OS MELHORES POEMAS – 2020 – ANTOLOGIA

Organizadora: Isabel Furini
Capa e diagramação:
Carlos Zemek

Sem duvidar da arte, entregue-se e sonhe!

Está a poesia preparada para o prólogo? Este que se propõe como tempo anterior ao contato que levará leitoras e leitores a fruir pela arte poética apresentada nesta obra e que, mesmo com a melhor das intenções, nunca chegará a antecipar a emoção máxima da leitura deste livro. A poesia dispensa qualquer tipo de apresentação. É ela a representação e criação sublime do mundo em forma de linguagem pela qual escolhe seus meios e porquês. Prefiro pensar este momento como o proêmio poético que regará em dose sutil e precisa o caminho em que despontam poetas em seu florescimento e que se reúnem para compor o jardim em forma de livro, Melhores Poemas. Eis um título feliz para nomear esta obra, que vem em hora oportuna em que o mundo necessita cada dia mais do poético, deste estado de encantamento que, neste caso, chega pelo verbo. Pelo poder dócil e feliz de uma consciência do mundo que se materializa em poema.

Lembrando Clarice Lispector, “esta história não admite brincadeiras”! Ela convida ao balançar das folhas como letras em pautas de céus azulados. Ilumina como sol de outono as nuances das cores retratadas em vivos versos. Expõe ranhuras nas paredes dos sentimentos. Dá a pausa longuíssima do respirar em dia de descanso. Aqui cumpre-se o que a poesia sempre espera, o não entendimento, a saída do lugar-comum, a entrega de corpo e alma ao solfejo encantador da menina sonhadora em seu balanço de palavras.

Ao estar agora a rolar esta tela que suporta o belo, já não mais há a possibilidade de escapar do presente que invade aos “sons de asas ao vento” traçando a ideia e o caminho que alinhava artistas. Partimos nessas asas pela origem, finitude e tempo que permeia a poesia de Sonia Andrea Mazza. E ao notar que terá a condução do fio dessas linhas pelos poemas de Maria da Glória Colucci, Maria Teresa Freire e Daniel Mauricio, quem sabe irá sem pestanejar “dar razão ao prego” de Mailson Furtado Viana. E no fluxo inevitável do poético o mergulho nas águas profundas de Carla Ramos ao se perceber fênix liberta nas asas da borboleta que lhe oferece alma, adentrarmos na delicadeza do olhar de Jean Narciso Bispo Moura que abre galáxias pincelando sentimentos riscados em um Clic poema de Carlos Eduardo Muniz.

Ah, são tantos os caminhos da poesia que veremos pelos olhos de Maria Antonieta Gonzaga Teixeira gota por gota florescer os Ipês em aquarela e no misturar das cores o vasto silêncio que nos permite mágico encontro com Sheina Leoni e com as letras de Gustavo Henao Chica, Solange Rosenmann, Sonia Maria Cardoso, Valeria Borges da Silveira e Vanice Zimerman. O desenho das realidades propostas por diversas vozes como em Marilis de Assis que enaltece a força feminina, Elciana Goedert que pela luminosidade da palavra move mundo e Adam Mattos tirando lascas da gente, “tadinho de mim”.

Sim, o vento corre e é solto para seu além e dele encontramos a poesia de Rita Delamari e somos soprados a visitar Manoel de Barros com o mineiro Afonso Guerra-Baião em que o tempo do amor chega em colheitas de terra fértil e pousamos nas mãos precisas do artesão poeta Amaury Nogueira e sem perguntas caminhamos ao lado de Decio Romano e Pessoa sob os arvoredos de Lisboa.

Mundos e paisagens oferecidas por Izabel Liviski, que tece poemas como quem fotografa os dias e num susto percebemo-nos aquele grãozinho de areia delicadamente exposta pelas mãos da poeta Jessica Iancoski e brincamos, mais uma vez, com o vento pelos poemas de Katia Sentinaro e no enredo dessa linda e fantástica colcha de retalhos que se forma e cobre as páginas deste livro, vamos enumerando poemas e canções para decorar as horas com Marli Voigt até chegar aos cafés culturais e o Largo da Ordem para nos embebedarmos das palavras de Marli Terezinha Andrucho Boldori.

Pessoa não sairá incólume após provar tanta beleza! Confiar na poesia e no poder do poético é estar disponível a percorrer paisagens e sentimentos novos. Este é o convite que oferece o livro Melhores Poemas. E eu também afirmo: sem duvidar da arte, entregue-se e sonhe! Pois é isto que o poeta lhe oferece primordialmente ao olhar caos e verso pela ideia que agora é real através das mãos de Isabel Furini. Boa leitura!

(Flavia Quintanilha – Outubro de 2020 – Londrina/PR)

Esclarecimento:

O que significa o melhor? O que é superior, algo que contém o máximo de atributos desejáveis e, em uma obra de arte como é o poema, a procura do excelso não é incomum.

Neste e-book “Melhores poemas – 2020”, não visamos reunir os melhores poemas do mundo, nem do continente americano, nem de um país, nem de uma cidade. Nosso objetivo é reunir os melhores poemas de cada autor, aqueles que o poeta gostaria que fossem divulgados, declamados, elogiados.

Do jardim da poesia, cada poeta convidado escolheu seus mais amados poemas. Aqueles que ele cultivou com carinho, ou aquele que surgiu quase que espontaneamente criando a dúvida: será que fui eu mesmo quem escreveu?

Esta obra reúne as melhores manifestações do trabalho de cada poeta, que não precisa se esforçar em escrever melhor que o outro. Seu trabalho, diariamente, é aperfeiçoar sua própria escrita. A poesia não é um caminho de competição, é um caminho de autoaprimoramento.

Sim, esses são nossos melhores poemas. Essa é a nossa colheita. Esperemos que sejam como uvas agradáveis ao paladar, doces para a alma. (Isabel Furini)

Isabel Furini, mora em Curitiba/PR, nasceu em Buenos Aires, Argentina, em 1949. É poeta, escritora, educadora e palestrante. Foi colunista do Suplemento Viver Bem da Gazeta do Povo. É coeditora da revista Carlos Zemek. Ministrou a oficina de Criação Literária no Solar do Rosário. Seus poemas foram premiados no Brasil, Portugal e Espanha. Realizou Recitais de Poesia na 36a. Semana do SESC & XV Feira do livro de UFPR, Curitiba/PR, (em português e espanhol), e na Burlingame Public Library, na Califórnia, USA.

