanto o atual governo sustenta-se sobre a agenda neoliberal, ainda que a característica autoritária esteja presente em ambos os partidos. A ideia de Estado forte também se distingue. O Estado forte integralista se baseia na ideia de unidade nacional (o próprio partido), da defesa do território e de uma identidade “racial” brasileira. Como liderança partidária e detentor da Verdade, o atual presidente demonstra que seu Estado forte refere-se às decisões autoritárias que vem assumindo, assim como seu nacionalismo se resume a um ideal patriótico de exaltação aos símbolos nacionais pela simples oposição a outros símbolos, até mesmo à cor vermelha, retendo os significados dos “símbolos da pátria” à uma ” bandeira de luta” contra os seus opositores.
Na perspectiva do Estado ampliado de Gramsci, entende-se que o aparecimento de propostas de associações político-sociais antagônicas ao liberalismo político e social encontra-se no próprio processo de permissões de liberdade que o Estado, dito como tradicional ou liberal, aceita como uma das suas características, as de expressão e de organização política. Isto em tese, pois na medida de sua preservação, não permite àqueles que o criticam, o espaço para a discussão, como aos seus opositores mais radicais, os comunistas e anarquistas. E, esses antagonismos que se geram no “espaço de liberdade” permitido pelo liberalismo, oportuniza-se, também, as perspectivas autoritárias. Tal como percebe Juan Linz sobre o surgimento dos fascismos: “Sem a política organizada de seus tradicionais inimigos, o fascismo não tinha razão de ser”.[x] Assim sendo, Estado liberal, permitindo a liberdade aos que colaboram com a sua manutenção, abriria portas às iniciativas mais radicais para a oposição à sua própria existência.
Enquanto projetos autoritários, os dois partidos instauram uma “cultura da síntese”, como “reforma moral”, segundo uma das acepções gramscianas para “cultura”. Refazem, como projeção reacionária, a construção de um passado mítico como num presente heróico de um ethos popular em que a identidade nacional, sinteticamente produzida, exclui as diferenças, segundo critérios estipulados por produtores e promotores de cultura, cuja base atenda as características predeterminadas, ou pré-conceitos da ideologia pequeno-burguesa, profundamente religiosa, transmutada em cultura nacional.
Embora a construção da síntese dos dois partidos seja determinada pela exclusão, os itens excluídos são diferentes quanto à muitos quesitos. Quanto à ideia de “povo”, principalmente, se distinguem. Enquanto no integralismo, a unidade nacional, o Partido (TRINDADE, 2016), é identificada com uma identidade brasileira que se que remete ao surgimento da “nação” a partir de um “matrimônio cósmico” entre o português Martim Afonso de Souza (o colonizador) e uma índia guaianá do litoral paulista, segundo Plínio Salgado, o Chefe Nacional da AIB, no caso atual, a ideia de povo iguala-se a de consumidor de classe média e, no caso do ” indígena” fundador, sua representação é propagada como a daquele que impede o progresso, entendido como a destruição ambiental necessária à expansão do agronegócio.
Ainda que nas análises sobre o movimento integralista do início do século XX, as pesquisas de Hélgio Trindade, Marilena Chauí e Maria Sylvia Carvalho Franco também apontem para o destinatário do discurso integralista: a classe média brasileira, ainda em construção, como aquela que estaria pronta para tornar-se a portadora de uma cultura integral brasileira, reunindo moral e religião (católica), nacionalismo e obediência à ordem, na atualidade é o acesso ao consumo que identificaria “nova classe média”, constituída através de política de incentivo ao financiamento privado para a compra de bens e produtos nas últimas décadas. Esta “nova classe média” assumiria postura reacionária, impulsionada por uma extensiva propaganda antipopular, em que a mídia hegemônica, igrejas de viés conservador, entre católica, protestantes tradicionais e neopentecostais, investem num projeto moralizador, nacional-populista, como se refere Francisco Carlos Teixeira da Silva no seu artigo O Discurso de Ódio: análise comparada das linguagens dos extremismos (2019). O autor discorre sobre o papel da linguagem na ação ultra-extremista/fascista e seu uso na disseminação de propagandas e de uma neolingua na atualidade brasileira, que visa promover a aceitação, com sua naturalização, o ressurgimento de “atitudes fascistas”. O artigo do professor detalha as distinções construídas como forma de relacionar dicotomias em que as oposições se tornam manifestações de apoio ao atual governo. Sua leitura é fundamental e este pequeno artigo não poderia reproduzir a contento a quantidade de informações e reflexões da análise de Teixeira da Silva.

Ainda acompanhando a análise do artigo citado, ao se discordar da interpretação governista, cria-se o abismo entre os opinantes. O mundo da política reduz-se à opinião, sem reflexão, de mensagem e fake news deflagradas por “formadores de opinião” e multiplicadas ciberneticamente pela contabilidade algorítmica da “Inteligência artificial”.

Mesmo aquelas afirmações construídas ao longo de séculos sobre a concepção de humanidade: a razão, o cogito, a cultura, mesmo as pseudos-ciências evolucionistas perdem seus elos da continuidade histórica dos “ancestrais comuns”. Mesmo as criaturas de Deus não se entendem mais relacionadas ao Fiat Lux. As semanas de sete dias perdem o sentido de tempo da natureza. E o homem dominador da natureza não se envergonha de ser seu destruidor: o futuro é o presente.

