Em se tratando de Cultura de Paz, é sempre oportuno apontar os aspectos históricos dos Direitos Humanos (desde 1945) e do surgimento da Cultura de Paz, a partir das décadas de 1980 e 1990 para que, posicionando sua origem, possamos traçar um caminho e vislumbrar quais avanços e conquistas já fazem parte da sociedade brasileira; constatarmos o que está acontecendo no presente e apontar o muito de chão que temos pela frente nessa caminhada, dada as desigualdades de diferentes tipos e, ainda extremas, existentes entre nós.
Fato é que, para tratarmos deste assunto com profundidade, precisaríamos usar várias e várias páginas da Revista, porém, como isto não é possível, optei por apresentar brevemente aqui, algumas das experiências que vivenciei, em escolas públicas e privadas, e que praticam a Educação em Direitos Humanos com o objetivo de promover a Cultura de Paz.
Em linhas gerais, são propostas pedagógicas realizadas por equipes em que estão presentes professores da educação básica (da educação infantil ao ensino médio) que, mediante um diagnóstico inicial, se propuseram a fazer a diferença nesses espaços educacionais para que a convivência respeitosa, a valorização das diferenças, o conhecimento de direitos, assim como do reconhecimento de sua violação, de fato aconteçam no dia a dia das escolas.
RELACIONAMENTOS ABUSIVOS
Apesar da Lei Maria da Penha, de 2006, a violência contra a mulher existe e não é desconhecida. Fatos presenciados, casos relatados e divulgação midiática de agressões físicas, psicológicas e simbólicas pintam um quadro ainda muito assustador. Contudo, pares afetivos e amorosos continuam a se constituir mantendo-se o respeito ou violando-o e isto é uma realidade também entre jovens que frequentam o segmento do ensino médio de nossas escolas, muitas vezes por uma modalidade de violência sutil, “mascarada de amor”, de “bem querer”. Daí ser oportuna a ocorrência de projetos didáticos que discutam e combatam, desde o nível mais extremo – a agressão física – ao nível mais sútil – a humilhação – com vistas ao respeito e dignidade entre pares amorosos, independente de sua duração. À pesquisa inicial feita pelos alunos e alunas sobre dados da violência contra a mulher em reportagens veiculadas por jornais, vídeos e letras de música, seguiu-se debate e publicação do trabalho que resultou nas seguintes intervenções pedagógicas:
1) uma campanha contra o relacionamento abusivo às mulheres com entrega de um rosa vermelha com mensagem-denúncia e acompanhamento por instagram;
2) uma apresentação pelos alunos e alunas mais velhos (do ensino médio) aos alunos e alunas mais novos (nono ano do ensino fundamental), com exibição de vídeo com depoimentos de mulheres que sofreram algum tipo de agressão e, apresentação e discussão de letras de música de diversos gêneros com conteúdo por eles considerado abusivo;
3) exposição em mural com quadro contendo dados estatísticos sobre a violência contra a mulher e frases do tipo
Relacionamento abusivo ocorre quando….. ou Não é amor quando……
Que eram completadas com exemplos de situações que na opinião dos estudantes do ensino médio, expressavam abusos.
DIVERSIDADE CULTURAL
Outro grande tema presente na escola é o reconhecimento das diferentes culturas existentes no território brasileiro, seja a nível local ou nacional, especialmente dos grupos que historicamente foram e ainda são marginalizados, como os grupos sociais de descendência africana. A escola que contribui para a Cultura de Paz pode tratar preventivamente na formação das mentes para que a discriminação não se instaure. Este foi, o objetivo de um grupo de professores que atuaram junto às crianças da educação infantil com projeto didático que abordou nações e personagens africanos por meio da literatura infantil que, de maneira lúdica, ofereceu bonecos e bonecas com diferentes traços físicos, possibilitando a partir daí, a montagem de uma exposição visual com figuras que apresentavam diferentes características de cabelos (crespos, ondulados, lisos, curtos, longos, loiros, ruivos, negros, etc.). Sendo também preparada uma exposição fotográfica denominada Meu cabelo é assim e com desenhos feitos pelas próprias crianças a partir do que identificaram em sua imagem no espelho. Sendo organizado também, um desfile com roupas. Quer valorização identitária mais significativa que essas, para crianças tão pequenas?