Pequena mostra do  e-book  “Melhores poemas” :

 Fim de tarde

                Isabel Furini

Insignificante a vida humana…

sentimo-nos tão importantes

e somos gotas de água

(delirantes)

no imenso mar da eternidade.

*

Poema sem título

                        Mailson Furtado Viana

as sandálias ao canto

guardam teus passos

e não sabem pra diante

o horizonte

guardam caminhos

guardam distâncias

guardam a próxima esquina

guardam o fim do mundo

que nelas começa

*

Fragmento do poema Infância

                                          Adam Mattos

A água fria cai sobre meus cabelos

Trazendo a lembrança de uma infância perdida

Outrora quando tempos singelos

Que ficaram para trás sem despedida

O rancor amarga minhas entranhas

Que com requintes de artimanhas

Me fez o homem que sou

Ou será que apenas estou?

*

LEITURA DE RUMI

                        Afonso Guerra-Baião

Deixa o silêncio falar.

Escuta.

Guarda tua boca

para provar a Doçura.

O EU

        Amaury Nogueira

Ontem eu era só

Hoje estou

Amanhã caminharei

somente eu em busca de mim!

*

COMO UMA ONDA NO MAR…

                                     Carla Ramos

Em Mar Aberto do Ser

Após arrebentações do Ego

O Nosso caminho de Ser…

É apenas um permitir fluir

Simplesmente e totalmente: Ser…

É o equilíbrio dinâmico: Tempo e Espaço

Ser dois em um só, sem gênero ou grau

Ao Ser continente: O mar, no masculino

E ser conteúdo: Amar, assim, bem no feminino

Ao se entregar em outro Mar Aberto do Ser..

*

Rotina do poeta

                    Carlos Muniz

Pés no chão.

Coração na mão.

Cabeça no ar…

Assim caminha o poeta

em busca de seu par.

*

Poética 3

            Daniel Mauricio

Ao pé da letra

Sussurro poesia

Se a pele arrepia

É sinal que alma ouviu.

*

Haicai

                Decio Romano

O pássaro espia.

O ramo seco em que pousa

Balança de frio.

*

CONFIANTE

                Elciana Goedert (Ciça)

De olhos fechados

e mente aberta,

mergulho…

arrisco….

dou uma incerta.

Ouço um barulho…

Fico alerta.

Venço o orgulho…

Espanto o medo…

Se preciso, espero…

Dispenso a regra.

Não sou deste aprisco…

Ovelha negra,

sei o que quero.

*

INFÂNCIA

                Izabel Liviski (Bel)

Só no sótão,

só…tão sozinha.

Era tão bom!

Seleções do Reader’s Digest,

todo dia.

*

 Com Tudo

                Jéssica Iancoski

Eu faço tudo com tudo.

Quando eu vim foi com tudo.

O tempo que, ainda, permaneço é com tudo

E quando conseguir partir, sim, será com tudo.

Contudo, já você:

Não é com tudo,

E sim,

Contundente.

*

BEM ME QUER OU MAL ME QUER?

                                             Katia Sentinaro

Bem ou mal sinto no dedos,

Desfolhando margaridas,

Ao desvendarem segredos,

sem ficarem constrangidas.

Bem me quer ou mal me quer?

Sempre dúbias e feridas,

Numa quer, noutra desquer.

Devem ser todas fingidas.

*

Quem sou

                Marli Terezinha Andrucho Boldori

Sou um santuário, mas

No meu âmago a ruína cresce

Escondo dos olhos

Para que não saibam

Quem vive dentro de mim.

*

Poema sem título

                    Marli Voigt

Olhe para o céu, ele diz:

És lindo! És Linda!

Na beleza de ser.

A gratidão de viver

*

Montanhas

                Maria Antonieta Gonzaga Teixeira

Pregos, cordas, martelos, artefatos

comuns e importantes para montanhistas corajosos.

Mochilas à costas, mãos calejadas não importam.

Chegar ao cume das montanhas é desafiador

– é o triunfo do alpinista sonhador.

*

CURITIBA

                Maria da Glória Colucci

Chuva,  chuveiro, chuvarada…

Chove de noite,

chove de madrugada…

Chove na rua,

chove na tua,

chove em nossa calçada…

*

BUSCA

        Maria Teresa Marins Freire

Caminhos sonhei

Caminhos percorri

Onde está

Minha alma

Que se perde a cada volta?

Onde está minha vida

Que se espalha

A cada passo?

*

Bodas

        Marílis de Assis

Casei-me

Em uma igreja de diamantes

Anjos cantavam Ave Maria

Vestida de puríssimo branco

Foi o mais lindo baile de máscara

*

SOFREGUIDÃO

                Rita Delamari

Ouço a voz do silêncio,

a paz que acalenta a noite,

a força do vento

que parece um açoite…

Mas, não, é a magia

da minha feliz solidão,

como um sussurro 

no infinito, na imensidão

de uma saga que, juro,

não é angústia… 

É vida, é sofreguidão!

*

EU VOCÊ

        Solange Chemin Rosenmann

Eu Você

Delineando os trajetos do corpo

Percebendo um arrepio na alma

Sinto, saudades grandes,

De braços que não me alcançam

De abraços que nunca dei

*

Abraço

        Sonia Maria Cardoso

Se você sentir um nó

Na garganta, grite

E te dou um abraço

E se for dor

No braço, também

Te abraço, se o coração

Apertar, te abraço e

O nó desfaço.

*

NEM A LUA…

               Valeria Borges da Silveira

O amor não resistiu…

Despencou… Caiu…

A noite esfriou.

O dia partiu…

Acabou… Sumiu… Fugiu!

O mar secou…

Nem a lua brilhou…

A dor gritou…

A vida gemeu…

A paixão simplesmente morreu…

*

Pêndulo ígneo

                Vanice Zimerman

Pausa

O pêndulo,

Ponteando

Pensamentos –

Promessas…

Ponta de fecha

Pele em ígneo

Pontilhismo

*

Relógio

        Jean Narciso Bispo Moura

o tempo corre menos do que o relógio

não olhe a vida pelo ponteiro da basílica

o homem quer em dúzias tudo aquilo

que o tempo dá em unidade

*

INTIMIDAD

               Gustavo Henao Chica

Ella iba sonriendo, caminaba lenta

Como disfrutando sus pasos

O sus pensamientos,

Sonreía por algo que solo ella sabia

Solo ella.