De acordo com esta perspectiva, teria a ideia de democracia de Popper, um dos ideólogos do neoliberalismo, alcançado sua antirealização racionalista quando o mutável se torna permanente, opondo-se à própria concepção antihistoricista e tornando-se, enquanto tendência finalista, uma distopia.
Desconsiderando a Política como o “espaço do debate” e traduzindo-a como “ação do Estado”, conforme perspectivas de Carl Schmitt, sobrepõem-se a “política” às quaisquer outras manifestações ideológicas e às relações multialéticas da totalidade. Reduzindo o “papel da política”, elege-se a religião como o único “ópio” do povo. A “cultura”, como produto mercantil, é o mais eficiente promotor de “novas” identidades, ou “cópias”. A religião também se mercantiliza e, ao reproduzir cópias de templos e paródias de outras religiões, se torna mais um falso absoluto entre outros ópios dos povos e o Partido torna-se, no relativismo, este legitimador do falso absoluto, pois excludente.O afastamento e o desconhecimento do processo de produção e reprodução da existência torna, também, a cultura um fator de alienação.
Em relação ao Partido criado pelo atual presidente, pensemos o contexto de sua criação. Enzo Traverso aponta como momento de ruptura e ascensão de uma “nova direita”, o ano de 2016, em que a vitória eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos da América teria coroado o avanço da extrema direita na Europa. Segundo Traverso, a natureza da extrema-direita surgida na Europa, anteriormente à eleição de Trump, não teria características nem pós-fascistas, nem mesmo neofascistas, mas como um fenômeno mais complexo cuja matriz fascista, contraditoriamente comum, nega e assimila o fascismo. Se, a partir de uma análise relacional com respeito ao comunismo, o fascismo se colocaria como alternativa tanto à crise do capital como à sua expressão política, a democracia liberal burguesa. A atual direita se define, de acordo com Traverso, como uma mistura de autoritarismo, nacionalismo, conservadorismo, populismo, xenofobia, islamofobia e desprezo ao pluralismo (TRAVERSO, 2018).

No momento atual, pode-se aplicar a análise de Umberto Eco sobre o que o fascismo histórico significou na história do mundo contemporâneo e por que meios, as formas fascistas de pensar e agir permanecem nas sociedades “democratas”. Eco forjou o conceito de Ur-fascismo para levar-nos a refletir acerca de atitudes violentas e intolerantes praticadas por “pessoas comuns” que, em nome de uma “justiça moral” atacam a convivência democrática com “desconfobulação política e ideológica” (ECO, 1995 In KAUSS, June, 2019, p. 5).

Enquanto projetos que intencionam promover ações e reflexões sobre uma situação indesejada, ou tese incômoda, que necessita superação, ou fim, as sínteses podem ser compreendidas no âmbito da construção de uma linguagem “procedimento prévio fundamental”, exercendo “um importante papel de normatização” em movimentos/linguagens de tipificação fascista, apreendidos, enquanto fenômeno que permanece como continuum discorsivo nos Tempos Presentes (TEIXEIRA DA SILVA, 2019, p. 47).
Sobre as linguagens fascistas, há que se observar que, embora simplificadoras, no processo de sintetização, estas precisam construir argumentos fundamentados em tradições, costumes, moral e mesmo filosóficos. E esta era uma exigência aos intelectuais integralistas. Havia uma determinação prévia, controlada, e uma vigilância editorial quanto ao que era produzido como Pensamento Integralista, o que não significa o abandono do pragmatismo, da absorção e depuração da produção de discurso pela militância de base para retorná-lo como síntese.
Relacionando a construção do “modelo” de Eco às críticas de Gilles Deleuze e Felix Guattari a um “cientificismo esclerosado e conformista”, o prefácio de Michel Foucault à obra nos induz a confrontar os fascismos cotidianos: “o fascismo que está em todos nós, que ronda nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz gostar do poder, desejar essa coisa mesma que nos domina e explora.” (FOUCAULT, 1977). E tratando dos processos de ressurgência do fenômeno fascista no Tempo Presente, o Professor Francisco Carlos Teixeira da Silva demonstra, com pesquisa e militância antifascista, a importância da observação da “linguagem como um fenômeno fundamental no processo de construção da dominação fascista.” (DA SILVA, 2019).

Como escreve Silva, a linguagem fascista articula uma série de sintagmas e vocábulos que, por repetição e saturação, normalização o improvável, o inumano, o ilógico e o irracional, rebaixando o nível do debate político e constituindo-se em indispensável elo de união entre os indivíduos em processo de fascistização” (DA SILVA, 2019), é possível entender algumas das permanências morais que, num absoluto “fuzzy[xi]”, reúne elementos das “tradições” religiosas descontextualizadas, assim como máximas morais superadas por outros hábitos e relações sociais na história. Há nestas relações subjacentes na civilização ocidental, as referências à cidade de Ur como um dos berços das civilizações, mas também, como o ponto de partida de Abraão ou da nova aliança. Segundo a análise de Deleuze e Guattari, o Urstaat original, surgido totalmente armado, por um golpe de um senhor, é o “eterno modelo de todo Estado quer ser e deseja”. (DELEUZE & GUATTARI, 1976, p. 275).

II. Ação:

Os dois partidos, em comum, advogam para si a representação de uma cultura moral brasileira. Há, em ambos, o sentido escatológico nas percepções de um mundo à beira do caos social. A “espiritualização da política” iniciada, segundo Mannheim, da tentativa revolucionária dos anabatistas alemães liderada por Thomas Münzer no século XVI, que dava à tensão social a mentalidade utópica.

A circularidade de ideias se percebe na identificação de influências recíprocas entre as classes sociais, no que tange as culturas e produções de ideologias ou utopias. E a adesão a uma ideia representa, também, a resposta dos homens as necessidades de verem seus anseios (culturais e classistas) serem delineados em forma de utopias. Entre estas, em disputa e conflito, estão as que pretendem a transformação radical (socialismo) e as que pretendem prender no tempo um mundo idealizado da ordem divina.
O fascismo, como o vê Gramsci quando analisa o processo iniciado no Risorgimento italiano, se construiu ao longo do processo de formação de uma concepção de Estado e que, sob condições históricas e culturais que lhe davam suporte e foi se constituindo como força de contenção alternativa à ação dos trabalhadores. No caso brasileiro, o integralismo, incorporando ideias de controle da luta de classes pela imposição hierárquica e dominante de uma ordem organizacional inquestionável da Chefia do movimento. Influenciado pelo fascismo e para exercer controle, incorpora aos elementos de religiosidade que concebe como característica do povo brasileiro as definições de sociedade ideal delineadas pela Igreja Católica neste contexto.
A ação da militância da AIB se fazia, nos inícios do século XX, como realização da síntese integralista e em defesa do status quo. A revolução integralista deveria ser espiritual, individual e coletiva, em torno do projeto do Estado Integral que deveria ser produto e realização do advento da Quarta Humanidade, a obra suprema e universal, católica, cuja origem seria o Brasil. Os integralistas conservam uma utopia, a que o advento preparado pelo Estado Integral, o da definitiva ruptura provocada por uma última erupção da história[xii], se instalaria, com todos seus militantes. os vivos e os mortos, que na “Militância do Além” aguardam o juízo final, a ressurreição da carne e a vida eterna no Império do Cordeiro.

