“Adjetivo Feminino” é composto por 59 verbetes, que dão uma ácida dimensão do que pode significar ser mulher atualmente, tendo como convincente evidência, a própria experiência feminina. Foi criado pela artista visual Marina Jerusalinsky como um livro-obra, a partir do acolhimento de relatos de mais de 40 mulheres acerca dos adjetivos que as marcaram de algum modo, durante a vida. A essas marcas, a autora acrescentou as suas próprias, além de uma minuciosa pesquisa linguística, gerando os verbetes.
O livro é dividido em 3 partes: I. Ambiente de trabalho; II. Espaços públicos e comerciais; e III. Relações pessoais. Assim é possível compreender um pouco de antemão os contextos em que os adjetivos foram usados sobre as mulheres. Alguns são amplamente utilizados na nossa sociedade, como “gostosa” e “morena”; outros são comumente generalizados a todas as mulheres, como “fraca”, ou “sensível demais”; e outros, ainda, falam de experiências bastante singulares, como “larga”, “anormal” e “bela bélica”. A autora procurou abordar com humor cada um deles, mostrando através da ironia suas dimensões machistas, absurdas, ou mesmo cruéis.
Marina Jerusalinsky nasceu em Porto Alegre, em 1990, e desde 2017 mora na capital paulista. É artista e investigadora de palavras; trabalha principalmente com ações no espaço urbano, escrita e propostas participativas. Além de participar de diversas exposições coletivas, realizou sua primeira individual pelo 3º Prêmio IEAVI, na Casa de Cultura Mário Quintana (Porto Alegre), em 2014. Atualmente cursa Doutorado em Estética e História da Arte pela Universidade de São Paulo (USP), desenvolvendo pesquisa teórico-prática em torno das noções de transgressão e domesticidade femininas, a partir do estudo de formas de opressão sobre as mulheres ligadas à linguagem e à separação público/doméstico.
Nota: Para participar do próximo volume, entre em contato: marijeru@gmail.com, ou @marina.artetexto (no Instagram).
Fotos: Bruno Tarpani
ALGUNS VERBETES:
Au.to.ri.tá.ria
Dito de pessoa em cargo de chefia que se apoia na autoridade, na prerrogativa e no poder de comandar, porém possui o defeito de não ser do gênero masculino.
Mulher que impõe respeito e obediência por sua postura ou expressão enérgica, impositiva, gerando pânico e desespero entre defensores dos padrões normativos de gênero.
Também conhecida como “braba” ou “mandona”.
(Da seção: Ambiente de Trabalho)
Fo.fa
Que é encantadora, graciosa, “meiga” (ver entrada).
Termo utilizado por indivíduos com grave distúrbio, que consiste em, ao assistir a seminários, conferências, palestras ou similares, independentemente do tema abordado, considerar que a questão mais relevante é a fofura da oradora.
(Da seção: Ambiente de Trabalho)
Gos.to.sa
Pedaço de carne com curvas acentuadas que, ninguém sabe bem como, consegue transitar pela cidade.
Mulher sexualmente apetecível que involuntariamente atrai machos com capacidade de fala rudimentar.
(Da seção: Espaços Públicos e Comerciais)
A.nor.mal
Mulher que participa de organizações ou movimentos sociais e políticos, apresentando parâmetros insatisfatórios de normalidade, pois mulheres normais não se preocupam com questões para além do lar.
Que tem problemas mentais, manifestando e insistindo repetitivamente em ideias absurdas, como a liberdade do corpo feminino.
Mulher extraordinária.
(Da seção: Relações Pessoais)
Cu do.ce
Mulher que, por não ter nada melhor para fazer, gasta boa parte de seu tempo e sua energia seduzindo um homem com o único propósito de posteriormente negar suas investidas.
Termo usado por homens que não entendem o significado da palavra “não”.
(Da seção: Relações Pessoais)
Sen.sí.vel de.mais
Mulher que se afeta ou se impressiona por coisas insignificantes, como que gritem com ela.