*

Porque te amor (fragmento)

                                    Leoni Lee

Por tus caricias de oro,

perfectas en sentimientos,

junto a ese afecto que añoro,

apenas te siento lejos…

*

EL ESPEJO DE LA SALA

                               Sonia Andrea Mazza

De pie en la penumbra de la tarde

Soberbio devolviendo algún destello.

Mística luna falsa, de cotidiana esencia

Donde se reverencian vanidades,

Testigo cruel de nuestra decadencia.

Ecologia Social e Comunalismo: Introdução ao Pensamento de Murray Bookchin

Guilherme Henrique Cardoso Arruda

Bacharel em Direito; terceiro-mundista e socialista libertário. Por um mundo onde caibam todos os mundos

Ecologia Social e Comunalismo: Introdução ao Pensamento de Murray Bookchin

Guilherme Henrique Cardoso Arruda

Resumo: Este trabalho visa abordar as teorias expressas na obra de Murray Bookchin, bem como sua influência no pensamento de Abdullah Öcalan e no comunalismo curdo. A começar por explanar os fundamentos filosóficos da ecologia social e o conceito e crítica da dominação. Posteriormente, tratará da dimensão política da ecologia social, o projeto do comunalismo e do confederalismo. Tratará também da teoria econômica expressa nessa teoria, a ideia de municipalização da economia e por fim, tratará da influência bookchiniana nos conceitos de Abdullah Öcalan e no confederalismo democrático consagrado por ele, isso é, o comunalismo curdo.

Palavras chave: Ecologia Social, Comunalismo, Confederalismo Democrático

Abstract:  The following work aims to address the theories expressed in the work of Murray Bookchin, as well as their influence on the thinking of Abdullah Öcalan and on Kurdish communalism. Starting by explaining the philosophical foundations of social ecology and the concept and critique of domination. Subsequently, it will deal with the political dimension of the social ecology, the project of communalism and confederalism. It will also deal with the economic theory expressed in that theory, the idea of ​​municipalization of the economy. And finally, it will deal with the Bookchinian influence on the concepts of Abdullah Öcalan and on the democratic confederalism enshrined by him, that is, Kurdish communalism.

Keywords: Social Ecology, Communalism, Democratic Confederalism

1.Introdução:

Murray Bookchin (1921-2006) foi um pensador, professor e teórico estadunidense, conhecido pelo pioneirismo no pensamento ecológico, e por ser fundador da chamada Ecologia Social. Nos seus mais de 40 anos de trabalho e ativismo, desenvolveu uma série de artigos e ensaios voltados para temas como ecologia, urbanização, e também no pensamento anarquista e socialista. O Objetivo do presente trabalho é fazer um resumo de suas principais ideias e conceitos, a começar pelo aporte filosófico de sua teoria, e as dimensões políticas e econômicas desse pensamento, sendo essas: o comunalismo, o confederalismo e a municipalização da economia. Por fim, trataremos da influência do pensamento de Bookchin nas ideias de Abdullah Öcalan, líder político curdo e teórico do confederalismo democrático.

2. A Teoria da Ecologia Social e a Crítica da Dominação

O cerne da Ecologia social assenta-se na correlação entre os problemas sociais e ecológicos. Para Bookchin (2015, pg. 39) a ideia de dominação da natureza tem como base a premissa da dominação do homem pelo homem. Sua teoria é antes de tudo voltada para uma crítica da dominação, a denúncia da catástrofe ecológica atual e suas consequências alarmantes ameaçam a própria reprodução da vida humana na terra. O autor entende que a crise ecológica que perpassa a atualidade está fortemente enraizada na dominação, negando narrativas que atribuem a culpa da crise ambiental ao crescimento populacional ou ao avanço tecnológico.  (BOOKCHIN, 1980, pg.20)

Mas o que seria dominação? A exploração, por meio da hierarquização da sociedade, surgiu no desenrolar do desenvolvimento das sociedades humanas. É demasiado extensa a exposição de Bookchin sobre as origens da hierarquia, ancorada em uma vasta pesquisa histórica e antropológica. Porém, o que se deve salientar é a construção de uma lógica historicamente estabelecida – dominadores e dominados.  A mesma precederia o controle em classes sociais e tal assertiva poderia ser comprovada por meio de sociedades antigas, onde prevalecia uma divisão desigual dos mais velhos sobre os jovens, dos homens sobre as mulheres, etc. Tal lógica foi gradualmente estabelecida na prática social diária de forma objetiva através da imposição, mas também assimilada inconscientemente de forma subjetiva e psicológica nos discursos político, moral, filosófico e religioso:

Man staked out a claim for the superiority of his work over woman’s; later, the craftsman asserted his superiority over the food cultivator; finally, the thinker affirmed his sovereignty over the workers. Hierarchy established itself not only objectively, in the real, workaday world, but also subjectively, in the individual unconscious. Percolating into virtually every realm of experience, it has assimilated the syntax of everyday discourse — the very relationship Between subject and object, humanity and nature. Difference was recast from its traditional status as unity in diversity into a linear system of separate, increasingly antagonistic powers — a system validated by all the resources of religion, morality, and philosophy. (BOOKCHIN, 1982, pg.49)

Importante salientar que em Bookchin a ideia de dominação entre os homens é inerente a ideia de dominação da Natureza. O pensador entende que a espécie humana não é externa – “alienígena” à natureza, isso é, correlacionado ao mundo natural formado por biomas, animais não-humanos, espaços geográficos, etc,. Nesse trecho é feita uma distinção entre a “primeira natureza”, atrelada ao desenvolvimento evolutivo e biológico do homem. A “segunda natureza”, por outro lado, está relacionada à subjetividade e desenvolvimento das relações sociais do homem, além do espaço geográfico em que vive. O homem como “externo” ou “dominador” da natureza, de acordo com a teoria, deriva de um pensamento reducionista e fantasioso. O ser humano seria um primata inteligente e flexível que “adapta” seu meio ambiente à forma de viver mais adequada a si. (BOOKCHIN, 1993, pg.6). A complexidade dessa “segunda natureza” é exposta pelo pesquisador quando o mesmo menciona que através do que diferencia e torna singular o desenvolvimento do ser humano em relação aos animais não-humanos:

But the environmental changes that human beings produce are significantly different from those produced by nonhuman beings. Humans act upon their environments with considerable technical foresight, however lacking that foresight may be in ecological respects. Their cultures are rich in knowledge, experience, cooperation, and conceptual intellectuality; however, they may be sharply divided against themselves at certain points of their development, through conflicts between groups, classes, nation states, and even city-states. Nonhuman beings generally live in ecological niches, their behavior guided primarily by instinctive drives and conditioned reflexes. Human societies are “bonded” together by institutions that change radically over centuries. Nonhuman communities are notable for their fixity in general terms or by clearly preset, often genetically imprinted, rhythms. Human communities are guided in part by ideological factors and are subject to changes conditioned by those factors. (BOOKCHIN, 1993, pg.7)

Essa correlação estrutural entre a dominação humana e a dominação da “primeira natureza” correlacionada ao homem estaria diretamente ligada à mesma lógica de exploração que origina a opressão e estratificação social:

We must emphasize here that the idea of dominating nature has its primary source in the domination of human by human and in the structuring of the natural world into a hierarchical chain of being (a static conception, incidentally, that has no relationship to the dynamic evolution of life into increasingly advanced forms of subjectivity and flexibility). (…) To be sure, human second nature, in inflicting harm on first nature, created no Garden of Eden. More often than not, it despoiled much that was beautiful, creative, and dynamic in the biotic world, just as it ravaged human life itself in murderous warfare, genocide, and acts of heartless oppression. Social ecology maintains that the future of human life goes hand in hand with the future of the nonhuman world, yet it does not overlook the fact that the harm that hierarchical and class society inflicted on the natural world was more than matched by the harm it inflicted on much of humanity. (BOOKCHIN, 2006, pg. 40)

Desse modo, podemos concluir que a tirania e a busca por estabelecer, de formas violentas e complexas, relações hierárquicas causam impactos negativos no aspecto social e no meio-ambiente. Portanto, é impossível desenvolver uma abordagem ecológica sem a crítica das relações sociais. No que concerne a sua vasta teoria, Bookchin busca assimilar a análise de cunho classista do marxismo também na pesquisa da hierarquia contida no anarquismo e ampliá-la. O estágio mais recente e moderno do capitalismo acabou por “aburguesar” as relações sociais humanas em diversos âmbitos como o pessoal, educacional, etc, cada vez mais estabelecendo relações marcadas por um pensamento acumulativo e competitivo. (BOOKCHIN, 2006, pg.53)

O Capitalismo, longe de amenizar os problemas da dominação, os agravou ao extremo e estabeleceu através da economia de mercado uma lógica de crescimento irracional e progressivamente destrutivo. O mesmo pode ser dito sobre sua versão de Socialismo de Estado, modelo predominante dos países do Socialismo Real (BOOKCHIN, 2006, pg.39)

Incorpora-se à crítica marxiana uma emergência da luta de classes, crítica à desigualdade e exploração, porém é assertivo ao dizer que a perspectiva classista por si só é insuficiente para agregar todas as nuances da luta histórica contra a dominação que emerge na forma das opressões de raça, gênero, hierarquia e da emergência da crise ecológica global (BOOKCHIN, 2015, pg.41) Importante salientar que a Ecologia Social tem um desenvolvimento próprio de seus fundamentos filosóficos, denominado Naturalismo Dialético. Bookchin definiu tal contribuição filosófica como um contraste entre a  “dialética anti-naturalista, idealista  e empiricista de Hegel” e o “materialismo ossifícado e cientificista do marxismo ortodoxo”. (BOOKCHIN, 1996, pg.15)

Para o autor, por ser Hegel pouco familiar com a ecologia, o mesmo rejeitou a ideia da evolução em favor de uma “hierarquia estática de ser”. No entanto, Engels juntou a razão dialética com “leis naturais” que deu origem a um materialismo dialético “cru”. Apesar disso, Bookchin vê nos dois autores as premissas de um pensamento racional que, desenvolvido juntamente com a ecologia, ofereceria uma alternativa ao pensamento “sentimental, anti-racional e místico” de determinadas vertentes ecologistas. Porém, contrastando com a rejeição da evolução em Hegel e ao naturalismo estático de Engels, o naturalismo dialético veria o fenômeno evolutivo de forma “fluída e plástica” sem divergência com uma interpretação racional do fenômeno evolutivo.  Ademais, divergindo da noção de “contradição” em Hegel, bem como da ideia de que a dialética culminaria no “absoluto”, o naturalismo dialético concebe a ideia de finitude e contradição como naturais e o processo dialético como uma “lógica de desenvolvimento” (BOOKCHIN, 1996, pgs. 17-18)

A Ecologia Social explicita que o fenômeno não termina no “absoluto” hegeliano, mas está em constante desenvolvimento natural, opondo-se também com a noção de perfeição escolástica. A causalidade dialética é unicamente orgânica, pois opera “dentro” de um desenvolvimento. Tal ideia justifica a noção de desenvolvimento contínuo e dependente da “primeira natureza” com a “segunda natureza”, assim como da dualidade do fenômeno social e ecológico. Bookchin define bem essa distinção em contraposição à lógica dialética de Hegel:

A distinctive continuum emerges from dialectical causality. Here, cause and effect are not merely coexisting phenomena or “correlations,” to use a common positivist term; nor are they clearly distinct from each other, such that a cause externally impacts upon a thing or phenomenon to produce an effect mechanically. Dialectical causality is cumulative: the implicit or “in itself” (an sich), to use Hegel’s terminology, is not simply replaced or negated by its more developed explicit or “for itself” (für sich); rather, it is absorbed into and developed beyond the explicit into a fuller, more differentiated, and more adequate form — the Hegelian “in and for itself” (an und für sich). Insofar as the implicit is fully actualized by becoming what it is constituted to be, the process is truly rational, that is to say, it is fulfilled by virtue of its internal logic. The continuum of a development is cumulative, containing the history of its development.