Uniformizada, com suas camisas verdes, para homens, e blusas verdes, para as mulheres, tinha-se por objetivo a divulgação do movimento integralista que só se fazia conhecido no interior pelos jornais e revistas impressos, por rádio e pelas marchas. A cor verde remetia-se à bandeira nacional e a referência às marchas como bandeiras objetivavam recorrer à tradição histórica paulista que exemplifica, na figura dos bandeirantes dos tempos coloniais, o desbravamento do interior brasileiro.

As marchas também se remetiam à ideia de força e de ordem, demonstradas pela formação militar dos militantes, pelo uso dos uniformes com seus sigmas (∑) bordados, identificador das camisas e blusas verdes, e pelo lema “Deus, Pátria e Família”.

Também, ressalta-se, que na construção do herói-mito Salgado, como condutor de um projeto para o Brasil, ele era o único que podia ostentar no emblema bordado na sua camisa verde, o símbolo da continuidade do império português, a esfera armilar circundando o Sigma. Salgado, deste modo, se fazia representar, em si mesmo, o complexo doutrinário que compõe o seu arcabouço teórico prático, sendo o mito vivo: ideia e ação integralista. Mas Salgado, mentor e Chefe, bastaria à Doutrina? O que a produção intelectual integralista demonstraria é que não. Embora inspiração, a doutrina integralista não se restringiu à produção de Salgado. Embora líder, não se pode confirmar que sua presença física ou pictórica garantisse o integralismo. Embora sua presença tenha sido elevada à condição de Sede integralista, definida, deste modo, em março de 1934, no 1º Congresso Integralista Brasileiro, realizado na cidade de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, não se pode dizer que, principalmente depois do retorno do exílio, isto bastasse aos integralistas da década de 1930 para que o integralismo tivesse continuidade com a criação do Partido de Representação Popular, criado em 1945. O fato é que muitos seguidores do integralismo fundador não se filiaram ao PRP, como Barroso e Reale, entre outros, que embora acenassem para a integração ao modelo de representação partidária liberal democrática, não concebiam mais a continuidade do integralismo original, doutrinário. Salgado, por sua vez, criou os Centros Culturais da Juventude, nos quais, jovens, denominados “Águias Brancas” eram introduzidos em conhecimentos de Filosofia, Sociologia, Economia, Política Internacional, Geografia Econômica do Brasil, Interpretação da História etc. Segundo Salgado, a iniciativa de educar os jovens no integralismo representava uma ação contra a organização do Komsomol: Liga da Juventude Comunista Leninista (órgão internacional do PC soviético), com seus congressos internacionais. O integralismo, nesta perspectiva da formação intelectual e moral da juventude manteria o seu projeto original de “Revolução Espiritual” como meio de alcançar a “Quarta Humanidade”.
Salgado considerava-se o principal organizador da oposição ao modelo soviético, considerando o semanário “A Marcha”, fundada por ele em 1953, o principal órgão divulgador da luta anticomunista. Assim, na perspectiva de se tornar porta voz de grande parte da população brasileira que comungava a mesma antipatia pela União Soviética, candidatou-se a presidente para as eleições de 1955, concorrendo com Juarez Távora, Adhemar de Barros e Juscelino Kubitschek.

Neste período, as camisas verdes foram abandonadas, embora a menção à nomenclatura não tenha sido excluída dos discursos dos partidários. Porém, é necessário por em questão sobre a distância em termos de organização partidária entre os que se consideravam somente perrepistas, ou populistas e os águias-brancas. Ser um perrepista, necessariamente não significava ser integralista, no sentido que lhe davam os águias-brancas. Estes se consideravam integralistas. A diferença se daria pelo grau de adesão à Doutrina.
Salgado, como ele mesmo descrevera em carta a Olbiano de Mello, em março de 1932, tinha o propósito de “catequizar” e iniciar” brasileiros num sistema que engendrara, divulgando as obras de Alberto Torres, de Oliveira Vianna, de Alceu Amoroso Lima, de Otávio de Faria, de Alberto Faria, de Euclides da Cunha, de Oliveira Lima, de Joaquim Nabuco, todos que, posteriormente seriam chamados, pela Revista Panorama, como “Mentores da Nacionalidade”. Além destes, Salgado enumera: “a literatura fascista do Rocco, do Gentile, do Mussolini, do Prezzolini, as obras de Sardinha, que é o que Portugal oferece de mais interessante (…)’ (MELLO, Olbiano et ali, 1936, pp. 191-192 – nota 1). Olbiano de Mello, em carta enviada a Salgado, em janeiro de 1933, o trataria como o condottiere, na condução “das energias latentes da nossa raça num sentido profundamente nacionalista e, mais que isto, altamente humanista.” (MELLO, p. 193).

Salgado definiu os contornos da Doutrina, mas não a reteve nos limites da sua própria literatura. Ainda continua mito, imortalizado por sua representação e pela “ideia” que considerou representar e assim foi e é ainda considerado.
Elegendo um início mítico para o surgimento do movimento, os próprios integralistas apontam 1926 como o ano da entrega de Salgado à lida política, como “decifrador das instituições coletivas” e como seu “termômetro” (op. cit., 1936).
A década de 1920 fora marcada por uma série de sublevações iniciadas nos quartéis da capital federal, Rio de Janeiro, com a ocupação da Cidade de São Paulo, em 1924, sob o comando do “general” Isidoro Dias Lopes. Helio Silva aponta o número de 6 mil rebeldes paulistas, sendo 2 mil civis (SILVA, 1964).
O ano de 1926 fora decisivo para Salgado enquanto prenuncio de uma “derrocada” brasileira.
Quanto ao emblemático 1926, Salgado se refere às articulações políticas entre Minas Gerais e Rio Grande do Sul, principalmente, para depor o presidente indicado à eleição como representante paulista da Política Café com Leite, o acordo engendrado entre as oligarquias dos Estados de São Paulo e Minas Gerais como permuta na direção 1926política do país, considerando a hegemonia econômica e política de ambos.
Ao citar o ano de 1926, Salgado também se refere, sem citar diretamente, à Grande Marcha empreendida por Luís Carlos Prestes, conhecida como a “Coluna Prestes”, movimento em que o capitão Prestes, no âmbito das revoltas tenentistas, empreendeu uma marcha de seus comandados em que percorreu 33 mil quilômetros do território nacional. Esta marcha tornou-se conhecida como “Coluna Prestes” e seu comandante como o “Cavaleiro da Esperança”.
Este ambiente propiciara, para Salgado, a construção da Aliança Liberal, formada por grupo de políticos das chamadas “oligarquias dissidentes”. Dissidentes em relação ao setor cafeeiro, hegemônico. Estes grupos dissidentes se fariam representar, principalmente, pelos grupos políticos de Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