Emotiva, sentimental; que chora exageradamente por qualquer mínima violenciazinha.
Ver também: “vitimista”.
(Da seção: Relações Pessoais)
Serviço:
Livro – Adjetivo Feminino: Dicionário de Experiências
Com 8 metros de comprimento e mais de 2 metros de altura, o mural feito com 140 peças de cerâmica traz, em destaque, as figuras de onze categorias de trabalhadores sob o título “Gratidão”. Outros sete painéis serão inaugurados até o fim do ano.
A Associação dos Condomínios Garantidos do Brasil (ACGB/Vida Urbana) inaugurou na quarta-feira (30/06), às 10 horas, o primeiro dos oito murais de azulejo em homenagem aos profissionais da linha de frente no combate à Covid-19, instalado na Avenida Marechal Floriano Peixoto, próximo à sede da entidade, no centro de Curitiba.
O painel de 8 metros de comprimento por 2,10 metros de altura, feito com 140 peças de cerâmica, traz em destaque a palavra “Gratidão” acompanhada das imagens de onze categorias de trabalhadores que exercem atividades essenciais em meio à crise sanitária. Caso dos médicos, cozinheiros, policiais militares, garis, caixas de supermercado, motoboys e carteiros, entre outros.
De acordo com Deisi Momm, coordenadora da ACGB/Vida Urbana, o trabalho de criação e fabricação do mural teve início em março deste ano. A inauguração, a princípio, deveria ocorrer no mês passado para que coincidisse com o aniversário de 21 anos da associação, mas foi adiada depois que cinco dos dez funcionários envolvidos diretamente no projeto testaram positivo para covid-19.
Na semana passada, três faixas estendidas pela entidade no mesmo local onde foi instalado o painel atraíram a curiosidade de quem passou pela região. Tratava-se de uma campanha publicitária idealizada pela equipe da ACGB, chamando a atenção para a homenagem e, ao mesmo tempo, alertando as pessoas para que observem as medidas sanitárias de combate à pandemia.
No texto, escrito em preto e vermelho, João e Maria, dois personagens fictícios, trocam mensagens. Ela uma profissional de linha de frente, ele o namorado preocupado por não receber notícias. “Foi uma maneira que encontramos de chamar a atenção para o painel e, ao mesmo tempo, lembrar que, mesmo com a vacinação, os cuidados continuam”, afirmou Deisi.
Segundo a coordenadora, até o fim do ano, outros sete painéis saudando os profissionais da linha de frente devem ser instalados em diferentes pontos de Curitiba, cada um elencando categorias diferentes. “São muitos, e queremos que todos recebam o nosso agradecimento”.
Entidade sem fins lucrativos, a ACGV/Vida Urbana é responsável por projetos de recuperação de calçadas, plantio de flores em canteiros públicos, corte de grama e “despichamento” de imóveis na região central da capital paranaense. O trabalho é feito gratuitamente. Em 2019, alpinistas urbanos da associação fizeram a limpeza do obelisco da Praça 19 de Dezembro *, no Centro Cívico, onde está localizada a escultura do “Homem Nu” . O monumento tem 44 metros de altura, o equivalente a um edifício de 15 andares.
O custo de instalação do painel na Av. Marechal Floriano Peixoto é estimado em R$ 28 mil. Toda a despesa é absorvida por empresas garantidoras de condomínio, mantenedoras da ACGB. “Desde o salário dos profissionais até os insumos e equipamentos para a preparação e a fixação dos azulejos tudo é custeado pela associação. Não há dinheiro público envolvido”, afirma Deisi.