(BOOKCHIN, 1996, pg.19)

Em sua crítica devastadora ao capitalismo o autor frisa que esse modelo de sociedade apresenta um amplo e problemático efeito em relação ao desenvolvimento social humano. De modo que não resulta apenas a devastação do meio ambiente, a poluição e a “pulverização” do mundo natural, mas também a redução das relações humanas a mais estrita objetificação de todas dentro da lógica exploradora de mercado:

The terrible tragedy of the present social era is not only that it is polluting the environment but also that it is simplifying natural ecocommunities, social relationships, and even the human psyche. The pulverization of the natural world is being followed by the pulverization of the social world and the psychological. In this sense, the conversion of soil into sand in agriculture can be said, in a metaphoric sense, to apply to society and to the human spirit. The greatest danger we face apart from nuclear immolation is the homogenization of the world by a market society and its objectification of all human relationships and experiences. (BOOKCHIN, 2011)

Assim, abolir o capitalismo é uma necessidade imperiosa para a reprodução da vida humana. Esse modelo econômico-social está ancorado em uma exploração que engloba, além do problema da mais-valia (hierarquias e opressão política), a opressão da vida em si e em seu sentido biológico/social. Esse sistema, distante de ser um modelo econômico em decaimento, é igualmente econômico-social de crescimento irracional, violento, de constante atividade predatória e incapaz de crescer de forma ordenada ou racional. 

Capitalism is not a decaying social order; it is an ever-expanding order that grows beyond the capacity of any society to contain its ravages and cope with its predatory activities. If capitalism is not abolished in one way or another, it will annihilate social life as such or, at least, do an excellent job of undermining it and the biosphere on which all life depends. (BOOKCHIN, 1985, pg.16)

Para enfrentar a problemática do capital e da dominação, Bookchin apresenta um novo modelo de ação política que incorpora e supera, dialeticamente, vários elementos das clássicas tradições socialistas. Essa nova proposta, inicialmente advogado como Municipalismo Libertário, foi aprimorado e rebatizado como Comunalismo com o objetivo de ampliar o que já foi feito nas tradições socialistas clássicas. No que concerne a esse ponto:

What classical revolutionary ideologies can teach us is that capitalism remains a grossly irrational social order in which the pursuit of profit and the accumulation of wealth for its own sake pollutes every material and spiritual advance. It is an economic and social order that now threatens to afflict humanity with the homogenization and atomization of human relationships by the spread of commodity production and by the disintegration of community life and solidarity. This crisis-ridden society will not disappear on its own: it has to be opposed unrelentingly by a dedicated Left that must be committed to the rescuing of the high estate of reason in human affairs that is currently under siege by anti-Enlightenment forces. To encompass the problems we face today, the ideological orbit described by Marxism, anarchism, and (to a lesser degree) socialism qua social democracy would have to be expanded beyond recognition. To this end the idea of communalism is presented as a project—one that will render the best in classical revolutionary ideologies relevant to a new century and confront problems that were formerly little more than ancillary anticipations. (BOOKCHIN, 2006)

3. A dimensão política da Ecologia Social: Comunalismo e Confederalismo

Como a resposta ao problema do capitalismo e da dominação, o Comunalismo defende a criação de assembléias populares municipais capazes de exercer o poder político efetivamente democrático dentro das cidades e uma Economia Municipalizada. Para o autor, diferente de muitas teorias socialistas, a palavra política não teria uma conotação negativa, pois existe uma distinção entre política e estatismo. No entanto, política deriva do grego Polis, no qual o pesquisador usa as Polis gregas e as contextualizam de modo que sua análise distancie de anacronismos. Por conseguinte, a ideia de que política é a administração comum da vida cotidiana, a ativa participação dos cidadãos na construção da vida e de seu auto-governo. O Estado é uma instituição criada para que a classe dominante subjugue à outra e perde-se o sentido real da política:

Thus politics originally did not mean statecraft. In contrast to the self-governing polis, the state consists of the institutions by which a privileged and exploitative class imposes itself, by force where necessary, on an oppressed and exploited class. Statecraft is the activity of officials within that professional machinery to control the citizenry in the interests of that privileged class. By contrast, politics is the active participation of free citizens in managing the affairs of the city and defending its freedom. Only after centuries of civic debasement, marked by class formation, conflict, and mutual hatred, was the state produced and politics degraded to the practice of statecraft. (BOOKCHIN, 2006, pg.8)

Comunalismo, nas palavras de Bookchin (2006, pg. 6), é uma teoria e prática fortemente enraízada na tradição socialista, pois a origem desse projeto é a derivação das diversas experiências comunais ao longo da História: a comuna de paris de 1871 e as experiências mais modernas dos levantes revolucionários de 1917 na Rússia e a comuna espanhola da Revolução de 1936. Esses modelos são exemplos de estilos de vida cooperativos visando confrontar diretamente o poder do Estado, tendo como foco a construção de uma esfera civil de envolvimento político ativo e como contra-poder.

As Assembléias Municipais são de caráter democrático em “escala humana” e que prioriza a participação “cara-a-cara” nas decisões tomadas. A ideia central consiste no funcionamento extralegal das mesmas assembléias através do propagandismo de militantes em paralelo ao poder estatal, assim exercer por meio das decisões tomadas em consenso da maioria. Ademais, a organização municipal não se envolve como forma legal de poder que reforce o status quo ou cria algum tipo de acordo com cunho reformista dentro do Estado:

communalists should attempt (both educationally and organizationally) to convene direct democratic assemblies on an extralegal basis, exercising moral pressure on statist institutions, in the hope that people will, in time, regard them as authentic centers of public power with the expectation that they can thereby gain structural power. Communalism never compromises by advocating delegated or statist institutional structures, and in contrast to organizations such as the Greens, it refuses to exist within the institutional cage of the nationstate or to try to gild it with reforms that ultimately simply make the state more palatable. (BOOKCHIN, 2006, pg.11)

