O Ensino da História, comumente introduzido nas classes da Educação Básica brasileira, encontra obstáculo no lidar com uma restrita possibilidade de “transportar” para outros tempo e lugares a percepção dos diversos contextos. O Ensino da História, como demonstrou Elza Nadai em “O ensino de História no Brasil: trajetória e perspectiva”, nunca foi de fácil aplicação. A autora, iniciando o texto por epígrafe de Murilo Mendes em “A História no Curso Secundário”, escrito na década de 1930, desmente uma certa afirmação em voga de que o Ensino tradicional no Brasil era recebido passivamente por estudantes disciplinados e submissos à Educação: “Nossos adolescentes também detestam a História. Votam-lhe ódio entranhado e dela se vingam sempre que podem” (MENDES, 1935, apud NADAI, 1992). A vingança viria com negarem-se a decorar os “pontos” e com a “cola”.
Os problemas também apontados para o distanciamento constantemente percebido entre estudantes e o Ensino da História também se deve às delimitações temporais não adequadas às vivências locais. Como apontou Luís Carlos Borges da Silva, a História Regional, como concepção historiográfica que se desenvolve a partir das experiências compartilhadas entre o grupo fundador da Escola dos Annales e suas gerações posteriores, é um recurso fundamental para uma aproximação construtiva das compreensões da História: “A narrativa deixa de ser fundamentada em temas distantes para se incorporar aos fenômenos históricos da região, consequentemente do município.” (SILVA, 2003).
O autor coloca em questão o afastamento espacial e temporal, de um território conhecido de uma outra História, a que segue o caminho civilizatório, cuja referência é a História europeia. Esta demarca “evolutivamente” um certo caminho universalizante, retirando da História da Humanidade sociedades com tradições orais e simbólicas que atualizam, no círculo das memórias, as suas tradições, suas histórias.
O afastamento espacial e temporal do processo civilizatório encontra-se com um dilema epistemológico importante: como se apreende a História como Ciência?
Segundo Ana Maria Monteiro (s/d), a “enfermidade da linguagem” reflete, como apontou Pierre Nora, o conflito semântico entre História, como história vivida, conforme consideram franceses e brasileiros, e enquanto operação intelectual, tal como os alemães enfrentam o problema do historiar. Este problema/dilema traz instigantes debates sobre o uso de teorias da história e quanto às possíveis abordagens do Ensino da História nas escolas brasileiras. Nos tempos atuais, o da Pandemia provocada pela expansão planetária do Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave 2, sob a direção de um governo personalista-autoritário, os impactos da permanência de uma História Política que enfatiza eventos e heróis militares, traz à tona condição do distanciamento do Ensino escolar da História e a produção acadêmica, desde a década de 1970, exemplarmente.
Constata-se, ainda, a permanência do “mito das três raças”, do mito do heroísmo brasileiro na Guerra do Paraguai como motivador da Proclamação da República, assim como o mito da instalação da ordem por intermédio da “pacificação” militar. No atual contexto, parece se atualizar os embates ideológicos radicais dos tempos da Guerra Fria, abrindo-se um vácuo confuso em que o liberalismo se antagoniza com a democracia e o conservadorismo se fortalece sobre morais religiosas volúveis. Conforme exposição de Moll Neto e Damasceno, o Brasil se, enquanto periferia, integra ao Sistema Mundo, que se baseia “na constante absorção de perdas econômicas por entidades políticas enquanto o ganho econômico é distribuído para entes privados” e “[…] opera dentro de uma arena maior do que qualquer entidade política pode controlar totalmente” (WALLERSTEIN, 1974, p.348. apud MOLL NETO & DAMASCENO, 2020. A condição de periferia, o Brasil assume a condição de manter fortalecida a economia central, como economia subordinada, reproduzindo a condição de dependência.
Garantindo-se a subordinação econômica, reduz-se, ou imobiliza-se o debate sobre as questões nacionais tão discutidas na busca por uma identidade definidora brasileira desde o século XIX. Esta imobilidade é representada por uma espécie de Pós-História em que o nacionalismo, reduzido aos símbolos nacionais, nega, inclusive outro mito, o da formação romântica do povo brasileiro a partir da união indígena e portuguesa, com a evangelização católica, formadora de um espírito cristão fiel a Roma.
Nos tempos atuais, historiadores, licenciandos e professores de História têm enfrentado uma “estranha derrota”, referindo-nos à obra de Marc Bloch em que o historiador analisa a derrota bélica e moral dos franceses frente ao nazismo. Esta derrota francesa foi ainda mais emblemática pelo fuzilamento de Bloch, um historiador-soldado judeu francês nacionalista diante de pelotão da Gestapo, em 1944. Foi o interesse pela vida que levou Marc Bloch a ser um soldado da História, como atualmente historiadores independentes e, através da Associação Nacional de História (ANPUH), têm se colocado em guerra de movimento que, conforme interpretação de Gramsci, é o momento de organização contra-hegemônica. Desde a luta pela regulamentação da profissão de historiador, vetada pelo presidente Bolsonaro, em abril de 2020, até a derrubada do veto, em agosto do mesmo ano pelo Parlamento federal, o exercício de testar o conhecimento histórico dos brasileiros por si mesmos vem sendo exposto. O veto e sua derrubada apontam dois caminhos conflitantes acerca da profissão do historiador e do Ensino da História. Qual o abismo os separa?
Para a historiografia produzida na Academia, a construção da nacionalidade brasileira ainda se debruça sobre a construção livresca da identidade nacional. Melhor dizendo “identidades nacionais” interpretadas por românticos, folcloristas, modernistas, weberianos e marxistas.
A questão da escravidão e do racismo estrutural, finalmente, chegaram, senão à todas as línguas, pelo menos, têm chegado aos ouvidos pela extrapolação de uma divulgação ostensiva e ostentatória de um “modo de viver politicamente incorreto”, ou seja, ao cúmulo do contrário ao avanço das pesquisas sobre a História Social brasileira.
O “fim da política”, como reação dos ignorados politicamente, demonstra o que Gramsci apontou como o tratamento burguês dado às classes subalternas, consideradas como apolíticas (CARNEIRO, 2019). O fluxo de teorias antifilosóficas e antipolíticas que, por afinidades, sustentam o pensamento da Extrema-Direita no mundo atual, refletem o ataque à História, negando o processo civilizatório, mas submetendo-a à um retorno idealizado europeu anterior ao helenismo e à romanização.