O ano de 1926 também foi o do lançamento de seu romance O Estrangeiro, que auxiliaria, poteriormente, a  exemplificação dos debates entre as tendências estéticas e ideológicas que disputaram os espaços das “artes autenticamente brasileiras” durante a Semana de Arte Moderna, em 1922, no Teatro Municipal de São Paulo. Nesta ocasião, escritores, artistas plásticos e músicos disputavam projetos de representação nacional que giravam em torno da relação da especificidade brasileira em confronto com o mundo cosmopolita que avançava, segundo suas concepções, vertiginosamente sobre o Brasil. A cidade de São Paulo representaria, enquanto cidade industrial, a porta de entrada dos “estrangeirismos” do mundo burguês.
A industrialização e a rápida urbanização da cidade, cosmopolitalizando-a, eram interpretadas pelo Grupo Verde-Amarelo, do qual Salgado fez parte, como causadoras da destruição de uma “natureza moral e econômica” do Brasil: a sua “vocação agrária”.

O outro episódio mítico da epopeia de Salgado na criação da Ação Integralista Brasileira teria acontecido durante sua estadia na Itália, como preceptor do sobrinho do seu “velho patrono, Alfredo Egídio de Souza Aranha Jr.” (BERTONHA, 2018, p. 83) , em que, com posse de credenciais de jornalista, obteve a autorização para entrevistar o Duce Mussolini. Este encontro, repleto de admiração pela capital italiana e seu passado imperial, Salgado compartilhou, fisicamente, e por carta, ao amigo Manoel Pinto. Nesta carta. Salgado declarava a admiração pela ordem fascista, ao criticar os acontecimentos que levariam à chamada “Revolução de 30”: “O Império legou à República um país unido, homogêneo, vibrando pelo mesmo coração; a República, com mais vinte ou trinta anos, terá completado sua obra de dissociação…” (Edição da Revista Panorama (sobre) Plínio Salgado, 1936, p. 19).

Salgado chegara da viagem ao exterior trazendo a admiração pelo corporativismo fascista: “o Ministério das Corporações é a máquina mais preciosa. O trabalho é perfeitamente organizado. O capital é admiravelmente controlado. O parlamento é constituído por representações de classes.” (Edição da Revista Panorama (sobre) Plínio Salgado, 1936, p. 20). A ideia de “precisão técnica” nas leis e na aplicação de um controle nacionalista, que impediria as divergências regionalistas brasileiras, inspirou Salgado. Sua identificação com o Duce também se daria, segundo Chefe integralista, quanto ao pensamento do líder fascista italiano quanto ao considerar a necessidade de um “movimento de ideias”, antes da criação de um partido.
Mas sua admiração pelo fascismo italiano, segundo o próprio Salgado, inclinava-se, especificamente, para as características brasileiras quanto à uma finalidade histórica “capaz de levantar o povo (…) impondo ordem e disciplina no interior, impondo a nossa hegemonia na América do Sul; principalmente no Prata.” (op. cit., 1936, p. 21). De volta ao Brasil, Salgado encontra, já em curso, a consolidação do movimento de 1930, que alçou Getúlio Vargas ao poder. Para os integralistas, seus críticos, tratava-se de uma “revolução liberal” e, neste sentido uma “questão duplamente grave para Plínio Salgado: de doutrina e a de dignidade pessoal”. (op. cit., 1936, p. 21).
O projeto de criação da Ação Integralista Brasileira ainda haveria de enfrentar uma revolta de cunho liberal, à qual aderiram alguns de seus primeiros militantes. Fora uma revolta por reivindicação por uma nova Constituição, desde o golpe de 1930, em 1932. Embora as chamadas “revoltas constitucionalistas” tivessem ocorrido em vários Estados brasileiros, fora a paulista que ganhou maior repercussão e um “direito” especial à memória oficial.
A vitória sobre São Paulo representou uma dupla derrota sob Vargas. Das duas derrotas, contabiliza-se tanto o golpe de 1930, em que o candidato vitorioso no pleito presidencial deste ano, o paulista Julio Prestes, não pode exercer o mandato, e quanto a derrota nas armas paulistas, em 1932, depostas sob o Exército nacional, o que teria provocado um sentimento de revanche, que equivaleria, conforme a análise de Gramsci aos arditi, os “exércitos voluntários” que se armaram durante e após a Primeira Grande Guerra. A existência dos arditi pressupunha uma “relativa desmoralização” (Q 1, 133, 122 [CC, 3, 123] in LIGUORI & VOZA (orgs.), p. 47) da massa militar. Neste caso brasileiro, a motivação paulista (e nacional) para a reação ao governo Vargas instalado pelo golpe que passou à memória nacional como “Revolução de 30”, fora a incapacidade do grupo “revolucionário” que se alçara ao poder com promessas de mudanças, fazer a reforma real que se esperava, a de romper com os círculos viciosos oligárquicos, com o coronelismo, e com uma pecha liberal-democrata falsificada por uma representatividade sem real exercício de cidadania. Deste modo, quem seria o desmoralizado era o próprio governo diante dos seus críticos.
Porém cabe a reflexão de que, sobre a crítica ao liberalismo da “Revolução de 30”, desfraldava-se a bandeira da Constituição, como paradigma do modelo democrático, em que se defendiam projetos autoritários. A tendência autoritária, compartilhada entre muitos intelectuais brasileiros deste contexto dos “entreguerras” considerava que somente um governo forte daria conta de dar ao Brasil o sentido moral e revolucionário idealizado: o retorno (cíclico) à unidade nacional, sem Estados nem partidos que dividissem a “nação”.

Nestas últimas semanas, que correspondem às semanas do mês de novembro de 2019, o atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, um ex capitão do Exército brasileiro, eleito por vias democráticas, por representação partidária, demonstrando descontentamento com seu Partido político de origem, o Partido Social Liberal (PSL), criou um novo Partido que, no seu entender, representaria a especificidade da sua forma de governar e um “estilo” de governo. O Programa do Partido “Aliança pelo Brasil” foi lançado ontem, dia 21 de novembro de 2019.