A tarefa final das Assembleias Populares é criar uma forma de deliberação e poder capaz de criar instituições permanentes para derrubar o poder do Estado. O Comunalismo não prevê a dissolução do poder como algo imediato, o que confronta com a ideia anarquista de que o poder é um mal “essencialmente” negativo e que deve ser “destruído”. Segundo a Teoria, “o poder sempre existirá, mas a questão que os revolucionários devem enfrentar é se ele permanecerá nas mãos das elites ou se será dada a ele uma forma institucional emancipatória” (BOOKCHIN;TAYLOR, 2015, pg. 16)

Dessa deliberação conclui-se que a ideia central de tal práxis é a substituição do Estado por um modelo comunal onde as Assembleias Municipais são as instituições que exercem o poder através da democracia direta. A nova forma institucional visa para confrontar a ideia individualista presente em algumas vertentes anarquistas, bem como o excesso de centralismo e autoritarismo de algumas vertentes marxistas. Cria-se uma instituição livre de comprometimento popular com um conjunto de direitos e deveres:

In advancing these goals, communalism seeks to actualize the traits that potentially make us human. It departs decidedly from Marxist notions of a centralized state, let alone a dictatorial regime ostensibly based on the interests of a single class. At the same time it goes beyond loose anarchist notions of autonomous confederations, collectives, and towns, which ostensibly can “go it on their own” as they choose without due consideration for the society as a whole. (…) one of the great maxims of the First International, to which all factions subscribed, was Marx’s slogan: “No Rights Without Duties, No Duties Without Rights.” In a free society, as revolutionaries of all kinds generally understood, we would enjoy freedoms (“rights”), but we would also have responsibilities (“duties”) we would have to exercise. The concept of individual autonomy becomes meaningless when it denies the obligations that every individual owes to society as social responsibilities. (BOOKCHIN, 2006, pg.8-9)

A existência das mesmas não desafia apenas a legitimidade do Estado e seu poder em si, pois também são arenas onde os conflitos de classe são descartados e suas divisões eliminadas. (BOOKCHIN, 2015, pg.28) Para garantir que as assembleias municipais não sejam meramente dissolvidas ou limitadas territorialmente ou ainda que sofram de um “localismo” que as torne politicamente irrelevantes, Bookchin (2015, pg.80) estabelece o conceito de confederação, uma rede de organização das comunidades que desafiaria a ideia centralista do estado. A confederação estabelece o conceito de “descentralidade” tão importante na obra do pensador estadunidense. A confederação estabeleceria a eleição de deputados pelas assembleias populares com mandatos revogáveis com funções meramente coordenativas e administrativas. É feita aqui também a distinção entre a elaboração de políticas, feitas pelas assembleias populares dos bairros e cidades confederadas e a administração feita pelos conselhos confederados, compostos pelos delegados eleitos de cargos revogáveis. Dessa forma, Bookchin entende a confederação como uma “comuna de comunas” onde haveria ao mesmo tempo uma descentralização e autonomia local mas também uma unidade federativa e interdepência das comunas.

Bookchin (2015, pg.111)  tende a ser crítico do nacionalismo e das “lutas nacionais” afirmando que as visões de Marx sobre as lutas de liberação nacional seriam “instrumentais” e teriam uma finalidade especifica dada a um pensamento em voga na época, e vê no autor um grande crítico do estado. Para ele, diversidade linguística e cultural, não podem ser confundidas com o nacionalismo, enfatizando que o socialismo deve defender essa multi-culturalidade e harmonização entre as culturas heterogêneas. O nacionalismo seria uma “abstração” feita pra dividir a humanidade e a confederação uma solução ao imperialismo e ao estado-nação. (BOOKCHIN, 2015, pg.113) Por fim, o autor também ressalta a importância de milícias populares para a defesa da revolução. (FERNANDEZ, 2016).

4. A Dimensão Econômica da Ecologia Social: A Municipalização da Economia

A municipalização da sociedade demandaria também uma “municipalização da economia”. A economia de mercado capitalista inevitavelmente levará a formação de monopólios corporativos e empreendimentos manipulativos que levarão a um caminho paralelo e convergente com o controle opressivo estatal (BOOKCHIN apud MARX, 1986).

O pensador é crítico as ideias de controle estatal e sindicalizado dos meios de produção, comuns a muitas vertentes socialistas, como o sindicalismo revolucionário. A liberdade não se limitaria a “democracia no local de trabalho” onde a lógica das horas de trabalho e a alta vulnerabilidade a centralização e burocratização persistiriam. Era preciso dar a liberdade aos trabalhadores de, se assim quisessem, não se tornarem escravos do trabalho fabril mas buscar outras formas de subsistência:

In any case, “economic democracy” has not simply meant “workplace democracy” and “employee ownership.” Many workers, in fact, would like to get away from their factories if they could and find more creative artisanal types of work, not simply “participate” in “planning” their own misery. What “economic democracy” meant in its profoundest sense was free, “democratic” access to the means of life, the counterpart of political democracy, that is, the guarantee of freedom from material want. It is a dirty bourgeois trick, in which many radicals unknowingly participate, that “economic democracy” has been re-interpreted as “employee ownership” and “workplace democracy” and has come to mean workers'”participation” in profit sharing and industrial management rather than freedom from the tyranny of the factory, rationalized labor, and “planned production,” which is usually exploitative production with the complicity of the workers. (BOOKCHIN, 1986)

A propriedade então seria integrada a comuna através de sua submissão as assembleias populares, que definiram seu uso e distribuição de recursos através de assembleias. Evitando o risco de se estabelecer uma “autarquia econômica” de alguma comunidade local, com a concentração de poder ecônomico,  o autor entende que a dinâmica da economia seria compartilhada pela confederação, que estabeleceria a gestão dos recursos, buscando efetivar a máxima marxiana de “cada qual conforme suas capacidades, cada qual conforme suas necessidades” através do trabalho cooperativo e comunal. A municipalização da economia abraçaria não apenas a esfera civil mas os meios de vida como um todo. (BOOKCHIN, 1986, pg.113) Em termos econômicos, o autor defende a possibilidade de uma sociedade de “pós-escassez” onde o avanço tecnológico poderia garantir não apenas a abundância em recursos fundamentais como também uma gestão ecologicamente consciente da tecnologia e da industria, criando assim um imenso potencial liberatório:

Bourgeois society, if it achieved nothing else, revolutionized the means of production on a scale unprecedented in history. This technological revolution, culminating in cybernation, has created the objective, quantitative basis for a world without class rule, exploitation, toil or material want. The means now exist for the development of the rounded man, the total man, freed of guilt and the workings of authoritarian modes of training, and given over to desire and the sensuous apprehension of the marvelous. (BOOKCHIN, 1968, pg.3)

Segundo Lewis Call (2002) o autor teria antevido o potencial da tecnologia no desenvolvimento humano de forma pioneira. Outra observação que se faz necessária são as conclusões práticas da municipalização da economia, que Bookchin (1968, pg.145) destaca ao fazer uma análise sobre os eventos de Maio de 68, onde houve uma explosão de ações autonômas de cunho socialista na região. O autor elogia o ato dos trabalhadores de setores industriais tomarem o controle das fábricas. Segundo ele, eles não deveriam meramente tomar os controles das fábricas mas também “administrá-las”. Bookchin defende a necessidade dos chamados “conselhos de trabalhadores” no interior das fábricas e acredita que tais órgãos são necessários pra administração da economia num período pós-revolucionário, preferindo porém denominá-los “comitês de fábrica”. Para ele, porém, os conselhos deveriam estar sobre controle total das assembleias de trabalhadores (BOOKCHIN, 1968,pg.16) Importante ressaltar também que Bookchin (1968, pg. 85) vê que a estrutura de “conselhos operários” pode ser instituir relações hierárquicas se não for ressignificada, uma vez que se trata de uma visão bidimensional de “trabalhadores e não-trabalhadores” desejando que os mesmos sejam ressignificados como órgãos administrativos, sobre controle dos próprios trabalhadores em assembléias populares, para que assim se possa evitar desvios burocráticos.

Por fim, o pensador entende que os trabalhadores de fábricas deveriam criar um conselho administrativo da economia, conectando as diversas unidades produtivas através de um conselho administrativo dos diversos comitês de fábrica, regulando as necessidades de abastecimento onde quer que fosse necessário. O autor enfatiza também que a maior parte das funções administrativas poderiam ser computadorizadas, bem como se deveria buscar a maior rotatividade possível dentro dos comitês de fábrica. (BOOKCHIN, 1968, pg.145)

5. Confederalismo Democrático e a Influência no Pensamento de Abdullah Öcalan

O Comunalismo de Bookchin foi demasiado influente no pensamento de Abdullah Öcalan. Mesmo preso e em condições de isolamento, o líder curdo chegou a se denominar um “bom aluno” de Murray Bookchin. (HEIDER; KONTNY, 2004) Reimar ao escrever diretamente a Bookchin afirmou:

Öcalan tem estado em confinamento solitário pelos últimos cinco anos. Durante esse tempo ele leu as traduções turcas de alguns dos livros de Murray Bookchin, especialmente “The Ecology of Freedom” e “Towards an Ecological Society” que os influenciaram profundamente. Ele reconstruiu sua estratégia politica em torno da visão de uma “sociedade democrática ecológica”, e desenvolveu um modelo para construir uma sociedade civil no Curdistão e no Oriente Médio. Ele tem recomendado os livros de Bookchin para cada prefeito em todas as cidades curdas e queria que todos os lessem. (HEINER , 2004)

No decorrer do desenvolvimento de seu pensamento, Öcalan absorveu o desenvolvimento teórico de Bookchin na medida em que crítica o “dogmatismo” do marxismo e o comprometimento na criação de um estado-nação, que seria segundo ele, um erro e a forma como o marxismo teria sido “absorvido” pelo capitalismo. (HEINER; SCHNEIDERBANGER, 2004)  Öcalan também destaca a questão feminina, e como a luta da emancipação da mulher seria uma demanda de extrema importância na emancipação geral da humanidade. Em resposta as influência de Bookchin, Öcalan estabelece seu modelo de comunalismo chamada de “confederalismo democrático”. Esse modelo aplicado nos cantões sírios de rojava, região autonôma seria resumido por Öcalan como uma “democracia sem estado” baseada não consenso coletivo e não nos fundamentos de poder (ÖCALAN,2011, pg.39)

Através de todo um próprio desenvolvimento teórico, o líder curdo  entende que o estado-nação estaria fundamentado em príncípios religiosos e nacionalistas, onde o nacionalismo seria uma espécie de “religião do estado” e onde as religiões organizadas cumpririam um papel de dominação. O Autor vê também na ciência positivista, segundo ele, predominante no ocidente um fundamento do estado e uma forma “mistificada” da relação entre observador e observado nas ciências naturais, bem como uma constante confusão entre “aparência e essência”. Por fim, entende também que o sexismo, isso é, a dominação do homem sobre a mulher e o patriarcalismo estariam diretamente ligados aos fundamentos do estado. (ÖCALAN, 2011 pg.12) Esses quatro princípios seriam os fundamentos ideológicos do estado-nação, além também da burocracia e do poder, que almejariam uma sociedade hierarquizada e a homogeinização cultural, visando “monopolizar todos os processos sociais”. (ÖCALAN, 2011 pg. 9)

Como uma solução para esse problema do estado-nação e seus fundamentos, Öcalan propõe o confederalismo democrático, que é uma forma de democracia direta baseada em fundamentos anti-sexistas, anti-capitalistas e ecologistas:

O confederalismo democrático está aberto em relação a outros grupos políticos e facções. É flexível, multi-cultural, anti-monopolista, e orientado para o consenso. Ecologia e feminismo são pilares centrais. No quadro deste tipo de auto-administração, uma economia alternativa se tornará necessária, o que aumentará os recursos da sociedade, em vez de explorá-los e, assim, fará justiça às múltiplas necessidades da sociedade. (ÖCALAN, 2011, pg. 15)

Öcalan (2016, pg.18) tece uma crítica incisiva a sociabilidade capitalista, estabelecendo que o trabalho assalriado seria a “forma mais desenvolvida de escravidão”. E propõe como alternativa uma “vida comunal” onde ao mesmo tempo se poderia construir uma extensão liberdade e desenvolvimento individual como também um senso de responsabilidade com a comunidade em que o indivíduo vive e desenvolve suas potencialidades. As assembléias populares e os conselhos gerais seriam uma forma de desenvolver a “nação democrática” um conceito que o pensador entende como distinto da ideia de estado-nação em si. (ÖCALAN, 2016, pg.21)