Se, na atualidade, torna-se pulsante a emergência das questões levantadas pelas lutas teóricas, metodológicas e políticas de movimentos decoloniais, é importante frisar que estas lutas não são unívocas. Elas vêm do Oriente, da África, da Europa e da América. Sendo decolonial, busca transcender a colonialidade e não “reverter” a colonização (COLAÇO, 2012). Neste sentido, a ruptura é epistemológica: “Lo decolonial denota, entonces, un camino de lucha continuo en el cual podemos identificar, visibilizar y alentar ‘lugar’ esde exterioridad y construcciones alternativas.” (WALSH, 2009, pp14-15 [nota de rodapé]).
Também, os pensamentos decoloniais não devem ser considerados um retorno à tradição. Mas são visões de mundo, são olhares sobre construções de Teorias de conhecimento que, de modo geral, rompem com a dialética formal e mesmo com a dialética hegelo-marxiana, ao acrescentarem a relação cósmica entre homem-natureza rompida pelo pensamento cartesiano e engessada pelas leis causais e pelos determinismos. Porém, ressalta-se, que o movimento antihistoricista europeu do início do século XX, não intencionou romper com qualquer lógica europeia. Usou a lógica para recuperar um certo idealismo kantiano que mantivesse a metafísica no altar gnóstico, acessível a poucos introduzidos no tipo de operação intelectual tal qual como a História é pensada pelos alemães, segundo Monteiro.
Será que a Historiografia brasileira saltou da influência francesa para a alemã?
Atualmente, poder-se-ia dizer, pelos autores mais lidos nos cursos de História, que sim. Citar Reinhart Koselleck, Jörn Rüsen e mesmo Walter Benjamin passou a significar “conhecimento histórico”. Não se nega a importância teórica e o exercício intelectual que estes historiadores trazem como contribuição à construção do profissional intelectual crítico. A questão é o uso de uma teoria sincronizada repetida por manuais compiladores que vêm sendo usados como “cartilhas de historiadores”. Ou seja, afrouxa-se a reflexão e se instrumentaliza os conceitos numa disciplina como a História que é, essencialmente, processual. Mesmo a cronologia, considerada pelo próprio Koselleck, uma disciplina auxiliar da História, é relegada ao limbo da Teoria. Substituída por “temporalidades”, a lineariadade, é confundida com determinismo e seria simplificadamente definida como relação de causa-efeito, sem que se ative qualquer relação dialética em que se possa entender a ideia de superação pelas ações de sujeitos históricos nos múltiplos movimentos da História. Pelo contrário, ao afirmar-se o fim da linearidade, constrói-se um círculo temporal que retoma a acepção antihistoricista de História cíclica.
De acordo com Domenico Losurdo (2004), o diagnóstico psicopatológico na escrita da História pode ser demonstrado quando são os personagens e não as causas, ou seja, as condições contextuais dos acontecimentos, os promotores do acontecimento. Do mesmo modo agem historiadores com usos de conceitos desarticulados tanto com seus contextos como com a lógica de sua produção: conceito/contexto. Para a historiografia produzida na Academia, a construção da nacionalidade brasileira ainda encontra dificuldades quanto à seleção de fontes e referências que selecionam emblematicamente certos autores e o apagamento de outros.
Seria melhor considerar “identidades nacionais”. As questões da escravidão e do racismo estrutural, por exemplo, finalmente, chegaram, senão à todas as línguas, pelo menos, têm chegado aos ouvidos pela extrapolação de uma divulgação ostensiva e ostentatória de um “modo de viver politicamente incorreto
Se, na atualidade, torna-se pulsante a emergência das questões levantadas pelas lutas teóricas, metodológicas e políticas de movimentos decoloniais, é importante frisar que estas lutas não são unívocas. Elas vêm do Oriente, da África, da Europa e do Brasil. Sendo decolonial, busca transcender a colonialidade e não “reverter” a colonização (COLAÇO, 2012). Neste sentido, a ruptura é epistemológica: “Lo decolonial denota, entonces, un camino de lucha continuo en el cual podemos identificar, visibilizar y alentar ‘lugar’ esde exterioridad y construcciones alternativas.” (WALSH, 2009, pp14-15 [nota de rodapé]). Também, os pensamentos decoloniais não devem ser considerados um retorno à tradição. Mas são visões de mundo, são olhares sobre construções de Teorias de conhecimento que, de modo geral, rompem com a dialética formal e mesmo com a dialética hegelo-marxiana, ao acrescentarem a relação cósmica entre homem-natureza rompida pelo pensamento cartesiano e engessada pelas leis causais e pelos determinismos. Porém, ressalta-se, que o movimento anti-historicista europeu do início do século XX, não intencionou romper com qualquer lógica européia. Usou a lógica para recuperar um certo idealismo kantiano que mantivesse a metafísica no altar gnóstico, acessível a poucos introduzidos no tipo de operação intelectual tal qual como a História é pensada pelos alemães, segundo Monteiro.
Será que a Historiografia brasileira saltou da influência francesa para a alemã? Atualmente, poder-se-ia dizer, pelos autores mais lidos nos cursos de História, que sim. Citar Reinhart Koselleck , Jörn Rüsen e mesmo Walter Benjamin passou a significar “conhecimento histórico”. Não se nega a importância teórica e o exercício intelectual que estes historiadores trazem como contribuição à construção do profissional intelectual crítico. A questão é o uso de uma teoria sincronizada repetida por manuais compiladores que vêm sendo usados como “cartilhas de historiadores”. Ou seja, afrouxa-se a reflexão e se instrumentaliza os conceitos numa disciplina como a História que é, essencialmente, processual. Mesmo a cronologia, considerada pelo próprio Koselleck, um disciplina auxiliar da História, é relegada ao limbo da Teoria. A lineariadade, confundida com determinismo, seria simplificadamente definida como relação de causa-efeito, sem que se ative qualquer relação dialética em se que possa entender a ideia de superação pelas ações de sujeitos históricos nos múltiplos movimentos da História. Neste sentido, a História Regional, ou local, passa ser entendida como História particular, “paroquiana” e não em suas relações com a totalidade.