Sede da ACGB / Vida Urbana: Av. Mal. Floriano Peixoto, 1400–Centro – Curitiba – PR
*Nota: A Praça 19 de Dezembro – mais conhecida como “A Praça do Homem Nu” (na verdade do Homem e da Mulher Nus) – foi criada com referência à data da emancipação política do Paraná, ocorrida em dezembro de 1853. Nela constam, além de outras obras, duas estátuas em granito de um “casal”, autoria dos artistas paranaenses Erbo Stenzel e Humberto Cozzo. Fonte: https://curitibaspace.com.br/praca-19-de-dezembro/
“A fotografia é um fenômeno estranho … Você confia em seus olhos ao mesmo tempo em que desnuda sua alma” (I.M.)
No filme “Abraços Partidos” de Almodóvar (2009) há uma cena em que o protagonista Mateo, um escritor cego, comenta que o dramaturgo Arthur Miller após ter se divorciado de Marilyn Monroe, foi casado com uma fotógrafa com quem teve um filho com síndrome de down, o qual rejeitou durante toda a vida. A fotógrafa em questão era Inge Morath, que embora relativamente pouco conhecida no Brasil, foi uma artista importante para a sua época. Trabalhou na poderosa Agência Magnum, ganhou prêmios, viajou documentando povos e culturas, e hoje existe uma fundação com seu nome que promove concursos anuais para fotógrafas iniciantes.
Ela pode ser considerada uma das fotógrafas pioneiras, no sentido em que foi uma das que quebraram barreiras, ousaram, inovaram e deixaram um legado artístico permanente. Nascida Ingeborg Hermine Morath, em 1923 em Graz na Áustria, seu pai era cientista cujo trabalho levou-o a diferentes laboratórios e universidades na Europa durante a sua infância, e ela acabou indo morar em Berlim. O primeiro encontro que teve com a arte-vanguardista foi o Entartete Kunst (Arte Degenerada) exposição organizada pelo partido nazista em 1937, que buscava influenciar a opinião pública contra a arte moderna.
“Eu encontrei uma série de pinturas emocionantes e me apaixonei por Franz Marc, especialmente seu “Blue Horses”, ela escreveu mais tarde. Mas só eram permitidos comentários negativos, e assim começou um longo período de calar e esconder os pensamentos.” No final da II guerra, Morath foi encaminhada para o serviço da fábrica de Tempelhof, em Berlim, juntamente com prisioneiros de guerra ucranianos. Devido a essa experiência negativa, ela recusou-se a fazer fotografias de guerra, preferindo trabalhar em temas que mostravam as suas consequências sociais.
Após a Segunda Guerra Mundial, trabalhou como tradutora e jornalista. Em 1948, ela foi contratada inicialmente como correspondente de Viena e, posteriormente, como editora para Heute uma revista ilustrada publicada pelo Office of War Information, em Munique. Na Viena do pós-guerra, ela encontrou o fotógrafo Ernst Haas (1921-1986). Trabalhando juntos para a Heute, escreveu artigos para acompanhar as fotos de Haas. Em 1949, Morath e Haas foram convidados pelo fotógrafo Robert Capa a integrar a recém-fundada Magnum Photos², em Paris, onde ela atuaria como editora.
As chamadas cópias contatos fotográficas enviadas para o escritório da Magnum por um de seus membros fundadores – o ‘mítico’ Henri Cartier Bresson – deixou Inge fascinada. “Eu acho que aprendi a fotografar estudando o modo como Bresson fotografava, antes mesmo de ter uma câmera na minha mão”, escreveu. No ano de 1951, começou sua nova atividade, durante uma viagem a Veneza. “Ficou imediatamente claro para mim que a partir de agora eu seria fotógrafa, eu sabia que poderia expressar as coisas que eu queria dizer, dando-lhes forma através dos meus olhos.”
Inicialmente, começou a trabalhar como secretária junto à Simon Guttman, que era Editor da Imagem Post. Após vários meses de aprendizado para atuar como fotojornalista, Guttman quis saber o que ela queria fotografar, e porque. “Não importa o tema, porque após o isolamento do nazismo senti que tinha encontrado a minha linguagem na fotografia”, respondeu. Passou vários meses fazendo o que se conhece em fotografia como eventos sociais: cobertura de exposições, inaugurações, acontecimentos noturnos etc., sob o pseudônimo de Egni Tharom, seu nome escrito ao contrário.