Propõe então que a economia seja regulada “nem o capitalismo privado nem o capitalismo de estado” estabelecendo uma “autonomia econômica” através de uma “industria ecológica e economia comunal” onde o lucro e a acumulação de capital são minimizados. (ÖCALAN, 2016, pg.25) Para ele o capitalismo seria um “inimigo da economia” (ÖCALAN, 2009, pg.112) Öcalan argumenta que a palavra economia teria origem no termo grego que denotaria a “administração familiar.” Para ele, o monopólio do estado na vida política e da economia estariam intimamente ligados. (ÖCALAN, 2009, pg.81)

Conclusão:

O pensamento de Bookchin incorpora uma análise social voltada a entender as necessidades do meio ambiente como as necessidades humanas, criando uma interelação entre problemas sociais e ecológicos. Seu projeto comunalista, uma forma moderna de socialismo libertário, busca oferecer uma alternativa política voltada pra superar o capitalismo e o estado, bem como outras formas de dominação, sendo diretamente herdeiro do pensamento radical e da teoria revolucionária dos príncipais pensadores socialistas. Para o pensador, uma sociedade ecologicamente equilibrada só pode existir em uma sociedade politica e economicamente livre. Sua influência no pensamento de Abdullah Öcalan é notória, onde o mesmo consegue construir uma síntese política que serve de exemplo para todos os defensores de uma sociedade democrática, socialmente justa e ecologicamente equilibrada.

Referências

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CALL, Lewis. Postmodern Anarchism. Lexington: Lexington Books. Maryland, EUA, 2002

BOOKCHIN, Murray. BIEHL, Janet. ÖCALAN, Abdullah. REIMAR, Heider. KONTNY, Oliver. SCHNEIDERBANGER, Uta. Abdullah Öcalan e Murray Bookchin – Correspondência. The Anarchist Library. 2004. Disponìvel em: https://bibliotecaanarquista.org/library/bookchin-ocalan-correspondencia#toc1 Ultimo Acesso em 08/11/2020 as 18:42.

ÖCALAN, Abdullah, Confederalismo Democrático; 2011. Grupo de Estudos Anarquistas Maria Lacerda de Moura. Tradução: Grupo de Estudos Anarquistas Maria Lacerda de Moura. Dezembro 2014, Rio de Janeiro.

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Colônia, Alemanha.

______.Capitalism: The Age of Unmasked Gods and Naked Kings: Manifesto for a Democratic Civilization: Volume II. 2009, Mezopotamien

MIMETISMOS

O poeta é um fingidor / finge tão completamente / que chega a fingir que é dor / a dor que deveras sente.
Fernando Pessoa

Chamamos de mimetismo ao comportamento de alguns organismos, emulando outros que apresentam defesas naturais a fim de enganar o predador ou que, ao contrário, imitam semelhança física suas presas como forma de se aproximar delas mais facilmente.
Uma simples camuflagem permite se esconder num ambiente para se salvar, porém espécies miméticas podem exibir características de advertências que espécies verdadeiramente perigosas possuem, e serem mais eficientes na luta pela sobrevivência.
O Zeitgeist, o espírito dos tristes tempos em que vivemos inclui comportamentos aberrantes, em condições normais não conseguiríamos entender vários deles como o do “ativista negro” que ataca grandes personalidades negras encastelado na função de presidente da Fundação Zumbi dos Palmares, convivemos com um ministro da saúde incensado por ser especialista em logística e que não entende nada de logística e muito menos de saúde. São muitos os maus exemplos, ministros da educação sem a menor educação ou competência, chanceler que se encarrega de provocar brigas estúpidas e sem sentido com nosso maior parceiro comercial, ministro do meio ambiente empenhado em destruir o meio ambiente. Um presidente cuja única agenda é se reeleger presidente, sem explicar ou saber sequer para que, talvez para então procurar mudar a Constituição e partir em busca de outro mandato.
Tudo isto, somado a um tonel de absurdos, poderia fazer algum sentido dentro da lógica de que o poder enlouquece, e que o poder evanescente enlouquece mais ainda. Mas ficamos espantados ao ver o comportamento e a ideologia, se isso pode ser qualificado de maneira tão nobre, de uma enormidade de pessoas que não tem nenhum poder ou chance de vir a tê-lo, que não pode esperar grandes vantagens pecuniárias advindas de sua sabujice e que no entanto apoia delirantemente tudo o que o “mito” mistifica; pessoas maduras, alfabetizadas, supostamente inteligentes, que afirmam que a Terra é plana, a cloroquina salva, que temos de sacrificar nossos próprios interesses nacionais para fazer “a América grande de novo”, e muito mais.


O ambiente social parece exercer uma atração irresistível para muitos, que procuram se confundir com suas características pelo propósito de aceitação ou de intimidação. Em muitos casos, a identificação decorre mais do desejo de estar “alinhado” com a tendência dominante e menos com uma crença real nos valores desta tendência. É o que ocorre, por exemplo, quando roupas, objetos, acessórios, são comprados aos milhares por pessoas que desejam se assemelhar a artistas em evidência que os usam ou divulgam. Isso é inócuo quando se considera a identificação quase demente com figuras políticas ou religiosas, que gera comportamentos irracionais de aceitação.
Muitas pessoas tentam se tornar “invisíveis” aos outros, confundir-se com o ambiente assumindo posições que julgam dominantes, assim é possível conceber o recente caso de um negro que atacou de forma cruel e descabida uma candidata negra recém eleita. Ao agredir, nega-se possuir o mesmo tom de pele, pertencer ao mesmo extrato social, compartilhar os mesmos problemas de viver numa comunidade racista e não ter acesso a alguns benefícios tão claramente concedidos a outros. Mimetiza-se o preconceito que permite o ataque.
Alguns adotam comportamento semelhante assumindo a violência hoje onipresente no trato social, numa sociedade que parece cada vez mais crer nas armas como solução de conflitos, revelar agressividade em relação ao diferente, um senso de humor grosseiro, misógino e xenófobo, que esconde muitas vezes as fragilidades pessoais que desejam esconder.
O avatar que muitos portam hoje tende a tornar-se cada vez mais indesejável, inculto e hostil; revalorizar a cultura e a gentileza é essencial.