De acordo com Domenico Losurdo (2004), o diagnóstico psicopatológico na escrita da História podem ser demonstrados quando são os personagens e não as causas, ou seja, as condições contextuais dos acontecimentos, os promotores do acontecimento. Do mesmo modo agem historiadores com usos de conceitos desarticulados tanto com seus contextos como com a lógica de sua produção: conceito/contexto.
Sendo ainda mantida como epistemologia hegemônica, o Pensamento Ocidental conserva-se, mesmo em muitas tentativas críticas ao seu modus operandi (o método cartesiano e os determinismos), a permanência da lógica formal tanto da Escolástica quanto Cartesiana. Se a escolástica se pautou pelo silogismo aristotélico, como método especulativo da educação dogmática católica, Descartes utilizou-se do método dedutivo, da mesma lógica aristotélica.
Em se tratando da Pós-Modernidade como crítica da ruptura homem/natureza e à noção de individuação cartesiana, percebe-se que mesmo alguns usos críticos da perspectiva crítica ao “Pensamento Colonial” mantém seus vínculos com o Método cartesiano, elegendo um ponto de vista ocidental. Elege-se, para fugir dos “determinismos”, confundir diacronia, elemento fundamental da Ciência História, com a sincronia conceitual: em que se elege a compreensão dos conceitos em detrimento dos processos.
Recorrer à análise dos discursos identitários ou subjetivos, na História, não exime o historiador da permanência do seu vínculo com o projeto ancestral colonizador, a identidade da Ciência História com sua matriz ocidental. Se o colonialismo, como escrevem Boaventura de Souza Santos, Maria Paula Meneses (2010) e Walter Mignolo (2014) deve ser questionado por sua imposição epistemológica, conduzindo outras epistemologias não ocidentais à subalternidade e mesmo à destruição, a oposição a esta epistemologia também deve ser a aceitação dos vieses teóricos metodológicos críticos à esta hegemonia que mantém o silogismo aristotélico confundindo-o com maniqueísmo, condicionando-lhe sine qua non, a lógica do terceiro excluído, intransponível para a dialética hegelo-marxiana.
Caudatário da Filosofia Grega, juntamente como as contribuições judaico-cristãs, num hibridismo cultural ancestral, o pensamento ocidental teve como de ponto geográfico de convergência e Produção de Conhecimento do Mundo Antigo, a Biblioteca de Alexandria (século III a.C.), no Reino Ptolomaico do Egito. O Pensamento Helenístico permanece, mantendo contradições frágeis, mas confundíveis, com o Pensamento Judaico-Cristão. É possível verificar, por exemplo, a ética Aristotélica da Antiguidade diluída no senso comum como Moral, confundida pela escolástica medieval, menos em Tomás de Aquino e especialmente em Raimundi Lulli (século XIV) , um dos responsáveis pela crítica à contribuição grega e árabe à Escolástica. Em Lulli, a proposta de superação da ciência aristotélico-averroísta por uma ciência universal, a sua Arte que, segundo o pensamento lulliano, proporcionariam a superação de lacunas dentro da própria escolástica, no que se refere às ciências sem inventio, “relacionadas com a probabilidade, com a opinião”. Cabe ressaltar que este entendimento pressupõe a necessidade do exercício lógico que inclui a transcendência divina.
Em tempos hierofânicos, citando o medievo, poderia parecer simples constituir uma relação simplória entre a vida cotidiana e a vivência do sagrado. Mas os estudos dos Processos inquisitoriais, tanto do período medieval como moderno, demonstram que o controle da diversidade religiosa era imposto, justamente, pela Igreja Católica, não deter uma hegemonia incontestável. Pelo contrário, para que esta imposição se consolidasse sobre as demais manifestações do “sagrado” que não as católicas, fora preciso realizar a constituição dogmática da existência católica, fundamentada no Novo Testamento, nas decisões conciliares e exclusão das interpretações heréticas do Canon.
A proposta de uma Didática Ética, estética e dialética pressupões o uso coerente da contribuição da lógica ao processo educativo. A Didática, enquanto “arte de ensinar” ultrapassaria o sentido de autoridade, enquanto ética e dialética. Sendo a ética concebível apenas nas relações inter-subjetivas, resgata-se a Pedagogia de Paulo Freire das interações construtoras das múltiplas relações entre e inter-conhecimentos das histórias vividas e refletidas. Tratam-se de relações essencialmente dialógicas e polifônicas que se sintetizam pelo recurso dialético marxiano da constatação das contradições entre infra e super-estrutura e da existência de disputas, das desigualdades, das lutas de classes. Quanto a estética, nascida como filosofia do Belo, estende-se pela “forma”, como expressão das artes de viver e interpretar o mundo vivenciado. A estética é social, mas também intuitiva e sensorial. E Kant pode nos fazer compreender o reconhecimento socialmente construído do que é Sublime e do que é Belo. Enquanto a interpretação do Belo se relacionaria ao objeto, o Sublime se caracterizaria por provocar “pertubações filosóficas” (JIMENEZ, 1999).
Neste sentido, uma Didática Ética, Estética e Dialética tem por intenção provocar a reflexão e promover a praxis educadora por meio da participação ativa e questionadora de todo o processo e prol de uma filologia vivente que requer atuação do educador/educando pesquisador como interventor e produtor de interpretações e mudanças no mundo (SEMERARO, 2001.
Conforme a paradigma indicado por Mignolo: “A gnose liminar, enquanto conhecimento numa perspectiva subalterna, é o conhecimento concebido das margens externas do sistema mundial colonial/moderno; gnosiologia marginal, enquanto discurso sobre o saber colonial, concebe-se na intercessão conflituosa do conhecimento produzido na perspectiva dos colonialismos modernos (retórica, filosofia, ciência) e do conhecimento produzido ma perspectiva das modernidades coloniais na Asia, África, nas Américas e no Caribe.” ( MIGNOLO, 2020, p. 33).
E, de acordo com a realidade brasileira, através da constatação da grande contradição latente entre produção historiográfica acadêmica e Ensino da História que as perspectivas apontadas por Mignolo acima, enfrentam um combate mortal: o que se esconde e o que permanece na História brasileira.