Em 1953 por sugestão de Robert Capa, foi trabalhar com Cartier-Bresson como pesquisadora e assistente, e logo depois foi convidada para se tornar fotógrafa efetiva da Magnum Photos. Durante a década de 1950 viajou incessantemente, fazendo coberturas na Europa, Oriente Médio, África, Estados Unidos e América do Sul para publicações em revistas como Paris Match e Vogue. Morath escreveu e publicou também mais de trinta monografias sobre seus ensaios fotográficos.
Como muitos membros da Magnum, trabalhou como fotógrafa em sets de filmagem, fazendo making of de vários filmes. MoulinRouge (1952) do cineasta John Huston foi um dos primeiros trabalhos. Huston escreveu depois sobre ela: “É uma sacerdotisa da fotografia. Tem a rara capacidade de penetrar além das superfícies e revelar a essência das coisas”. Morath trabalhou novamente com Huston em 1960 no set de Os Desajustados, um ‘blockbuster’ com Marilyn Monroe, Clark Gable e Montgomery Clift, com roteiro do escritor Arthur Miller. Foi quando se conheceram.
Morath e Miller se casaram em 1962, e foram morar nos Estados Unidos, logo depois que ele se divorciou de Marylin Monroe. Tiveram uma primeira filha, Rebecca, que é hoje cineasta, atriz e escritora. O segundo filho do casal, Daniel, nasceu em 1966 com síndrome de Down e foi internado em uma instituição logo após seu nascimento. Arthur Miller jamais foi visitá-lo, apesar dos pedidos insistentes de Inge, e o filho não foi citado em sua biografia.
Durante os anos 60 e 70, trabalharam juntos em vários projetos. Sua primeira colaboração com Miller foi o livro Na Rússia (1969), que juntamente com Encontros Chineses (1979), descreveu as suas viagens na União Soviética e na República Popular da China. Embora a fotografia fosse o principal meio através do qual Morath encontrou sua expressão, era também escritora e falava diversos idiomas, isso fez com que tivesse fama incomum entre seus colegas. Ela escreveu muitas vezes de forma divertida sobre seus temas fotográficos, mas a maioria de seus textos só foram publicados postumamente.
Inge Morath foi uma das poucas mulheres que se tornaram membros da Magnum Photos, que até hoje permanece como uma organização predominantemente masculina. Muitos críticos têm analisado os elementos lúdico e de surrealismo que caracterizam o trabalho de Morath do início de sua carreira de fotógrafa. Ela atribuiu isso às conversas que teve com Cartier Bresson, durante as suas viagens à Europa e aos Estados Unidos. Continuou com seu trabalho até idade avançada, recebendo o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Hartford (Connecticut, EUA) em 1984.
A fotógrafa viveu até 2002, completando 78 anos. A Inge Morath Foundation foi criada por sua família em 2003, para preservar e compartilhar seu legado. Ela sempre encorajou entusiasticamente as mulheres fotógrafas e como tributo à sua colega, os membros da Magnum Photos estabeleceram a Inge Morath Award, um prêmio anual administrado pela Fundação e concedido a jovens fotógrafas, para apoiar o trabalho e a realização de seus projetos documentais de longo prazo.
Pode-se dizer que o trabalho fotográfico de Morath foi motivado pela questão fundamental do “Humanismo” (ou “Realismo Poético”) formado tanto pela experiência da guerra, e por sua sombra persistente sobre o pós-guerra na Europa. Essa motivação aumenta em sua obra madura com temas em que ela documenta a resistência do espírito humano em situações de extrema opressão, bem como as suas manifestações de alegria. As imagens dos fotógrafos da Magnum foram (e ainda são) acompanhadas pelas declarações dos próprios autores, que analisam o contexto do seu trabalho, no aspecto ético e estético.