Com crianças maiores (ensino fundamental), registra-se o trabalho didático denominado O que tem na cozinha? que permitiu que como ponto de partida, estas tivessem contato com contos africanos, seguido de pesquisa sobre a culinária africana em sua origem e diversidade de pratos. Sendo promovida a escrita das receitas para a criação de um caderno de receitas, seleção, preparação e degustação de pratos típicos originários da África e também dos povos nativos brasileiros (indígenas). Acrescente-se que, assim também se fez possível trazer o universo de diferentes povos indígenas que habitam nosso território para o universo da sala de aula, um e outro, tornando-se concretas as leis 10.639, de 2003 e 11.645, de 2008.
E com jovens, como fica? Com os jovens (ensino médio), a valorização afrodescendente enquanto matiz da nossa diversidade cultural se fez pelo trabalho didático de sala de aula que envolveu a orientação de professores aos estudantes para pesquisas sobre pessoas negras que se tornaram públicas pela contribuição social dada à sua época, como Rosa Parks, Teodoro Sampaio, Dandara e Carolina Maria de Jesus, dentre outros.
SOBRE A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Em se tratando de violação de direitos, a conscientização dos jovens alunos e alunas dos anos finais da educação básica (ensino fundamental II) pode advir da atividade inicial da leitura da Constituição Brasileira vigente, visando caracterizar, por exemplo, o que é discriminação racial e que a mesma é considerada crime, caracterização esta que se torna muito mais nítida quando os professores propõem o estudo e a discussão sobre o Estatuto da Igualdade Racial, de 2010.
CURRÍCULO EM CONSTRUÇÃO
As experiências didáticas que cultivam a paz, citadas aqui, fazem parte de um currículo que podemos denominar de currículo comum do cotidiano. Contudo, há também acontecimentos do entorno social que são esporádicos, mas que podem adentrar aos muros da escola com facilidade, como por exemplo a necessidade da preservação do meio ambiente; a importância de um bairro que promova acessibilidade às pessoas com deficiência; o trabalho infantil e tantas outras demandas ainda presentes no cotidiano dos brasileiros.
Finalizando este artigo, compartilho com vocês a experiência de uma professora com alunos e alunas iniciantes do segundo ciclo do ensino fundamental, em período de campanha eleitoral recente que, em duplas, fizeram a leitura e comentários sobre a Declaração Universal dos Direitos da Criança e na sequência, transformaram o conhecimento adquirido sobre esses direitos em criação plástica e em poemas que retratavam os direitos da infância ou – importante ressaltar – em poemas que apontavam o não cumprimento desses direitos. Como fechamento do projeto, tais poemas foram apresentados publicamente e, posteriormente, alguns deles foram endereçados aos candidatos políticos aos cargos públicos das diferentes esferas de governo. Importante ressaltar também que: promover a Cultura de Paz não significa viver o espaço escolar sem conflitos, mas sim, tratar de tais conflitos de frente, buscando sempre superá-los! De modo que, lembrando o querido e respeitoso Paulo Freire: consigamos formar e transformar pessoas que, por sua vez, formarão e transformarão a sociedade!
Referencias bibliográficas:
NOLETO, Marlova J. Cultura de Paz. 2000- 2010 – Balanço da Década Internacional da Promoção da Cultura de Paz e Não Violência em Benefício das Crianças do Mundo.Brasília:UNESCO; São Paulo: Associação Palas Athenas, 2010.
SILVA, Ronaldo T. da. Cultura de Paz. 2000- 2010 – Balanço da Década Internacional da Promoção da Cultura de Paz e Não Violência em Benefício das Crianças do Mundo.Brasília:UNESCO; São Paulo: Associação Palas Athenas, 2010.
Agora a LDB tem um dispositivo novo sobre a cultura de paz. Vale lembrar dele também
Bem lembrado, Renato! Abraço!