Fora do ciclo definidor, a História Regional, ou local, passa ser entendida como História particular, “paroquiana”, menor, e não em suas relações com a totalidade.
Em torno da História Regional, o dilema do “provincianismo” memorialista e as análises externas: um confronto que se distingue por “lugares de fala”, mas não de classes, pois mantêm-se o pensamento hegemônico, identificado com frações de classe dominantes.
O historiador Duval Muniz de Albuquerque Jr. aponta para a permanências de preconceitos originários de conflitos políticos que criaram estereótipos regionais. O mesmo pode se refletir numa “ilusão” persistente de uma superioridade cosmopolita entre centro-periferia. Sendo a “colonialidade do poder e a dependência histórico-estrutural” (MIGNOLO, 2020, p. 83) a demonstração da hegemonia eurocêntrica, esta se repete, ainda, numa imposição teórica e metodológica que se impõe como Teoria, mas não como lógica.
Considera-se, ainda, que o movimento da historiografia e do Ensino da História vêm intensivando debates sobre abordagens pedagógicas que visem a dialogização, o exercício didático que estimule o educando pesquisador e apontam para a importância de metodologias que se utilizem da indução, observação, comparações e experimentações em que à sócio-interação se integre a metodologia construtuvista à uma praxis transformadora de si e do mundo.
No caso do enfoque dialético de uma História Regional, é importante ressaltar a necessidade de considerar o enfoque da História Pública, enquanto sua capacidade de reunir conhecimentos interdisciplinares através de interação dialógica e intertextual entre as disciplinas escolares, quando busca acionar as percepções nas relações educador-educando de que ao conhecimento que se faz do mundo integra-se a sua “experimentação”. Conforme abordagem fenomenológica, de acordo com Milton Santos (2002): ”O espaço é um conjunto indissociável de sistema de objetos e de sistema de ações.” para o estudo da inter-relação entre tempo e lugar. Esta inter-relação entre território e periodização agrega outras relações cognitivas, como a construída pela Memória e compreensível pela História. Esta construção teórico-metodológica é empregada pelo campo da História Pública, dentro deste espectro, as discussões abrangem desde a “apropriação” ou “criação” de uma narrativa histórica própria à educação escolar, dialogando com diversas mídias no desenvolvimento do ensino escolar de História e na divulgação do conhecimento histórico, como abordado por Everardo Paiva de Andrade em “História pública e educação: Tecendo uma conversa, experimentando uma textura” (2016,p. 175-184).
Neste sentido, se propõe o uso de recursos materiais das nossas escolas como o acesso às tecnologias, atualmente popularizadas, como o uso de celulares. No entanto, considerando o mesmo acesso restrito dos estudantes de escolas públicas ao sistema global de computadores, o projeto pedagógico pode prescindir deste recurso. Considerando, também, as condições de acesso dos estudantes da rede pública ao uso de celulares, pode-se propor o compartilhamento destes em atividades coletivas, que de maneira nenhuma, pelo contrário, está em desacordo com esta proposta.
A importância da História Pública que, tendo por referência a produção e memória dos cidadãos, que se confrontam com a História solidificada como “a verdade” e, também, com a História construída e fechada nos gabinetes e em arquivos empoeirados, onde, por vezes, se arrisca ao uso instrumental de documentos, apenas pelo sabor da “prova”. A História Pública não se proclama detentora da síntese, mas do diálogo com o cotidiano vivido que atravessa os tempos na temporalidade que os cidadãos apontam e que dão sentido a cidade. Com esta perspectiva, este projeto, em consonância com a Metodologia da História Oral, na qual guardam memórias refletidas pelas experiências espaciais, em que os monumentos, conceito aqui tratado, são referências pessoais e coletivas dos cidadãos campistas.
A perspectiva da qual se parte está de acordo com o conceito de território, enquanto recorte de lugar, de uma cidade, nos quais se expressa o mundo e, também, lugar onde se existe. Esta reflexão, que se baseia na percepção de Milton Santos sobre o conceito de território, busca explicitar que a existência dos sujeitos históricos se relaciona com os lugares pelos quais transitam, nos quais vivem e dos quais absorvem e guardam referências. (SANTOS, 1979 e SANTOS, 2012).
Trata-se, também, do entendimento de que os prédios da cidade são documentos históricos, conforme seus estilos arquitetônicos, que refletem gêneses e genealogias de contextos históricos, entre seus planejamentos, períodos de execução, usos, signos de representação social dos proprietários e simbologias construídas no tempo e pelo percurso cotidiano dos cidadãos transeuntes.
Experiências de projetos desenvolvidos em escolas do Ensino Básico na cidade de Campos dos Goytacazes demonstram que é possível a realização do Ensino da História por uma Didática Ética, Estética e Dialética. Entre Projetos exemplares, o desenvolvido no Programa de Iniciação à Docência, o PIBID e pelo Programa de Residência Pedagógica (PIRP) , entre os anos 2013-2019, ambos fomentados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Os Projetos “História e Memória de Campos dos Goytacazes” e “Enquadramento de Memórias de Campos dos Goytacazes: História Pública e Ensino da História”, coordenado pela Professora Marcia Carneiro, e com a participação de licenciandos do Curso de História da Universidade Federal Fluminense neste município do Norte do Estado do Rio de Janeiro; e o Projeto Piloto “Pen Palm” que foi desenvolvido na Escola Municipal Professora Wilmar Cava Barros, onde as oficinas fotográficas integraram o projeto desenvolvido no ano de 2018 pela Coordenação de Língua Inglesa da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esporte (SMECE), da Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes – RJ, em parceria com o Departamento de Turismo.
