Kelly Carolyne Cirqueira Alves
Kezia Vieira de Sousa Farias
Leticia Costa Silva
“O Sangue jorra”, é o título de um poema encontrado em uma coletânea intitulada “Versando rebeldia” (2016) organizado pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra). A coletânea possui poemas de vários poetas do movimento ou militantes engajados. O poema em questão nos interessa pelo fato do autor buscar inspiração na memória do trauma de dois massacres, o massacre de Eldorado do Carajás e o massacre no acampamento São Tomás Balduíno, o primeiro ao qual destacaremos ocorreu na cidade de Eldorado do Carajás em 1996, já o segundo ocorreu no estado do Paraná.
Do ponto de vista do contexto histórico, o massacre de Eldorado do Carajás foi um evento que marcou a história de luta do MST na região Sul e Sudeste do Pará, por essa razão se transformou em um símbolo de resistência para o movimento convidando-os a dizer não ao esquecimento da história.
Nesse sentido vamos considerar uma passagem do poema para a compreensão da prática discursiva da resistência que recupera fatos traumáticos, cuja a memória estabelece uma relação entre a enunciação e a produção de sentidos.
Assim como os troncos das castanheiras,
Postos de pé para que sustentem a lembrança
E persistam dia a dia, como se insistindo para que não esqueçamos,
Eu vos peço: Não esqueçam!
Percebe-se que a escrita cada vez mais se mostra como espaço em que os sujeitos legitimam a importância de o acontecimento ser lembrado. A lembrança deve ser mantida viva para que a luta no movimento continue, há sempre interesses em torno da memória para que esta seja lembrada, apagada ou silenciada. O monumento das castanheiras está presente em um ato de resistência, o MST assume então uma narrativa com vistas a produção de um sujeito coletivo que abrace a causa do movimento a partir do contexto de lutas passadas e presentes, onde o discurso é retomado agora enquanto um acontecimento discursivo no poema, por se configurar enquanto uma nova maneira de dizer.
Ao ser enfatizado o monumento das castanheiras no poema, nota-se que o poeta ilustra o acontecimento como um exemplo de luta para construção histórica dos sujeitos do MST, na tentativa de fixar os sentidos da luta no movimento, possibilitando a criação de novos enunciados, a esse respeito, interessou-nos a posição de Foucault (2008) que nos mostra como a partir dos enunciados/corpo de enunciados, se desenvolvem regras que permitem construir outros enunciados diferentes.
O monumento ao ser fixado no poema como uma lembrança aponta para um funcionamento discursivo da memória em que os sujeitos fazem seu uso para trabalhar o imaginário e as subjetividades do movimento, produzindo sentidos que destacam a necessidade de uma lembrança sempre viva e presente do massacre.
Caracterizar o discurso do MST, nos leva a fazer uma reflexão sobre o tipo de escrita que esses sujeitos vêm construindo. Uma escrita que é baseada nas experiências dos sujeitos, as experiências que enfatizamos são as que foram de algum modo dolorosas para os trabalhadores e que afetam todos do movimento, uma vez que se trata de uma memória coletiva.
Observamos os seguintes fatos, no poema o autor recorta um acontecimento da história de luta do MST, que é realocado para um espaço poético capaz de sensibilizar os sujeitos – julgamos que a poesia se apropria dos testemunhos que emergem e se apresenta como algo autêntico, sendo uma representação da realidade – ao fazer esse recorte, ele possibilita a criação de enunciados novos que geram novos sentidos. A insistência do “lembrar’ também pode ser verificada em um campo de interesses em volta da memória. Ao lutar contra esse esquecimento o MST, estabelece formas de resistência e de luta em que os sujeitos são sempre convidados a lutar pelos que já morreram.
Fontes das imagens
Imagem 2: http://caritas.org.br/massacre-de-eldorado-dos-carajas-relatos-resistencia-de-um-povo/9952 .
Imagem 3: http://www.forumpatrimonio.com.br/view_full.php?articleID=108&modo=1
Referencias: MST. Movimento sem-terra. Versando a rebeldia. 2016. FOUCAULT, M. O enunciado e o arquivo. In: A Arqueologia do saber. 5 eds. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997, p. 87-150.
Kelly Carolyne Cirqueira Alves, discente do programa de pós-graduação em dinâmicas territoriais na Amazônia, UNIFESSPA/Campus Universitário de Marabá, kellyalves@unifesspa.edu.br
Kezia Vieira de Sousa Farias, discente do programa de pós-graduação em dinâmicas territoriais na Amazônia, UNIFESSPA/Campus Universitário de Marabá, vieirakezia@hotmail.com
Leticia Costa Silva, discente do programa de pós-graduação em dinâmicas territoriais na Amazônia, UNIFESSPA/Campus Universitário de Marabá, leticia_200914@hotmail.com