Arthur Miller (1915-2005), definiu sua perspectiva filosófica, no artigo intitulado “Inge Morath And Borders” (em tradução livre):
“Para Inge, o conceito de fronteiraentre culturas e raças era essencial para a compreensão dos povos. Criada sob o nazismo com seu credo super nacionalista maníaco, a resistência à tendência atual de caracterizar os indivíduos de acordo com suas origens e não como pessoas humanas era algo a ser combatido. (…) O que sua perspectiva histórica lhe deu foi um profundo respeito pelas diferenças e pelos indivíduos e suas culturas”. (Fonte- https://moazedi.blogspot.com/2016/02/inge-morath-and-borders-by-arthur-miller.html)
¹A Leica (abreviação de Leitz(sche) Camera) é uma empresa ótica alemã, com sede em Wetzlar fundada em 1913, por Ernst Leitz. Possui três unidades que produzem respectivamente: câmeras fotográficas, equipamentos de pesquisa geológica (topografia e geodésia) e microscópios. Para se ter uma ideia do valor das câmeras fotográficas: em maio de 2011 uma Leica, com ano de fabricação de 1923, foi leiloada por 1,9 milhão de dólares, tornando-se uma das máquinas mais caras da história.
² A Agência Magnum Photo foi criada em 1947 com sede em Paris na rua Faubourg Saint-Honoré, em instalações precárias e somente um telefone. “Foram cinco os fotógrafos fundadores: Robert Capa, David (Chim) Seymour, Henri Cartier- Bresson, George Rodger e Bill Vandivert, juntamente com duas fotógrafas fundadoras, Rita Vandivert e Maria Eisner − raramente citadas no processo constitutivo −, que se encarregaram das funções administrativas. Atualmente a Agência tem sedes em várias cidades, em quase todos os continentes.
A arte postal ou mail art, aproxima realidades já pensadas nas décadas de 1910 e 1920, pelos artistas do Futurismo Italiano, o qual fortalecia o pensamento por uma nova forma de perceber a expressão artística, buscando fugir dos cânones pré-estabelecidos. Vanguardas históricas como o Dadaísmo, o Surrealismo e o Construtivismo Russo, já esboçavam alguns conceitos que foram despertado pelos futuristas, e que foram absorvidos por artistas dos anos 50 e 60, despertando assim um olhar criativo e questionador. Esses conceitos inovadores já estavam presentes também na obra de Marcel Duchamp, a partir de suas apropriações de objetos de uso cotidiano, abalando assim, as restrições da academia burguesa impostas à obra de arte.
Segundo Enock Sacramento, a Arte Postal, tem as mesmas fontes do happening, da performance e da body art. Tendo surgido em Nova York nos anos 1950, expandiu-se rapidamente pelo mundo por sua originalidade e como alternativa para exibir-se um trabalho fora do circuito das galerias e museus. Consistia em uma troca de mensagens criativas, muitas vezes de cunho político e social, utilizando o sistema de correios. Seus suportes utilizavam envelopes, cartões postais, folhas de papel, com imagens impressas ou carimbadas e mensagens diversas, muitas vezes requerendo respostas. Esteve em alta no período da guerra fria e, no Brasil, durante os anos da ditadura militar. Ela se mantém viva ainda hoje, atualizando as plataformas e as mensagens, sem perder seu cunho de crítica social.
Um dos destaques desse meio de expressão, é o artista pernambucano Paulo Bruscky (1949) principal organizador em 1975 da 1ª Exposição Internacional de Arte Postal, que foi fechada pelo regime militar. Bruscky tornou-se um expoente da arte postal, que ele prefere chamar de “Arte Correio” e sempre a defendeu como um tipo de arte “antiburguesa, anticomercial e antissistema”.
Articulou-se com o movimento internacional de arte postal e manteve intensa correspondência com membros dos grupos Gutai e Fluxus. “Arte é feita para circular” diz Bruscky. “Na Arte Correio, a arte retoma suas principais funções: a informação, o protesto e a denúncia”, completa.