Tendo como proposta a construção coletiva, o projeto pedagógico, este propõe possibilitar aos estudantes do Ensino Básico produzirem pesquisas a partir de fontes documentais cujas perspectivas partam das Construções de Memórias, com os diálogos contextuais necessários como o recurso da Metodologia da História Oral e das teorias e técnicas fotográficas, considerando estes suportes de múltiplos modos: na construção documental (produção e reprodução de memórias construídas entre fotógrafo e a imagem fotografada (pessoas, objetos e paisagens), tal como escreveu José de Souza Martins sobre a contribuição da Sociologia Visual e da Antropologia Visual: “ O lugar da fotografia (…) depende e da compreensão prévia, por parte do fotógrafo, do código de visualidade que está diante dele no ato de fotografar” ( MARTINS, 2008: 173), e como produção de memória /documento histórico. Na perspectiva da História, o uso da imagem fotográfica, que também se insere no âmbito da Educação Visual, incorporando à análise histórica os estudos de história da imagem, história da Fotografia, filosofia da Fotografia, análise semiótica, iconografia e iconologia. Pretende-se contribuir para o debate sobre a importância da produção fotográfica como campo do conhecimento, enquanto abstração e experimentação, no processo de ensino aprendizagem, num processo interativo de produção de saberes, cujos locus de percepções contextuais são produzidos por perspectivas conceituais e geracionais diversas, ainda que o ponto de convergência seja a classe escolar e o Professor de História, o aplicador da Educação Histórica por Projeto. A Educação por Projeto considera que a “base de toda a educação está na auto atividade orientada, realizada por meio de projetos que têm por objetivo: incorporar ideias ou habilidades a serem expressas ou executadas; experimentar algo de novo; ordenar atividade intelectual ou atingir um novo grau de habilidade ou conhecimento.”
Inclui-se, aqui, a abordagem dialética, no seu sentido lato, de diálogo, conflito e superação, procurando construir a relação educador-educando a partir de metodologias interativas, entre a Pedagogia de Paulo Freire e novas experimentações da pesquisa-ação, com projetos que vêm sendo desenvolvidos com estas metodologias, em comunidades tradicionais (conferir Projeto Ardentia – COPPE (UFRJ)/ PETROBRAS[2]) nos quais se privilegia o envolvimento do “objetivado”, ou o “objeto de pesquisa”, como produtor de conhecimento, ou saber acadêmico, cuja linguagem possa ser inteligível pelos interlocutores ativos e não passivos, diante de uma produção científica, universalmente compreensível e não restrita aos ambientes universitários. Não se tratando de negação do conhecimento científico, mas do reconhecimento de outros saberes e outras percepções da História, cujos indícios estão apresentados nos cotidianos escolares e das cidades, este projeto propõe a intervenção participativa de outros olhares sobre o local e, mais amplamente, sobre o Regional, “conjunto vasto”, nos dizeres de Marcel Roncayolo, que, em sua definição, absorve questões epistemológicas e sociais. Aqui, ao nos referirmos à definição social, que privilegiamos, consideramos os limites regionais deste projeto a cidade de Campos dos Goytacazes, enquanto centro aglutinador de produção e serviços urbanos que dão à cidade ares de metrópole, com características de comunidade rural. Esta “proximidade” com o mundo rural pode ser constatada pelo fluxo de populações dos distritos ou município vizinhos, moradores de áreas rurais, que procuram o centro da cidade de Campos para terem acesso a postos de trabalho, hospitais, comércio diversificado e outros serviços. A cidade de Campos, portanto, com sua história, desde os tempos coloniais, é o limite geográfico escolhido para esta pesquisa, ainda que as relações espaciais, temporais e sociais, possam ser ampliadas ou reduzidas em contextos históricos diversos. Neste sentido, as pesquisas mais atuais produzidas por historiadores da própria Universidade Fluminense em Campos, assim como de outras Universidades presentes no Estado do Rio de Janeiro (Instituto de História/UFF; UFRJ. UENF e UERJ) serão incorporadas ao projeto conforme tema e contexto, numa perspectiva dialógica entre questões privilegiadas apontadas pela Historiografia atual: Memórias do Cativeiro; Antigo Regime nos Trópicos; Cidadania no Império e na República: Memórias da repressão política durante o Regime Militar: Teorias e Metodologias da História, entre outras abordagens e problemas.
Considerando a Fotografia enquanto arte e técnica, este trabalho propõe relacionar o uso da Fotografia às suas produções nos seus contextos históricos. Dessa maneira é preciso compreender os diferentes processos de produção da fotografia e os discursos ligados a tais processos. Em seus aspectos estéticos, as produções e análises das fotografias (enquanto ato e produto da captação de memórias dos sujeitos históricos) expressões das imagens construídas no tempo, são analisados na perspectiva da arte, de acordo com concepções filosóficas e linguísticas da Estética. No que se refere à Ética, as atividades propõem construir múltiplas relações entre os sujeitos (gerações diferentes de estudantes do Liceu de Humanidades de Campos dos Goytacazes) no processo de construção de Memórias sobre a Escola e a Cidade. A dialética, enquanto ação e superação nos diálogos intersubjetivos, multiculturais e políticos, pretende provocar a crítica e transformações de acordo com as bases objetivas da História, enquanto “Ciência do homem no tempo”. Discutiremos a estética, ética e dialética no processo de ensino aprendizagem em função de uma pedagogia libertária. Tem-se por objetivo discutir e aplicar Educação visual através da linguagem fotográfica, como instrumento e meio para construções de relações dos sujeitos históricos, registrando, reconhecendo, refletindo e atuando em seu tempo e espaço, para que, em sua relação com a realidade objetiva do mundo, desenvolvam senso crítico e que seus sentidos estéticos e éticos sejam estimulados.
2 – DESENVOLVIMENTO TÉCNICO, DISCURSOS E USOS
A fotografia é um processo técnico popularizado e fortemente aperfeiçoado no século XIX, tendo diversos agentes envolvidos em seu processo de evolução.
“Qualquer manual de história da fotografia apresenta sua invenção como resultado da conjunção de duas invenções preliminares e distintas: a primeira, puramente ótica (dispositivo de captação da imagem); a outra, essencialmente química, é a descoberta da sensibilização à luz de certas substâncias à base de sais de prata (dispositivo de inscrição automática). ” (DUBOIS, Philippe. “O ato fotográfico”, p. 129, São Paulo, 2014)
Levando em conta a questão e o funcionamento da fotografia como Índice, o aparelho se deu através da união de duas técnicas: a câmara escura portátil, que apesar do nome, era pesada e de difícil manejo com um pequeno orifício, e câmara clara (câmera lucida).
O desenvolvimento da técnica fotográfica estimulou um amplo debate entre os intelectuais, estudiosos das artes e das ciências, sobre o processo de produção e reprodução da imagem fotográfica e suas implicações na arte; e sobre a forma como os sujeitos históricos interagem com esta técnica, de acordo com seus contextos históricos.
