Irene Franciscato
Uma cápsula em torno de um material genético e algumas proteínas que isoladamente pode não ser considerada uma coisa viva, precisa de células vivas e quando as encontra, começa a se reproduzir atacando violentamente nosso sistema imunológico causando insuficiência respiratória. Denominada COVID19, como sabemos, é uma doença altamente contagiosa e seu modo de contaminação já é bastante difundido pelos meios de comunicação: gotículas de saliva contaminadas que entram no organismo principalmente pelas vias aéreas ou por transmissão manual.
Como também sabemos, este ser invisível originou-se em 2019 no continente chinês e foi migrando, através do contágio humano, atingindo países europeus e americanos, incluindo o Brasil e entre nós, todos os estados, com maior número de casos em metrópoles grandemente urbanizadas como São Paulo, por exemplo. Inicialmente, por contágio internacional e posteriormente, por contágio local, comunitário.
Organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde – OMS – emitem orientações aos países a adotarem medidas de combate ao vírus para que o direito à vida seja garantido e que se preparem o quanto antes para a assistência a um potencial contingente de doentes, em grande escala, que adoecerão e necessitarão de local de atendimento apropriado, de muitos profissionais da área de saúde, de cuidados especializados, assim como insumos tecnológicos e materiais afins. Antecipar-se ao pico do contágio e ter leitos hospitalares para o atendimento das pessoas infectadas torna-se uma das principais preocupações.
A parte que nos cabe
O vírus avassalador mobiliza o planeta em todas as suas esferas. Como dito, a OMS protagoniza no cenário internacional, mas os governos, em seus respectivos territórios, adotam medidas de combate à doença epidêmica. Nos diferentes países, os responsáveis pela área da saúde protagonizam localmente aquelas medidas necessárias ao enfrentamento da situação. Toda a estrutura e dinâmica social é afetada, rompendo com a que antes, ainda que com contradições, pulsava rotineiramente.
Na vida cotidiana das pessoas, há também um rompimento no modo de vida estabelecido e assentado até o contágio do vírus tornar-se uma calamidade pública e social.
A parte que nos cabe como cidadãos quanto à proteção dos espirros e lavagem das mãos com sabão e, na impossibilidade de acessar água e sabão, usar álcool em gel 70%, parece ser a parte mais fácil, ao menos como criação de um novo comportamento de higiene. Com orientações didáticas as quais podem dar conta os meios de comunicação, dá-se conta da questão.
Contudo, há também o rompimento da vida social das pessoas que se dá face a face de corpo presente. Aí, a medida de afastamento social nos pega em cheio.
Ficar em casa
Seres que somos não só do espaço doméstico, mas seres das ruas, dos locais de trabalho e de entretenimento, dos espaços de lazer em tempos de vigília diurna e de parte da noite, vemo-nos obrigados a contrariar nossa natureza social, a contrariar nossas interações com o(s) outro(s), tão estimulada desde o momento em que nascemos. Somos compelidos a buscar novas formas de perceber e viver o ambiente doméstico, (re)significando-o ao menos temporariamente.
Essa mudança na maneira de viver o Fica em casa não seria igual para todas as pessoas, para todos os cidadãos, já que vivemos em sociedade de classes de favorecidos e desfavorecidos.
Assim é que para os segmentos da sociedade mais favorecidos, o ambiente doméstico que para muitos era o espaço/tempo do repouso noturno, o da volta do trabalho, passa a ser o espaço/tempo permanente e contínuo do trabalho, assoberbado pela possibilidade do mundo tecnológico e digital atual que permite a interação social à distância.
E como se vive horas e horas no ambiente doméstico quando filhos que frequentavam escolas em meio período do dia estão compulsoriamente em casa, também afastados de seus pares e do ensino presencial? As interações se intensificam e conflitos não tão costumeiros surgem, exigindo novas maneiras de solucioná-los, muitas das vezes lançando-se mão da intensificação de jogos eletrônicos, vídeos e todos os recursos disponíveis a que estes segmentos têm acesso, dados a condição econômica privilegiada.
Já para outros segmentos que prescindem de direitos sociais não cobertos por políticas públicas anteriores, as condições para a travessia do período de Ficar em casa são mais precárias, já que por mais que se afastem das ruas, o afastamento do trabalho nem sempre é possível, como é o caso, por exemplo, de um motorista de transporte público, cujo serviço é considerado essencial.
Para essa parcela da população em vulnerabilidade, o afastamento social a ser seguido também torna-se algo extremamente difícil, dadas as condições de habitação das comunidades que vivem na periferia, com moradias juntas umas às outras. Dadas ainda às condições econômicas restritas para ofertar aos filhos, que estão afastados da escola, os mesmos recursos tecnológicos já citados, como por exemplo, atividades escolares remotas.
E mais. Para estes segmentos, o próprio fato de que havia uma crise de desemprego no trabalho formal, não só se acentua agora, como também desampara àqueles que ganhavam suas vidas em atividades de trabalho não formal: citando apenas um exemplo, o vendedor de cachorro quente que deixou de vender o produto gerador de sua pouca renda. Agora essa renda se resume a nenhuma, caso o governo não lhe prestar assistência alguma assistência, para que lhe seja garantida sua sobrevivência.
O que cabe ao(s) governo(s) brasileiro(s)
Éramos um país em crise econômica, social e política antes do COVID-19 contagiar nossos cidadãos, agora a exigir medidas econômico-sociais, especialmente para aqueles que já sofrem as consequências da desigualdade e vulnerabilidade social. Há posições contrárias entre a esfera governamental federal e as demais, estadual e municipal, que felizmente, seguem as orientações técnicas do Ministério da Saúde, este alinhado às orientações da OMS. Espera-se que a racionalidade predomine no enfrentamento da crise.
Ainda não sabemos exatamente em que momento da pandemia, estamos passando, no entanto, se faz necessário colaboramos como cidadãos, seja por meio do cuidado pessoal, seja também em campanhas solidárias de fabricação de máscaras, como muitas pessoas já estão engajadas.
Acredito e defendo que, mesmo diante de tanto caos, ainda é possível tirar alguma lição de tudo que estamos vivendo. Para todos os países, a lição é de que não somos donos da natureza e que se respeitarmos os ecossistemas do planeta, poderemos evitar epidemias como essa. Para o Brasil, esperamos que os governos, das três esferas, passem a se lembrar da necessidade de que sejam concretizadas políticas públicas na área da Habitação, para que as pessoas passem a morar dignamente; na área da Educação para, que forjemos futuros cientistas e para a área da Saúde e para o fortalecimento do melhor sistema de saúde pública, o SUS, entre outras tantas questões de infraestrutura que precisam sem repensadas. Eis o início de um longo caminho de enfrentamento para nosso país!
FIQUEM EM CASA!