A ação empreendida pelo atual presidente para a aglutinação em torno do seu novo partido é da de se opor ideologicamente a qualquer outra manifestação que lhe seja contrária. Segundo os jornais de hoje, com publicação virtual de ontem, 21 de novembro, o número escolhido pelo presidente, para o Partido é o 38, pois “fácil de lembrar”. Segundo a jornalista Angela Boldrini, do Jornal Folha de São Paulo, o número 38 é uma “referência ao calibre de um dos revólveres mais conhecidos no país”. Ainda que estas informações do “calor da hora” não possam ser imediatamente comprovadas, no Programa do novo Partido indica a aprovação do uso de armas que, segundo os partidários, deve ser usada para a “defesa do cidadão”.
Embora se possa discutir a alusão ao uso de armas como uma das principais bandeiras do novo Partido, não se pode duvidar que este é um apelo importante da prática política de uma “cultura política” bem atual no Brasil em que as distinções entre a população se reproduz por uma lógica econômica que estabelece relações de oposição radical, pelo menos ideologicamente, entre aqueles cujas condições econômicas lhes permitam o acesso a “bens” e seus consumidores e aqueles que não dispõem de iguais condições econômicas.
Como refletiu Didi-Huberman sobre cascas arrancadas de uma árvore na Polônia, o mesmo tipo de árvore, bétulas (birken) deram o nome ao lugar onde foi erguido o campo de Auschwitz, Bikenwald. Observa-se que as passagens das memórias se constituem referências a partir de significados que vivências específicas lhe atribuem. As cascas recolhidas por Didi-Huberman contam muitas histórias. A memória da dor foi a que lhe motivou fotografar uma paisagem nomeada pela natureza que a humanidade degradou com a história nazista. Da história e de uma tradição inventada recolhe-se o mito legitimador da ação destrutiva. O campo de bétulas desaparece também no holocausto judeu.

Para Umberto Eco, no seu Cinco Escritos Morais (1998), o fato da história mostrar algum exemplo negativo para a Humanidade, isto não quer dizer que devemos repeti-lo.

Toda a dor impingida a qualquer outro, para o atual governo, é submetida a um mito pagão que se destorce em “direito à vida”. Se o Ocidente rompera, com os contratualistas, o Estado de Natureza, fundando a Civilização, o atual governo retorna ao Estado de Natureza para defender um forma de cidadania pelo acesso ao porte de armas.

Segundo Mircea Eliade: “O valor mágico de uma arma – de madeira, pedra, metal – sobrevive ainda entre as populações rurais europeias, não somente no seu folclore.” (ELIADE, 1978, p. 23). Parece que, no Brasil, também isto acontece, estimulado pelo atual governo. A mitificação da violência torna todos tipos de agressão atos “religiosos”. No caso brasileiro, a caça “ancestral” volta-se para a própria comunidade que, na construção de uma identidade, visa excluir os “diferentes”. A banalização dos extermínios de negros, índios e pobres, histórica e diariamente vilipendiados, extrai, contraditoriamente da sociedade brasileira, qualquer vínculo mítico/religioso, posto que o mito pressupõe a hominização do divino.
O mito de Teseu, como herói libertador dos jovens de Atenas do sacrifício ao Minotauro, pode ser revisitado: Quem pretende-se o Teseu dos dois séculos brasileiros?
Quanto a Salgado, é ele o Teseu que, no navio divide o martírio nacional, um apóstolo bandeirante, nacionalista, defensor das riquezas naturais do Brasil, que via no índio, o suporte genético do povo brasileiro, com aqueles denominados pelo Movimento como “Mentores da nacionalidade”, sábios conselheiros para o Projeto do Estado Integral. Estariam todos no mesmo navio que leva ao sacrifício aquele que iria vencer com inteligência o Minotauro e libertar a pátria: Plínio Salgado/Apóstolo/Teseu.
Considerando o navio do herói Teseu como o integralismo na sua continuidade, a viagem no tempo, coloca-se uma questão para a atualidade do movimento, cujos membros, em suas manifestações públicas, tornam conhecidas pela imprensa física e virtual, os uniformes e rituais integralistas surgidos na década de 1930. Pode-se usar o exercício lógico do paradoxo do navio de Teseu proposto por Plutarco: Se o navio de Teseu passa por consertos e modificações durante viagem de retorno a Atenas, ainda é o mesmo navio da partida? Como o “paradoxo do navio de Teseu”, a Doutrina do Sigma tem sido reestruturada ao longo de 87 anos, desde o lançamento do Manifesto Integralista, em 1932. Os “novos integralistas” do século XXI mantêm as críticas à democracia liberal e defendem a “democracia orgânica”, persistência de tendências do corporativismo como alternativa autoritária e antiliberal que se distinguiria do modelo fascista ou tornaram-se, pragmaticamente, soldados de um novo Teseu?
O novo, como o velho integralismo, traz a bordo a defesa da propriedade dos meios de produção contra o “inimigo comum”: o comunismo. Mas, a Doutrina do Sigma é a mesma no Porto de chegada? O integralismo persiste? O lema “Deus, Pátria e Família” ainda representa a essência que também é síntese da década de 1930 até os dez primeiros anos do século XXI?
Do processo democrático liberal, surge um novo Teseu.

O novo Teseu é um soldado. Segundo Samuel P. Huntington, os soldados compartilham uma “mentalidade militar”. Neste sentido, como aponta Huntington, tratando a “mentalidade militar” como um “tipo ideal” weberiano, esta se define por um comportamento ético próprio, que se caracteriza pela pressuposição do conflito. Para Huntington, “O homem da ética militar é, por essência, o homem de Hobbes” (HUNTINGTON, 1996, 81). Huntington se refere, logicamente, ao homem do estado de natureza hobbesiano: “o homem é o lobo do homem”. Cabe ressaltar que Huntingon, apesar de referir a ética a um período simbólico anterior ao estado de civilização, sua análise se concentra sobre a profissionalização militar. Ou seja, o soldado, portador de um ethos militar, pleno em ceticismo e desconfiança “se mostra mais favorável à manutenção da mais ampla variedade possível de armas e forças” (HUNTINGTON, 1996, 85) de modo antecipar qualquer ataque. Isto também significa distinguir, nomear e combater supostos inimigos.