A Web Art e o Mail Art são formas de prolongamento do movimento inicial de arte postal, utilizando como meio a rede de computadores e um perfil adaptado à contemporaneidade. Nesta nova modalidade, os arquivos podem chegar abertos ou fechados, possibilitando a intervenção dos internautas, que têm a opção de modificá-los e devolvê-los aos seus expedidores ou reenviá-los a outros internautas. O IUOMA, Internacional Union of Mail-Artists* é um site atuante, que agrega artistas do mundo inteiro.
Em Curitiba/PR entre os anos 1960 e 2000, desenvolveram-se vários projetos de arte postal, entre eles, o “Postal-Poesia” reunindo duas linguagens, fotografia e texto. Com um grupo de amigos, conseguimos fazer algumas pesquisas interessantes na década de 90, juntando a palavra poética e a poesia escrita com a luz. As imagens foram realizadas para o Suplemento Viver Bem do Jornal Gazeta do Povo, e o detalhe curioso é que elas não passaram por nenhum Photoshop, são totalmente analógicas. Entre os escritores participantes estavam alguns nomes conhecidos da cena literária local: Sônia Bittencourt Wolff, Ricardo Corona e Fernando Nascimento (in memorian). Reproduzo abaixo alguns resultados das nossas parcerias.
Nota: O Centro Estadual de Capacitação em Artes Guido Viaro** em Curitiba/PR, mantém pesquisa e elaboração permanentes de Arte Postal, realizando exposições anuais nessa modalidade.
“Amadureceu em mim esta palavra e pronta para o voo” (Bento Prado Jr.)
Neste mês de setembro, a coluna INcontros tem o prazer e a alegria de divulgar o mais novo livro de Afonso Guerra Baião, “Sonetos de bem-dizer/ de maldizer”, e nada melhor do que o próprio autor para falar de sua obra:
No prefácio do meu livro, SONETOS DE BEM-DIZER / DE MALDIZER, o Professor Antônio Sérgio Bueno afirma que “a ficção vem até nós, a poesia nós temos que buscá-la”. A ficção, a história inventada vem até nós. Nos dias atuais, a realidade parece copiar a ficção.
Essa ficção não vem até nós através dos romances, dos contos, das novelas ou das séries. Não. Ela vem até nós através do noticiário, dos meios de comunicação de massa ou das redes sociais. E as narrativas da vida real que as mídias nos aportam são tão absurdas que fazem parecer histórias infantis as obras de um Franz Kafka, de um George Orwell ou de um Gabriel Garcia Marquez.
Pois bem. Em momentos assim, mais do nunca, a poesia se faz necessária. E poesia não vem até nós: nós temos que buscá-la. Onde buscar a poesia? Ainda muito jovem, eu fui buscá-la no ensinamento que um grande mestre, Carlos Drummond de Andrade, me oferecia em seu poema PROCURA DA POESIA.
Como todo jovem, eu tinha a sensibilidade â flor da pele e transpirava emoção por todos os poros. Qual não foi, então, o meu espanto, a minha perplexidade, diante da seguinte afirmação do poeta: “O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia”. Com o tempo eu viria a entender que a poesia não é a realidade imediata, mas é a realidade transfigurada, mediada pela linguagem em dimensão estética.
Como buscar a poesia?
Em PROCURA DA POESIA, o poeta ensina: “Penetra surdamente no reino das palavras”. Surdamente: sem dar ouvido aos clichês, aos estereótipos das falas repetidas que nos assediam, fechando os ouvidos aos lugares comuns e aos preconceitos que nos bombardeiam cotidianamente. Mais ou menos como os místicos que esvaziam a mente para meditar. Só assim podemos experimentar o que Gabriela Llansol chamou de “o encontro inesperado do diverso”. É como se você estivesse andando por um campo e topasse com pedras há muito esquecidas nas trilhas ou no meio da vegetação.
