Julia Aparecida Souza de Oliveira
Sobre a autora: Julia Aparecida Souza de Oliveira tem trinta e nove anos de magistério, é formada em Pedagogia e Filosofia. Possui pós-graduação em Docência do Ensino Superior, Gestão Pública, Contação de História e Psicopedagogia (PUC-SP). Realizou vários cursos de especialização, entre eles estão A Invisibilidade da População Negra no Brasil (UFABC) e Africanidades, Literatura Infantil e Circularidades (UFABC). Além disso, foi vencedora do concurso Escola de Leitores, ganhou os prêmios de Professor em Destaque no município de São Paulo (2013), de Folhas do Baobá (2019) e de Honra ao Mérito (2019).
Durante todo o ano de 2019, minha turma teve a média de 33 alunos freqüentes, nenhuma criança com deficiência tanto de locomoção quanto de atendimento educacional especializado. No entanto entre os alunos que na sua maioria eram falantes e animados, havia uma aluna negra que sempre participava das atividades distanciada do grupo, quase não falava isolando-se, o que mais me chamou a atenção foi seu olhar triste e a total ausência de sorriso. Sim, ela não sorria, preferia sempre brincar sozinha mesmo sendo chamada pelas outras crianças para brincar, ou mesmo quando eu a estimulava.
“Se a criança constrói sentidos e identidade pessoal e coletiva a partir das interações sociais, como expressam as DCNEI, a criança negra que recebe poucos cuidados dos profissionais da educação, em virtude de seu pertencimento étnico-racial (CAVALLEIRO, 2000), que não vê sua cultura e sua história materializada no espaço escolar através dos livros, brinquedos e brincadeiras, experimentará um processo de desenraizamento, como diz o pesquisador d’Adesky (2001).”
Pensando que na educação infantil, as interações são eixos norteadores para a aprendizagem, eu precisava compreender o motivo do distanciamento dela e pensar estratégias, proporcionando a “Ela” a oportunidade de olhar a sua beleza. “Ela”, precisava de uma amiga que escuta-se sua voz silenciosa.
Em conversa com professores de anos anteriores, obtive a informação que essa tristeza no olhar já advinha de anos anteriores, que a família era ausente por mais que a escola tenta-se uma aproximação. Consegui um encontro com a mãe que se limitou a dizer: ela é fechada mesmo desde pequena esse é o jeito dela. Criar estratégias para “Ela” se expressar, brincar, conviver – com o grupo. E se sentisse amada, valorizada esse foi o primeiro desafio no desenvolvimento do projeto. Por ser negra percebi que ela me olhava com admiração. As rodas de conversas e as leituras de contos africanos que valorizavam a beleza negra. Sim, há reis e princesas negras que as crianças precisam conhecer. E entre uma história e outra não só “Ela”, mas os outros alunos também, começaram a se olhar com orgulho e respeito e percebi que “Ela”, estava cada dia mais solta, já aceitava algumas brincadeiras em grupo, ouvia as histórias com um olhar mais ativo. Mas, não sorria. Como durante o nosso projeto já estava previsto alguns passeios, sua alegria era visível e discreta nos dias de passeio. Assim dia a dia “Ela”, foi percebendo que era uma pessoa querida começou a aceitar os convites para brincadeiras em grupo, começou a se olhar no espelho com prazer. Mas o maravilhoso sorriso, seguido de várias gargalhadas aconteceram na dança da grande saia onde no local da cintura ficava um ou dois alunos o restante da sala segurava a saia ao redor, e ao som de uma música a saia ia girando. Quando “Ela”, ficou no centro da saia. Eu vi e ouvi o sorriso e a gargalhada mais linda de toda a minha carreira.
Julia Oliveira
Aluna Africanidades/2019