Neste atual caso brasileiro, toma-se qualquer menção à reivindicação por direitos como um possível ataque à ordem, podendo levar à uma reação bélica.
Conforme atesta o projeto de criação do Partido Aliança para o Brasil, este foi inspirado como reação de um herói “não compreendido” por seus pares, mas outorgado por metade da população brasileira. Com o objetivo de “ser diferente”, evocando diretrizes que conquistam brasileiros: “Família, Religião de Defesa da Vida”: “Brasil acima de tudo, Deus cima de todos!”. Pergunta-se: Que Brasil? Que povo? Que Deus mitificado, relativizado, entre cristianismos: da pia batismal ou Rio Jordão?

Atualmente, a força religiosa preponderante, no Brasil, sustenta-se no Pentecostalismo. São as linhas protestantes as que tem maior incidência desta corrente religiosa, mas grupos católicos também consideram o pentecostalismo como um meio de construção de uma experiência de fé diretamente com o Deus cristão. Conforme escreve Fernando Albano:
“A doutrina da justificação pela fé é um dos pilares da fé protestante e das igrejas que simpatizam com os princípios expostos pelos reformadores do século XVI. Entre essas igrejas podem-se citar as igrejas pentecostais clássicas, tendo como maior representante as Assembleias de Deus. A essência desta doutrina é basicamente a crença de que obras humanas não podem salvar, mas apenas a fé como meio de recepção da graça salvífica é que determina a nova relação com Deus.” (ALBANO, 2014, p. 2).
Se o mito funda, cria, seria sua função resgatar a ordem rompida ou dar origem a outra? O mito sempre será evocado para fundar uma nova ordem, ainda que se proclame seu retorno. É possível?

Este é um dilema da Quarta Teoria Política, que Aleksandr Gelyevich Dugin trata como uma “ontologia” geopolítica. Outra relação estranha ao integralismo.

III. Mitologias: o lema “Deus, Pátria e Família” e suas interpretações.
A relação entre Mito e Religião não é, necessariamente, autorreferente, mas tende a ser um axioma de referência que, no entender de Searle, ocorre quando “há dois axiomas que são geralmente reconhecidos, que dizem respeito à referência e a expressões referenciais.” (SEARLE, 1984, p. 104). Assim sendo, Mito e Religião não são necessariamente vinculáveis quanto à origem. Mas a interpretação do Mito, e seu uso, pode adquirir caráter místico e simbólico, não somente para a comunidade pela qual e para a qual foi produzido, como elemento fundador e referência identitária, mas para sociedades que lhes conferem significados civilizatórios universais. O poder do pensamento mítico decorreria, segundo Cassirer, de uma “ingenuidade primitiva” que impregna todas as sociedades, exigindo-se, aos estudos dos mitos, a análise racional.

As investigações dos professores Maria do Céu Fialho e Delfim Leão,  que se dedicam aos Estudos Clássicos na Universidade de Coimbra, chamam a atenção para a constatação, através de Plutarco (historiador do primeiro século da Era Cristã), para a dificuldade em “discutir figuras cuja existência se afastava da fatualidade histórica” (FIALHO, 2010, p. 7). A preocupação de Plutarco é dividida conosco, neste ainda inicial século XXI: “Seja-me, então, permitido submeter o elemento mítico (to mythodes) à depuração da razão (logoi) de modo a assumir assim, uma perspectiva de história.” (PLUTARCO apud FIALHO, 2010, p.8).
Conforme Mircea Eliade, a “solidariedade mística” entre o homem e a natureza requereria sacrifícios. Ainda que a “queda” não provocasse a ruptura entre o Homo faber e o Homo ludens, sapiens e religiosus, a ideia da ruptura provocada pela desobediência humana ainda permanece na desconfiança até os dias de hoje, numa crença subterrânea, ou mesmo explícita, de que os acontecimentos escatológicos anunciados pelo Novo Testamento estão em curso. E este é um dos efeitos que se pretende provocar quando Religião e Política são colocadas no mesmo patamar ou mesmo confundidas em suas funções. O mito é mistificado e lhe é concedida a tarefa de reequilibrar o cosmos.

Nos dias atuais, as palavras, ou neolíngua, tornam-se mágicas, pois, trazidas pela tradição, são elevadas ao domínio dos deuses quando ditas ou twiteadas pelo novo “herói”. O sentido se reduz à interpretação do herói mitificado. Resumir o dito e o sentido ao significado que lhe dá o herói-mito representa reduzir destinatários do discurso, recriando uma identidade brasileira nova, a de uma unidade sem qualquer diferença pela eliminação do diverso. O discurso de ódio que se propaga se materializa em violência e a unidade pregada se define em exclusão, demonstrada pelo genocídio indígena, pelo racismo e ataque à população negra e pobre, conferindo aos bairros miseráveis a condição de guetos e condenando permanentemente a pobreza à uma auto-degradação.

E a mitologia construída em torno do pilar “Deus, Pátria e Família” assume distintas interpretações, também, para os dois partidos.
Tal qual a própria “lenda” integralista, “Deus, Pátria e Família” teriam sido as últimas palavras do presidente Afonso Penna (1847-1909) e que governou o Brasil de 15 de novembro de 1906 a 14 de junho de 1909, data de sua morte.
Para Plínio Salgado, fundador da AIB, e Chefe Nacional integralista:
“É isso que se chama ‘ordem espiritual e moral’, confraternização de ‘todos os que, acreditando num Deus, fazem d’Êle o fundamento de toda ordem social’, conforme diz a Encíclica de Pio XI, cujo texto foi compreendido pelos Integralistas tanto católicos, como luteranos, presbiterianos e espíritas, pois hoje formamos a frente única espiritual, arrebatada pela bandeira de Deus, da Pátria e da Família, disposta a todos os sacrifícios para salvar a Nação das garras do materialismo do século. “(SALGADO, 1955, p. 196, apud CAZETTA, 2011, p. 251).

Enquanto “sucessor mítico” de um projeto explicitamente autoritário de retorno, de “retorno a um tempo de antes”, o Partido do presidente Bolsonaro, de modo relativista, carregaria o apelo da Reforma Protestante.
Com o apoio de líderes religiosos seguidores da Teologia da Prosperidade, o preceito que arroja é anti-neotomista, tanto quanto à questão social, quanto humanista.
O neotomismo, ou mesmo tomismo, como os jovens seguidores de Jacques Maritain o compreendiam, assim como o integralismo “essencial”, segundo a concepção existencialista católica de Mounier, concebiam o personalismo nesta perspectiva: “A pessoa toma consciência de si própria, não no êxtase, mas numa luta de força”.