Você levanta uma pedra e descobre debaixo dela a efervescência de um bioma, a vida que anima um insuspeito microcosmo. Da mesma forma, as palavras nos surpreendem quando, ao penetrarmos no jogo da linguagem, descobrimos uma nuvem inteira de sentido condensada numa gotinha de gramática, para lembrar o dizer de Wittgenstein.
O todo condensado em cada parte, a parte que já contém o todo – este é o graal, objeto de desejo de quem procura a poesia, que só existe quando o construímos, e sempre precisa ser reinventado. Nessa busca, depois de muito caminhar, cheguei aos poemas que formam o livro SONETOS DE BEM-DIZER / DE MALDIZER. Esta é a forma com que, nesse momento, eu levanto uma pedra no quintal de LOGOS, a linguagem que é a casa do ser.
A casa do ser se constrói com a palavra radical, aquela que está mais próxima da raiz; a casa do ser se fundamenta na palavra original, aquela que está mais próxima da origem. A procura da poesia é a busca dessa raiz, dessa origem, desse logos essencial. A escolha do soneto para compor meu primeiro livro individual talvez seja uma forma inconsciente de me aproximar de minhas origens.
Um dos meus primeiros contatos com a poesia, depois das poesias infantis das cartilhas escolares, foram os sonetos de D. Oscar de Oliveira, no “O Arquidiocesano”, jornal da Arquidiocese de Mariana, a primaz de Minas. Estes e os sonetos de José Pinto Coelho, na imprensa pontenovense, deixaram em minha retina a imagem do texto poético como a forma plástica, simétrica e sintética dos dois quartetos e dois tercetos.
E se o soneto me propicia a realização de uma miragem arquetípica do poema, ele também me conduz ao reencontro de lugares e pessoas que se tornaram marcantes em minha trajetória nessa busca da poesia.
Assim é que em SONETOS DE BEM-DIZER / DE MALDIZER, homenageio Ponte Nova, a cidade onde vivi parte da infância, a adolescência e a juventude, através de poemas dedicados a dois mestres que muito contribuíram em minha formação humana e em minhas concepções estéticas: Laene Teixeira Mucci e Ruy Guilherme Merheb.
Além destes, homenageio também o poeta Gabriel Bicalho, companheiro de juventude, cujo poema “PEDRA-MAR”, escrito na época e que depois comporia seu primeiro livro, CRIÂNSIA, foi para mim uma pedra-de-toque que me alertou para novas possibilidades na construção da linguagem poética, no que diz respeito a rupturas sintáticas e semânticas que, no entanto, não resvalavam para o caos nem para o nonsense, mas, sim, apontavam para o redimensionamento das formas e dos sentidos, no jogo da linguagem.
Uma “palhinha” da obra:
VÊNUS NA CASA DE GÊMEOS
assim crescentes seios sob a loa
à lua que entoam lábeis lábios
tão ávidos de lírios e papoulas
e pomos dos pomares de teus átrios; (pág. 19)
(…)
A UM DEMAGOGO
Você é demagogo: tem gogó
de demo ou mago pra fazer agá,
garganta grande pra enganar bocó,
boca de lobo pra engolir gagá, (pág. 63)
(…)
Afonso Guerra Baião (Foto: Arquivo Pessoal) Intagram:@afonsobaiao
SONETOS DE BEM-DIZER / DE MALDIZER, pode ser adquirido na Amazon , na Estante Virtual ou direto com o autor em suas páginas no Face e no Instagram.
Pela Amazon publiquei ainda duas pequenas obras de ficção em formato digital: O INIMIGO DO POVO e A NOITE DO MEU BEM. No álbum “Bandalhismo”, de João Bosco, assinei a letra da canção “Anjo Torto”. Também compus letras para canções de Sebastião Sérgio Gomes. No mais, declaro que sou, além de mineiro, Atleticano, gosto de frango com quiabo e angu e um licor de pequi.