Para compreendermos os problemas e possibilidades do uso da fotografia no ensino, é importante que retornemos aos discursos gerados a partir do desenvolvimento dessa técnica, contextualizando e compreendendo o seu desenvolvimento histórico como teoria de conhecimento. Dessa forma, abordaremos esses discursos na perspectiva do que Philippe Dubois nos apresenta em “O ato fotográfico’. Discutiremos ainda a questão da fotografia enquanto binômio “documento/monumento”, que abre possibilidades para debates que submetem a fotografia e as imagens a uma análise crítica e profunda na perspectiva da produção Historiográfica. A respeito da dimensão da fotografia enquanto arte, analisamos seu caráter informativo e abstrato que possibilita aprofundarmos as reflexões acerca da relação que o sujeito histórico desenvolve em seu tempo e espaço.
2.1 – O automatismo da gênese técnica e o discurso da mimese
A descoberta da fotografia se deu através da união de duas técnicas: a câmara escura, uma caixa com um pequeno orifício pesada e de difícil manejo, e a litografia, processo de gravura em alto relevo, apesar de somente citar duas formas técnicas de imprimir a imagem, há vários outros experimentos que buscam melhorar a fixação, a impressão . Uma placa fotossensível era colocada dentro da câmara escura no lado oposto ao orifício coberto, e ao se descobrir o furo, gerando contato com o externo, a luz refletida pelos objetos com o suporte fotossensível gerando uma imagem em alto relevo. Esse processo técnico era, para a mentalidade da época, inovador e assustador. Uma imagem produzida “sem intervenção direta” do homem no trabalho de constituição da imagem, em comparação à pintura a qual a mão maneja o pincel para produzir uma representação subjetiva da realidade. Em seu advento, a fotografia trouxe consigo a ideia de que a interferência humana na constituição da imagem não seria mais necessária, pois a produção fotográfica era dada como automática, Ou seja, a interferência humana só se dava no momento de preparação dos químicos e escolha do objeto, dando assim uma automaticidade e como resultado do processo, a verosimilhança do mundo como resultado.
A aceitação era dividida, enquanto haviam discursos pessimistas, muitos outros recebiam com otimismo a chegada da fotografia, fruto do desenvolvimento técnico acentuado pela revolução industrial e pela busca de uma objetividade da realidade pela ciência moderna. Apesar, das opiniões contrárias e a favor da técnica, ambos tinham a perspectiva da fotografia como “a imitação mais perfeita da realidade” (DUBOIS, Philippe. “O ato fotográfico”, p. 27, São Paulo, 2014), interpretando-a como algo automático, neutro e objetivo. A partir desses debates, vemos os posicionamentos de intelectuais e artistas através de declarações dadas a jornais, através de cartas, como as declarações criticas de Baudelaire ao salon de 1859, elaborado pela Academia Nacional de Artes, mostrando sua perspectiva negativa sobre o avanço da fotografia e a suposta sobreposição a arte pictorialista.
“É preciso, então, que retorne ao seu verdadeiro dever, que é o de ser a serva das ciências e das artes, mas a mais humilde das servas, como a impressão e a estenografia, que não criaram nem suplantaram a literatura. Que ela enriqueça rapidamente o álbum do viajante e devolva aos seus olhos a precisão que faltava à sua memória, que ela ornamente a biblioteca do naturalista, amplie os animais microscópicos, ou, mesmo, apoie com algumas informações as hipóteses do astrónomo, seja enfim a secretária e o notário de quem queï que precise, na sua profissão, de uma absoluta precisão material, até aqui, tudo bem. Que ela salve do esquecimento as ruínas decadentes, os Livros, as estampas e os manuscritos que o tempo devora, as coisas preciosas cuja forma irá desaparecei e que pedem um lugar no arquivo de nossa memória, e terá a nossa gratidão e será aplaudida. Mas se lhe for permitido usurpa o domínio do impalpável e do imaginário, de tudo aquilo que apenas tem valor porque o homem lhe acrescenta alma, então, desgraçados de nós!” BAUDELAIRE In PAIVA, 2018).
(https://fotografiaeteoria.files.wordpress.com/2015/05/a-trachtenberg_p2_baudelaire.pdf)
Com o discurso de Baudelaire fica nítido seu receio quanto ao que seria da arte por conta da aproximação das produções pictorialistas da realidade.
“Neste país, a pintura naturalista, assim como o poeta naturalista, é quase um monstro. O gosto exclusivo do Verdadeiro (tão nobre quando limitado às suas verdadeiras aplicações), neste caso, oprime e sufoca o gosto do Belo. Onde seria preciso ver apenas o Belo (penso numa bela pintura, e pode-se facilmente adivinhar a que tenho em mente), o nosso público busca apenas o Verdadeiro. EÌe não é artista, naturalmente artista. Talvez filósofo, moraÌista, engenheiro, amante de historietas instrutivas, tudo que se queira, mas jamais espontaneamente artista”
(https://fotografiaeteoria.files.wordpress.com/2015/05/a-trachtenberg_p2_baudelaire.pdf)
Por outro lado, também ancorados na produção automática da fotografia, vemos discursos otimistas “que proclamam a libertação da arte pela fotografia. Esses discursos positivos de fato baseiam-se exatamente na mesma concepção de uma separação radical entre a arte, criação imaginaria que abriga sua própria finalidade, e a técnica fotográfica, instrumento fiel de reprodução do real” (DUBOIS, Philippe. “O ato fotográfico”, p. 27, São Paulo, 2014). Como o dialogo entre e Bazin e Picasso, Citado por Dubois, sobre a realidade automática objetiva da fotografia ao representar o objeto impresso e a arte.