Embora a questão pentecostal possa ser compreendida também como efusão do Espírito, por meio do qual “o pentecostal experimenta a liberdade que ele não encontra no sistema econômico opressivo e excludente, ultrapassando os ‘limites da realidade dada e determinada pelo passado’ e busca as ‘possibilidades de vida que não se realizaram’, conforme analisa Pommerening, o mesmo autor argumenta que a tradição oral de sua teologia torna o pentecostalismo brasileiro “volúvel e adaptável às exigências sociais, mercadológicas e religiosas.” (POMMERENING, 2014).

O uso político do pentecostalismo, com a exploração da fé sincera dos crentes pelas lideranças religiosas, como demonstram estudos de teólogos reformados críticos, é esvaziado da exegese e simplificado em “normas morais” ressignificadas num discurso excludente e mesmo de ódio.
Mas o processo de legitimação de falsos absolutos, no discurso neopentecostal do líder partidário e chefe do atual governo invocaria o Velho Testamento, se referindo à ancestralidade cristã. Retoma a Lei Mosaica, construindo politicamente um retorno simbólico ao Eretz Israel sionista como estratégia “teológica”. O alinhamento político do atual governo com o governo estadunidense e sua política para o Oriente Médio coaduna-se com uma evocação mítica testamentária de retorno ao Velho Testamento, confundindo cronologias, retirando do Pentecostes o projeto apostólico ao atribuí-lo aos Patriarcas judeus e aos profetas. E, são as profecias que são trazidas à pregação, tornando-se o sinal das trombetas apocalípticas quando anunciado o nome do Anti-Cristo: o Partido dos Trabalhadores e o ex-presidente Lula.
O derramamento do Espírito Santo que acompanharia a pregação do evangelho pelos seguidores de Cristo foi anunciado pelo profeta, nestas palavras: “E acontecerá depois que derramarei o Meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; até sobre nmos servos e sobre as servas derramarei o Meu Espírito naqueles dias. Mostrarei prodígios no céu e na Terra; sangue, fogo, e colunas de fumo. O Sol se converterá em trevas, e a Lua em sangue, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor.” (Joel 2:28-31).
As igrejas conservadoras, reacionárias, tornam-se o “santuário medieval”, para onde acorriam aqueles que precisavam da proteção “divina” dos sacerdotes, num espaço sagrado, mítico e a experiência política cotidiana torna-se uma hierofania. O cosmos é reduzido à uma experiência mítica que liga o atual presidente, mito, ao “povo de Deus” convocado a participar de uma nova Aliança: a pelo Brasil.

E o lema “Deus, Pátria e Família” perde o sentido teológico ao assumir um significado apenas e moral, tornando-o utilitário e comportamental. Esvazia-se a síntese que os integralistas propunham estabelecer entre os pilares da sociedade, a égide divina e a ação militante. O “Deus, Pátria e Família” atual reduz-se ao apelo moral cristão, cujo conteúdo se desloca do sentido e o lema torna-se instrumento da exclusão violenta de quaisquer oposições, ideias e ações.

Retomando a análise de Teixeira sobre a linguagem fascista, este escreve “Muito mais profundo do que bandeiras, uniformes e estandartes é na linguagem e na sua estrutura que se expressa o fascismo.”
Embora se possa considerar aproximações entre os dois partidos através do uso de palavras, mesmo as palavras podem carregar sentidos diferentes. Também o uso de bandeiras, uniformes e estandartes não constituem sentido similar apenas por sua reprodução.

Em O Anti-Édipo, Gilles Deleuse e Félix Guattari criticam as re-produções míticas e trágicas. E questionam: “Por que retornar ao mito?” (DELEUSE & GUATTARI, 2011, p. 393).

Por outro ponto de vista, Alessandro Portelli responde:
“um mito não é necessariamente uma história falsa ou inventada: é, isso sim, uma história que se torna significativa na medida em que amplia o significado de um acontecimento individual (factual ou não), transformando-o na formalização simbólica e narrativa das auto-representações partilhadas por uma cultura.” (PORTELLI, A, 2006, pp. 120-121).

Retornando à re-construção mítica do lema “Deus, Pátria e Família”, retoma-se o sentido destas três palavras e como elas expressam concepções de mundo. Desejante de ordem, grande parcela da sociedade brasileira espera alguma “salvação” fora de si, expressando subjugação e impedimento à subjetivação, conforme escreveu Semeraro.

O sentido, relativizado como norma moral, tornam palavras em ideia-força. O mito que Sorel tomou como impossível de ser usado pelos religiosos, pois a “tropa de elite” monástica atuaria pela e para a moderação, na atualidade brasileira, ousam usar armas letais para evangelizar. O mito político, segundo Sorel teria o sentido de mobilizar e incentivar a ação, enquanto “conjuntos de imagens capazes de evocar em bloco e somente pela intuição, antes de qualquer análise refletida, a massa dos sentimentos” (SOREL, 1992, p. 115).
Em Reflexões sobre a violência, uma outra frase de Sorel contribui para analisarmos estes tempos: “Numa sociedade inflamada de tal modo pela paixão do sucesso a obter na concorrência, todos os atores marcham em frente como verdadeiros autômatos, sem se preocupar com as grandes ideias dos sociólogos”. (SOREL, 1992, p. 101).

Diante da tentativa de destruição da pesquisa e do ensino no Brasil, em que as redes sociais se tornam os principais meios de divulgação de notícias e “conhecimentos”, uma última pergunta: Deve-se apenas seguir o mito?

Ao leitor, cabe avaliar.

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NOTAS
[i] Sobre o Moderno Príncipe, Gramsci considera que o Partido Político, no Estado de tipo Ocidental, teria função organizadora. Gramsci aponta a necessidade do partido na organização na moderna política de massa.
[ii] Segundo Umberto Eco, a neolíngua, ou novilingua, inventada por George Orwell na sua obra distópica 1984, compõe-se de um léxico pobre e de uma sintaxe elementar que objetiva, justamente, limitar o raciocínio complexo e crítico.

