A música parou e parou a cantoria e as pessoas calaram. O burburinho, num repente, parou. Ela chegou! Disse o rapaz, que aguardava na porta. Vendo a pequena multidão, sentou-se, olhou para cada um dos olhos que, atentos, esperavam e, com a calma de sempre, começou:
Se o povo não pode ir até a Montanha, a Montanha vem até o povo.
O que me conduz e move… o que me anima… é a fé — ela é uma forma de esperar sem esperança, de caminhar no escuro, de seguir caminhando pela noite densa, tensa, escura.
A lei dos homens fala que nós temos direito à liberdade, mas esse “direito”, para quem não pode ser livre, é uma fantasia, um sonho, só uma ideia ou nem isso. Eu não quero ser livre sozinha, eu não quero ser livre com os meus, com a minha companheira, com o meu filho, eu não quero ter as liberdades que os outros deviam ter, mas não têm, porque, enquanto houver gente sendo escravizada, enquanto houver gente sendo injustiçada, nós seremos escravos dessa escravidão e cúmplices da “injustiça”. Liberdade às custas da servidão alheia, para mim, não é liberdade, porque liberdade não compartilhada é privilégio puro e simples, é injustiça, é um crime. Por outro lado, se nós impusermos — com violência, se preciso — , a redistribuição das liberdades, para garantir que o direito se cumpra, não estaremos, de certa forma, submetendo alguns à servidão e, com isso, apenas invertendo os polos da injustiça? Desse jeito, o direito à liberdade irá se cumprir de fato? Transformar um opressor num oprimido não é levar um oprimido ao papel de opressor e só? Achar que a partilha sem liberdade, ou seja, que partilhar por obrigação, será a “saída” para os injustiçados é flertar com o autoritarismo, com a tirania e a ditadura ou, no mínimo, com a prepotência arrogante dos que
Não lutam contra a ditadura, mas almejam o posto do ditador
Enquanto a hierarquia vertical sobreviver, sobreviverá com ela os opressores e os oprimidos, os senhores e os servos. Só a ruptura com esse modelo de exploração e violência poderá nos levar, verdadeiramente, à liberdade que é nossa por direito, só rompendo com essa engrenagem de moer gente nós conseguiremos, de forma efetiva, atingir um estado mais justo.
Vamos fazer uma revolução? Vocês me perguntam.
A revolução já começou, a revolução nunca para, ela está acontecendo, agora mesmo, e aqueles que perceberem as suas pontas, aqueles que conseguirem identificar os seus movimentos, poderão “controlar”, de maneira mais ou menos acertada, os rumos da própria história ou até, quem sabe, os rumos da história humana e da humanidade.
O que devemos fazer? Qual é a solução?
Eu não sei, gente! Eu não sei, honestamente.
Não tenho todas as respostas, mas já tenho muitas perguntas e isso é um começo. Eu não busco por vingança, eu quero justiça social.
Nessa hora, começou a confusão e, porque todo mundo gritava, embora ninguém tenham dito nada, todo mundo gritou e, com todo mundo correndo, todo mundo correu. Passou, pelo oco do tijolo vazado, depois do pipoco, a bala que, atravessando a parede da sala, encontrou
a Montanha
e assim foi que a Montanha, de braços abertos, encontrou o chão e o chão se abriu em sangue,
enquanto a noite crescia lá fora
por dentro.
Depois, então, cantaram assim: Ela caiu e o povo, com medo, correu e a galera de fora invadiu e o barraco inteiro ferveu e o que, naquele dia, ela defendia,
aquilo que crescia na fé,
isso não morreu,
isso
tá de pé.