“Quando você vê tudo o que é possível exprimir através da fotografia, descobre tudo o que não pode ficar por mais tempo no horizonte da representação pictural. Por que o artista continuaria a tratar de sujeitos que podem ser obtidos com tanta precisão pela objetiva de um aparelho de fotografia? Seria absurdo, não é? A fotografia chegou no momento certo para libertar a pintura de qualquer anedota, de qualquer literatura e até do sujeito. Em todo caso, um certo aspecto do sujeito hoje depende do campo da fotografia”
Essa concepção irrompeu o séc. XIX. Já com o caráter de documento científico e diferenciando-se da arte que traz consigo a personalidade do autor da imagem, a fotografia continua como mimese do mundo e técnica neutra, até meados do séc. XX, neste processo apresentam-se complexificações, como mostra Dubois. Pois, com a objetividade e progresso de tal impressão, outros elementos foram emergindo em torno do debate desse processo, surgindo assim um segundo discurso, “a fotografia como transformação do real”, onde a mimese fotográfica é colocada em questão, dando espaço para outros tipos de interpretação dando a importância que a fotografia tem na reprodução da realidade do mundo, porém, deslocando a gênese fotográfica da mimese, que seria neutra, tecnica e objetiva, abrindo espaço para que através do automatismo fotográfico pudesse se observar um caráter indiciário competente a fotografia em seu processo de captação da realidade, de congelamento e transmutação do mundo para uma realidade fotográfica, não descartando dessa forma o fator mimese, mas designando ênfase ao traço que a fotografia traz na sua constituição.
Com esse deslocamento na análise técnica da produção fotográfica, onde a mimese é contrariada e entendida como uma característica dentro do universo de produção da imagem fotográfica, o resultado não é ponto chave para entender a fotografia em sua gênese. E sim, seu princípio automático, automaticidade que a acompanha em sua natureza. Nessa mudança de perspectiva sobre a psicologia da imagem, a fotografia é representação (extensão) daquilo que ela apreende em seu universo, ou seja, a realidade inserida na imagem, nada mais é, que um declarante do objeto capturado e que agora se insere e é impresso na imagem, e não necessariamente, ela terá total semelhança com seu referente.
“Esta gênese automática subverteu radicalmente a psicologia da imagem. A objetividade da fotografia confere-lhe um poder de credibilidade ausente em qualquer obra pictórica. Sejam quais forem as objeções do nosso espírito crítico, somo obrigados a crer na existência do objeto representado, literalmente re-presentado, quer dizer, tornado presente no tempo e no espaço. A fotografia se beneficia de uma transferência de realidade da coisa para a sua reprodução. O desenho o mais fiel pode nos fornecer mais indícios acerca do modelo; jamais ele possuirá, a despeito do nosso espírito crítico, o poder irracional da fotografia, que nos arrebata a credulidade. ” (André Bazin, “Ontologia da imagem fotográfica” in O cinema. Ensaios. Ed. Brasiliense, 1991, pp. 35)
Assegurados pela natureza automática, elemento que deu seguridade para que a ciência tivesse mais um instrumento de análise, como as fotografias produzidas por alguns exploradores na busca de atestar os seus descobrimentos, assim, usadas pela antropologia, a cartografia usada pela geografia, a fotografia e a história, etc. Consequentemente as questões sobre a verdade fotográfica fortaleceram-se, questionando seu processo de produção, seus códigos culturais, intencionalidades. Mudando de fato a perspectiva do que interessa no processo de produção fotográfica. Guinando para o discurso que se baseia na fotografia como transformação do real.
Essa percepção se faz presente pelo falo do estruturalismo vigente no século XX, porém Dubois assinala que o meio do desenvolvimento fotografico já no séc XIX é contestado essa nova realidade trazida pela fotografia que não dá conta de registrar todos os contornos de tons, semitons e a dinamica de luz que se apresenta na realidade para nós. Com uma análise puramente técnica do processo fotografico Rudolf Arnheim no inicio do séc. XX;
“a fotografia oferece ao mundo uma imagem determinada ao mesmo tempo pelo ângulo de visão escolhido, por sua distância do objeto e pelo enquadramento, em seguida, reduz, por um lado, a tridimensionalidade do objeto a uma imagem bidimensional e , por outro, todo o campo das variações cromáticas a um contraste branco e preto: finalmente isola um ponto preciso do espaço-tempo e é puramente visual” (DUBOIS, Philippe. “O ato fotográfico”, p. 38, São Paulo, 2014)
Após o entendimento dicotômico que há entre realidade fotografica e realidade do mundo. Outras analises se intensificam, constadando que a camara escura não é neutra, levando ao debate da produção fotografica o carater ideologico, alertando que o surgimento da fotografia se insere também a certas funções sociais designadas, tendo assim o efeito “realista” e “objetivo” como apresenta Dubois na página 40, ao citar Pierre Bourdieu. “Se a fotografia é considerada um registro perfeitamente realista e objetivo do mundo visivel é porque lhe foram designados (desde a origem) usos sociais considerados “realistas e objetivos”. (DUBOIS, Philippe. “O ato fotográfico”, p. 38, São Paulo, 2014)
Essa afirmação mostra a relação que a fotografia tem com as escolas de pensamento e reafirma a constituição de sua intencionalidade ligada a Estética dos processos históricos, sendo analisada e produzida de acordo com as necessidades apresentadas socialmente, portanto, mergulhada em códigos culturais.
“Disso se deduziu que a foto não interpreta, não seleciona, não hierarquiza. Como máquina regida apenas pelas leis da ótica e da química, só pode retransmitir com precisão e exatidão o espetáculo da natureza. Eis pelo menos o que fundamenta o ponto de vista comum, a doxa, o saber trivial sobre a foto.” (DUBOIS, Philippe. “O ato fotográfico”, p. 32, São Paulo, 2014)
Nessa direção a fotografia é técnica, neutra, automática, reproduzindo as belezas da natureza, enquanto a pintura, é obra sensível do autor, há um sujeito em sua produção.
1 “Como a indústria fotográfica era o refúgio de todos os pintores falhados, demasiado pouco talentosos ou preguiçosos païa acabar os seus estudos, esse entusiasmo universal tinha não só um //carácter de cegueira e imbeciÌidade, mas também a cor de uma vingança.”
2 “A Poesia e o progïesso são dois ambiciosos que se odeiam de um ódio instintivo, e quando se encontram no mesmo caminho, é necessário que um sirva ao outro. Se for permitido à fotografia substituir a arte em qualquer uma de suas funções, ela irá suplantá-la e corrompê-la a breve trecho, graças à aliança natural que encontrará na estupidez da multidão.