[iii]A obra filosófica de Farias Brito (1862-1917) trata de uma tentativa de abordagem de unidade do “conhecimento universal” do qual seria a Filosofia seu mentor e produto. Tomando a Filosofia como conhecimento e atividade do espírito em formação, ele toma a metafísica como “manifestação exterior ao pensamento” (NOGUEIRA, 1962, p. 21). Seguindo este raciocínio, Brito propõe uma espécie de anterioridade ao a priori kantiano numa “esfera superior à experiência e não pode ser atingido pela experiência” (NOGUEIRA, 162, P. 22), ou seja, pela imanência que não se constrói em oposição à transcendência.

[iv] Ainda que o “ponto de partida” hegeliano seja a metafísica, o exercício dialético de Farias Brito parece similar ao de Hegel quanto à “Santíssima Trindade”, conforme a análise de Lincoln Menezes de França: “O movimento trinitário das figuras do Pai, do Filho e do Espírito é a explicação da natureza mesma do espírito dada por Hegel. O Pai é uma universalidade Abstrata, não mediada, não reconhecida ainda, que se diferencia de si na figura do Filho, colocando-se como objeto de si. Ao saber de si nesse movimento, contempla-se enquanto movimento, tem consciência de si enquanto movimento, sendo, portanto, Espírito, mediação consciente de si. Por conta dessa característica da trindade, a religião cristã é concebida por Hegel como sendo superior às outras religiões.” (FRANÇA, 2008, p. 128).
[v] Audiência pública, requerida pelo senador Paulo Paim, com sindicalistas, para discutir “O Estado necessário para o desenvolvimento brasileiro no século 21”, em 26 de agosto de 2019. Conferir: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/08/26/reforma-administrativa-e-desmonte-do-estado-concordam-debatedores-na-cdh
[vi] Conferir os depoimentos de militantes integralistas da década de 1930, tomados por Marcia Carneiro, na década de 1990, e depositados no Laboratório de História Oral da Universidade Federal Fluminense (LABHOI/UFF).
[vii] O termo personalismo, como o utiliza Mounier e, por extensão, o “foco” na pessoa, como procedem os intelectuais integralistas da década de 1930, surgira em 1903, com a Filosofia de Renouvier. Mas fora usado, anteriormente por Walt Whitman, em Democratic Vistas, de 1867. Na Europa do período entreguerras, com o conceito com a definição acima, foi divulgado pelas Revistas Esprit; Order Nouveau, entre outras de viés humanista.
[viii] Ainda que se pese a diversidade de atuações da juventude católica entre as quais se distinguiam os movimentos críticos ou não em relação ao diálogo com a modernidade e com formas de exercício de autoridade em oposição à “vontade popular”, o ideal de uma “Idade Nova” refletia, entre os jovens católicos da década de 1930, o da necessidade de se fundar uma nova ordem social alternativa, tanto ao liberalismo quanto ao comunismo. O fascismo, para alguns, representava a terza via. Para os católicos, sem que muitos destes se opusessem ao fascismo, a Idade Nova significaria o papel intermediador da Igreja entre o trabalhador e seu trabalho. Na análise de Guilherme Arduini: “O verdadeiro nacionalismo cristão seria aquele que convencesse cada pessoa a pensar sua nação como uma grande família” (ARDUINI, 2015, p. 73).

[ix] Do artigo: Honestidade e Coragem. Panfleto que consta do acervo do fundo integralista do Arquivo Público do Rio de Janeiro, não contendo data de sua publicação nem referência – documento no. 4149. Este artigo foi distribuído à população e aos integralistas. As discussões sobre a essência totalitária ou não do integralismo encontram-se em muitos textos, principalmente os de Miguel Reale e de Plínio Salgado. É preciso deixar claro que estas discussões estavam sendo feitas concomitantemente com a ascensão dos fascismos na Europa e lhes são anteriores. Os debates acerca da definição do conceito de totalitarismo ocorrem antes da Segunda Guerra em torno de uma tendência coletivista do comunismo e dos fascismos que, paradoxalmente, defendida por correntes anti-historicistas, implicariam como determinante totalitária.

A tomada de posição dos integralistas quanto estas questões, antes de buscar criar visões antagônicas às dos modelos europeus, buscava, principalmente marcar as diferenças nacionais entre o fascismo brasileiro da AIB e os da Europa. O termo é usado para demarcar as diferenças do integralismo com o fascismo e comunismo, pelo enfoque do que significa nuns e noutros o termo Totalitário. A obra de Karl Popper, A sociedade aberta e seus inimigos (1938) foi produzida a partir deste debate, que já repercutia entre os intelectuais brasileiros.

[x] AI2, o Ato institucional Número 2, foi um Ato imposto pelo Governo da Ditadura militar, em 1965, como “resposta” à vitória massiva da oposição nas eleições deste ano. Com o AI2, o Poder Executivo passaria a intervir nos outros dois Poderes republicanos. As eleições para presidente da República tornaram-se indiretas e ajustiça civil também ficou submetida ao Executivo. O pluripartidarismo foi extinto. Dois Partidos políticos criados para servirem de suporte à farsa democrática da Ditadura: a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). O AI2 esteve em vigência de 1965 a 1967, quando foi ratificada pelo Congresso Nacional, a Constituição de 1967, que teve como um dos redatores, o Ministro da Justiça do Governo Vargas que, em 1937, também redigiu a Constituição do Estado Novo Varguista (1937-1945).

[x] Juan Linz no Prefacio à segunda edição do livro de TRINDADE, Hélgio. Integralismo, fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: DIFEL, 1979, p. XII.

[xi] Referência que Umberto Eco utiliza para definir o ideário fascista: “O fascismo não era uma ideologia monolítica, mas uma colagem de diversas ideias políticas e filosóficas, um amálgama de contradições.” (ECO, 2017, p. 17).
[xii] Emmanuel Mounier, o pensador existencialista cristão e militante antifascista, chamou de “erupções” as rupturas históricas que se completam pelo início de outro ciclo. Aos contemporâneos dos tempos findos, a aparência é a apocalíptica.

Professora Doutora do Departamento de História do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do Laboratório de Estudos da Imanência e da Transcendência (LEIT) e do Laboratório de Estudos das Direitas e do Autoritarismo (LEDA). Membro do Grupo de Estudos do Integralismo (GEINT).

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