3 4 “
(https://fotografiaeteoria.files.wordpress.com/2015/05/a-trachtenberg_p2_baudelaire.pdf)
“A distribuição portanto é clara: à fotografia, a função documental, a referência, o conteúdo; à pintura, a busca formal a arte, o imaginário.” (DUBOIS, Philippe. “O ato fotográfico”, p. 25, São Paulo, 2014). Com esse gancho, vemos outros tipos de discursos estéticos, éticos que discutem a produção, entrando em choque com a possibilidade da imagem fotográfica ser mimese do mundo.
“Todo o século XIX, na esteira do romantismo, é trabalhado desse modo pelas reações dos artistas contra o domínio crescente da indústria técnica técnica na arte, contra o afastamento da criação e do criador, contra a fixação no “sinistro visível” em detrimento das “realidades interiores” e das “riquezas do imaginário” e isso justamente no momento em que a perfeição imitativa aumentou e objetivou-se.” (DUBOIS, Philippe. “O ato fotográfico”, p. 25, São Paulo, 2014)
3 ESTÉTICA, DIALÉTICA ÉTICA E NA PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA
trazem infinitas informações em seu corpo do ensino de história, dando enfase ao processo de produção da fotografia pelos proprios estudantes, fazendo com que no processso de criação da imagem fotografica, os mesmos tenham a liberdade para que através da fotografia insiram-se em seu tempo e espaço, produzindo e criticando a sua propria imagem fotografica, percebendo de outra maneira o momento do ato fotografico e que ela mesma escolheu ao se deparar com o objeto a ser fotografado, levando a criança não só a interpretar o resultado final de processo de produção fotografico, mas dando a possibilidade para que através do processo de produção da fotografia a criança tamabém adquira censo critico e sensibilidade para se entender em seu tempo e espaço.
4 EXPERIÊNCIA DE ENSINO APRENDIZAGEM
5 RESULTADOS
“Trata-se da questão dos modos de representação do real ou, se quisermos, da questão do realismo. Ora, caso já se dirija a qualquer produção com pretensão documental – textos escritos (reportagem jornalistica, diário de bordo), representações gráficas, cartográficas, picturais ets.” (DUBOIS, Philippe. “O ato fotográfico”, p. 25, São Paulo, 2014)
Para tais análises levamos em consideração o debate levantado por alguns autores como Philippe Dubois em “O ato Fotográfico”, Boris Kossoy em “História e Fotografia” , Vilém Flusser em “Filosofia da Caixa Preta”, ensaios para uma futura filosofia da fotografia”, entre outros artigos e textos bases voltados para educação como, Paulo Freire “Pedagogia do oprimido”, “O trabalho com fotografias no ensino de história” de Lucimar da Luz e Cristina Satiê de Oliveira Pátaro, dando caldo a discussão.
No início da fotografia, seu processo de produção se dava em uma caixa preta grande, que era de difícil manejo, pesada e com um pequeno furo. Em seu interior se colocava uma placa fotossensível, e que, na abertura desse furo, gerando contato com o externo, os objetos envoltos de luz eram impressos em alto relevo no receptáculo fotosensivel . Esse processo técnico era inovador e assustador. Uma imagem produzida sem que o homem interferisse diretamente no trabalho de constituição daquela imagem, sem que sua mão manejasse um pincel para que do subjetivo tivéssemos uma representação da realidade. Em seu advento a fotografia trouxe consigo a ideia de que a interferência humana na produção da imagem não seria mais necessária, pois a produção fotográfica era dado como automático, Ou seja, a interferência humana só se dava no momento de preparação dos químicos e escolha do objeto, dando assim uma automaticidade ao processo de produção da imagem. O homem dava abertura ao furo para que a luz pudesse entrar na caixa preta e que em contato com a chapa fotossensível imprimia-se os traços da realidade que se passava e que agora está congelada, por conta da grande precisão que o processo fotográfico dava nessa reprodução imagética, a fotografia era tida como um aparelho que imprimia mimeticamente o mundo.
Dubois fala em como a fotografia complexificou a ideia do que seria arte. Dando abertura para que correntes do pensamento realista e naturalista, contemporâneos à sua criação, incluíssem o processo de produção fotográfico e pictural, em suas considerações sobre a capacidade da técnica fotográfica como teoria.
As opiniões se dividiam entre pessimistas e otimistas. Ambas decorrentes da crítica ao desenvolvimento técnico acentuado pela revolução industrial.
Com isto, percebem-se conflitos estéticos, éticos que discutem a imagem fotográfica como mimese do mundo.
“Todo o século XIX, na esteira do romantismo, é trabalhado desse modo pelas reações dos artistas contra o domínio crescente da indústria técnica na arte, contra o afastamento da criação e do criador, contra a fixação no “sinistro visível” em detrimento das “realidades interiores” e das “riquezas do imaginário” e isso justamente no momento em que a perfeição imitativa aumentou e objetivou-se.” (DUBOIS, Philippe. “O ato fotográfico”, p. 25, São Paulo, 2014)
Com essa citação, onde Dubois problematiza uma declaração dada por Baudelaire, podemos observar o quanto a metalinguagem da imagem fotográfica estava em processo de modificação por conta do seu aperfeiçoamento técnico, que dava novos aportes para rediscutir a fotografia como, “a imitação mais perfeita da realidade”. Neste sentido, outros discursos que se opunham a mimese ganharam força, dando novas ancoragens ao que deveria tornar a fotografia em “transformação do real”
Nos tempos hodiernos, a fotografia
[1] Conferir: OLIVEIRA, Cacilda Lages – Significado e contribuições da afetividade, no contexto da Metodologia de Projetos, na Educação Básica. Belo Horizonte: CEFET-MG Dissertação de Mestrado, 2006, p. 8-9.
[2] Conferir Notícia em https://www.facebook.com/notes/projeto-ardentia/pesquisa-do-projeto-ardentia-faz-diagn%C3%B3stico-da-pesca-na-costa-do-sol/413393685666598/ Acesso 31/03/2018.
[3] RONCAYOLO, Marcel. Região IN ROMANO, Ruggiero (Diretor).
Bibliografia:
BLOCH, Marc. A Estranha Derrota. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. São Paulo, 2014.
MONTEIRO, Ana Maria.
PAIVA, 2018.